Na cidade

Embaixada dos Açores: Sanjoaninas, um verdadeiro “museu vivo” de tradições

Na nova crónica de Luís Filipe Borges, o realizador fala sobre a importância das as maiores festas populares do arquipélago.

“A cidade vibra com o som de dezenas de filarmónicas que vêm dos quatro cantos da ilha. Descem uma a uma a rua da Sé e outras ruas, por si só, sem outro propósito do que o de alegrar toda a cidade. Estonteante. A cidade é som. A cidade é música.”

Os Açores são oito ilhas e um parque de diversões. A frase é conhecida e serve para caracterizar a ilha Terceira na forma extrovertida, expansiva e acolhedora como os terceirenses levam a sua vida. Desde as touradas à corda, passando pelas festas religiosas, os bailinhos de Carnaval, os festivais de música, os bailes nas coletividades, as desgarradas, etc. E se a Terceira é o parque de diversões dos Açores, então o maior “carrossel” só podem mesmo ser as Sanjoaninas. As Sanjoaninas são consideradas as maiores festas dos Açores e, durante 10 dias, fazem com que um mar de gente oriunda de todos os lados positivamente inunde Angra do Heroísmo.

Apesar de terem sofrido grandes transformações nas últimas décadas, as Sanjoaninas mantêm muitos dos seus costumes iniciais e remontam ao tempo do povoamento das ilhas, sendo conhecidas como as maiores festas profanas do país. São, por isso, um exemplo de património cultural e um verdadeiro “museu vivo” de tradições que importa preservar e registar.

Mais do que concertos, cortejos e touradas, as Sanjoaninas são a expressão máxima de um povo que gosta de celebrar e de afirmar a importância da Terceira na História de Portugal.

Já deve estar a fazer uns 15 anos que realizei um dos sonhos mais altos na minha bucket list: levar o “5 para a Meia-Noite’” durante uma semana inteira, à ilha (e logo em plenas Sanjoaninas). Uma autarca generosa e solícita, material técnico débil e diretos em exterior compensados com a entrega açoriana característica e aquele espírito de equipa, de antes quebrar do que torcer, que nos comove quando nos vemos envolvidos nele. Como se costuma dizer, é o que se leva desta vida.

As Sanjoaninas têm uma enorme importância na identidade dos terceirenses e, pela forma como envolvem as restantes ilhas, dos próprios Açores. É através destas festas que a herança cultural nas suas mais diferentes tradições, é passada de geração em geração. Existe uma necessidade de educar mas também de afirmar a importância histórica da Terceira no contexto da História de Portugal, através dos temas das festas que celebram episódios marcantes em que as ilhas foram protagonistas. Um novo sonho, que partilho com o meu grande amigo, realizador e editor, Diogo Matos Rola, é produzirmos uma série documental rodada em plena edição sanjoanina. Veremos o que o futuro traz.

As festas populares fazem parte da cultura portuguesa. De norte a sul do país não há aldeia, vila ou cidade que não tenha as suas festas e que não se orgulhe delas. E se é assim no país inteiro, na Terceira é muito mais.

As Sanjoaninas fazem parte do ADN dos terceirenses, conhecidos pela sua boa-disposição e por saberem receber. Durante vários meses, Angra do Heroísmo prepara-se para cerca de 10 dias de festa que, para aqueles que não vão à cama, parecem ser muitos mais. E é esse o espírito das Sanjoaninas. Celebrar a vida e os amigos, sendo que os amigos podem ser todos quantos visitam a ilha porque é quase impossível viver as Sanjoaninas sem ser convidado para petiscar ou beber numa das muitas tascas que grupos de companheiros abrem apenas por ocasião do evento – e que, em muitos casos, já deram lugar a negócios permanentes.

Mas as Sanjoaninas não se ficam por aqui (e já seria muito); também encerram em si uma importância vital na identidade de um povo que vive na insularidade, mas que não se deixa definir e/ou apenas limitar por ela. E, por isso, é fundamental conhecer com mais detalhe esta Festa que reúne tantas particularidades e, embora tenha semelhanças com outras festas que ocorrem pelo país inteiro, apresenta imensas singularidades e um carácter próprio.

Acreditamos ainda que urge, à beira do meio século de história, um documento audiovisual que dignifique e honre o passado, o estatuto, a herança e o labor de todos aqueles que entregam suor, sangue, e às vezes lágrimas à concretização destas festas eminentemente populares, inclusivas, um extraordinário polo de atração e paradigma do espírito comunitário.

Por que razão mencionar tudo isto agora? Talvez por estarmos no pico do inverno, encontrar-me distante de casa, a tentar equilibrar-me entre tempestades e depressões, sonhando acordado com o calor dessa celebração. Venha junho, venham as fogueiras para saltar na rua e as tascas de ocasião. Venha aquele tempo intenso e alegre – em que até nos esquecemos de que vamos morrer.

And Now for Something Completely Different

“CAIXA NEGRA – Arca de Memórias Açorianas” mereceu apoio da Sociedade Portuguesa de Autores, foi um dos vencedores nacionais do Caixa Cultura, iniciativa extraordinária da Caixa Geral de Depósitos, teve parceiros da Região Autónoma dos Açores que muitos nos honram, vai em mais de 150 mil espectadores só nos streams do Facebook da RTP Açores, está disponível na RTP Play, acabou há pouco de ser emitido na RTP2, em breve pelo mundo na RTP Internacional, já na RTP Ásia e África, venceu prémios e concluiu o seu percurso com o mais velho dos nossos protagonistas seniores. O Dr. Álvaro Monjardino, personalidade lendária da autonomia açoriana, antigo ministro, advogado de excelência, arquitecto da primeira cidade portuguesa Património Mundial da Humanidade, primeiro líder da Assembleia Legislativa Regional, apaixonado por História, essencial na reconstrução de Angra do Heroísmo após o Terramoto de 1980.

Estivemos com ele poucos meses antes de partir, à beira dos 94 anos, e o programa não teria sido possível sem o apoio da sua esposa e de uma das suas filhas – Luz – que tragicamente também morreria, dias após o pai. É a ambos que dedicámos o privilégio de termos podido concretizar este 10º, e último, episódio.

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