O artigo é enorme — tem duas páginas completas — mas os nove primeiros parágrafos são todos dedicados ao Porto, com claro enfoque para a Livraria Lello, ainda que seja referida toda a cidade, bem como o nosso País, e a sua invasão turística.
Esta terça-feira, 21 de agosto, a reputada revista alemã “Der Spiegel” publicou na sua versão online uma extensa reportagem a que chama “Paraíso perdido: como os turistas estão a destruir os lugares que eles amam”, onde disserta sobre o fenómeno da invasão turística em diversos locais, e as suas consequências, nomeadamente a perda da identidade e das características que atraíram os visitantes para aqueles locais.
Em Portugal, já há muito que se fala neste fenómeno. Há vários grupos e cidadãos que alertam para o facto de as zonas históricas estarem em risco de descaracterização, de os espaços de restauração ficarem iguais e de os monumentos ficarem tão lotados que não se conseguem visitar.
Aqui, os olhos frescos de uma uma equipa de dez jornalistas da “Spiegel” explica que viajar “não é mais um bem de luxo”, e que companhias aéreas como a Ryanair e a EasyJet contribuíram para uma forma de turismo de massa que fez com que os moradores locais se começassem a sentir estrangeiros nas suas próprias cidades, em destinos como Barcelona e Roma. A infraestrutura está a ceder sob a pressão, diz a revista, e fala então da Lello.
Diz o artigo que é com orgulho que a mulher da recepção de um hotel na cidade do Porto mostra ao jornalista um mapa e aponta a Cidade Velha, o Douro e “a livraria mais bonita do mundo”.
Explica-se que o local é incrível, localizado num edifício neo-gótico de dois andares com muita madeira escura, uma abundância de livros antigos, ornamentação e vitrais, e uma escada curva bem no meio. Lembra-se que J.K. Rowling costumava visitar a Livraria quando morava no Porto no início dos anos 90 e que ela terá mesmo inspirado a saga Harry Potter. E conta-se que a primeira coisa que se percebe quando se aproxima da Livraria Lello é a longa fila de japoneses, escandinavos, famílias da França, casais da China, americanos e alemães.
“Eles vêm, ficam brevemente e depois vão embora, mas agem como se fossem donos das cidades que visitam”
O artigo conta ainda a história de como a Lello ficou à beira da falência há quatro anos, como resultado da crise financeira.
“A livraria não tinha falta de visitantes, o problema era que as pessoas compravam cada vez menos livros. Alguém sugeriu que a loja deveria começar a cobrar uma taxa de admissão de cinco euros. Podia parecer loucura na época, mas agora quatro mil pessoas visitam a Livraria todos os dias enquanto, durante o verão, o número de visitantes aumenta para cinco mil. A loja teve 1,2 milhão de visitantes em 2017 e faturou mais de sete milhões de euros”, escreve a revista.
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Apesar do seu sucesso, de não mudar o facto de ser incrível, a Lello “tornou-se um símbolo da natureza predatória do turismo moderno, um estilo de viagem que devora todos os lugares bonitos” que o impulsionam. “Pergunto-me quando um morador visitou pela última vez a Livraria Lello. Os residentes do Porto também precisam de ficar na fila e pagar cinco euros?”
A “Spiegel” considera no entanto que Portugal deve a sua recuperação, em parte, ao crescimento de dois dígitos no turismo, incluindo nas áreas no outrora empobrecido norte em redor do Porto. “A Ryanair e a EasyJet voam para a cidade há anos e há muito tempo são consideradas o novo local para o turismo. No ano passado, cerca de 2,5 milhões de turistas estrangeiros visitaram a região e metade deles visitaram a Livraria Lello”.
E ainda assim, lembra que o Porto não foi tão invadido como aconteceu em Barcelona ou Amesterdão, cidades onde os moradores locais já se começaram defender contra os turistas.
Para a revista, algumas das cidades mais bonitas e únicas da Europa estão a transformar-se em museus e parques temáticos e estão a apostar em espaços para turistas, onde os moradores até podem trabalhar, mas certamente não vivem. “Os turistas sentam-se em restaurantes tradicionais desprovidos de moradores enquanto observam outros turistas”, escreve. “Às vezes, realmente parece uma invasão turística. Eles vêm, ficam pouco tempo e depois vão embora de novo, mas agem como se fossem donos das cidades que visitam”.
E lembra ainda os casos em que as infraestruturas simplesmente não estão a aguentar a invasão — como os aeroportos da Alemanha, que viveram um verão caótico com turistas a discutir em frente aos monitores e cancelamentos e atrasos constantes.
A conclusão do texto é simples: os moradores das cidades e regiões afetadas são talvez os maiores perdedores da história. Como quando o alojamento local torna o arrendamento de cidadãos comuns impossível, ou quando “os passageiros têm que se espremer num transporte público superlotado”.
E diz que em muitos locais já há hostilidade aberta. É comum ler-se nas paredes “turistas voltem para casa”, assistir a protestos ou até a confrontos diretos com turistas em zonas como Palma de Maiorca, Veneza, Barcelona, Amesterdão — e em muitas destas cidades, já existem intervenções dos governantes para limitar o turismo, ou pelo menos o alojamento local.
Em largas dezenas de parágrafos fala-se ainda de Roma e Dubrovnik, do lixo nas ruas, dos turistas de cruzeiros, dos motivos por detrás de todas estas mudanças e de toda esta mega circulação de turistas pela Europa (novamente, a massificação permitida pela descida de preços). E sem grandes novidades, conclui-se que indústria de viagens parece estar a começar a “sufocar com o seu próprio sucesso”.
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