Na cidade

Fiz uma escapadinha romântica em Óbidos — e quero casar-me lá

A NiT passou um fim de semana na vila medieval e andou de charrette, segurou um falcão e passeou de kayak na lagoa.
Pitoresca e linda.

São 19h20 de sexta-feira, 7 de agosto. Ao sairmos da A8, vemos o postal vivo que é a vila de Óbidos. Chegamos ao Josefa D’Óbidos Hotel, na Rua Dom João de Ornelas, mesmo à entrada da vila medieval, onde somos recebidos com um copo de ginjinha da tradicional Oppidum.

Eu e o meu namorado deixamos as malas no quarto 11 do alojamento de quatro estrelas. A Suite Azul tem 30 metros quadrados, divididos entre sala, quarto e casa de banho; e vista para a muralha. É ao lado dela que descemos para o Jamón Jamón. Entramos no restaurante com paredes de pedra, e somos encaminhados por Vítor Hugo até à mesa reservada na esplanada.

As cadeiras e as mesas são todas diferentes entre si. O forno a lenha, onde é cozido o pão todas as manhãs, mantém a porta fechada. Vítor Hugo tem 29 anos e trabalha em restauração desde os 13. É a pessoa certa para nos aconselhar os melhores petiscos e pratos da ementa. Optamos pelos croquetes de alheira, choco frito e bochechas de porco. Isto só para petiscar. Como prato principal, pedimos o entrecôte da região.

“O restaurante era uma padaria há nove anos, depois começaram a servir pratos do dia. E há quase três anos viemos para este espaço. Continuamos a vender pão, apesar de agora estarmos mais concentrados nas refeições, desde a quarentena”, refere Vítor. Pelo meio, explica-nos os ingredientes de cada pão da casa (não deixe de provar o de abóbora) e traz-nos uma sobremesa feita de propósito para nós.

“Não podem ir embora do Jamón Jamón sem provar o presunto”, diz-nos com a surpresa na mão. O prato está coberto de fatias finas e salgadas, decorado com frutos secos, uma cama de grissini e um pequeno quindim por cima, “ao estilo toucinho do céu”.

A chuva acompanha-nos de volta ao hotel, onde nos espera uma “surpresa romântica”. O tabuleiro de tom azul turquesa, que combina com a decoração da suite, traz taças de fruta, merengue, doces, e espumante.

São 9h30, e ainda estamos a digerir o jantar da noite anterior, quando o pequeno-almoço nos chega à porta do quarto — privilégio agora incluído em todas as tarifas devido à pandemia do novo coronavírus. Pães, croissant, ovos, carnes frias, bolo, iogurte, fruta, sumo de laranja, café e chá, compõem o cenário idílico desta refeição na cama.

À nossa espera à porta do hotel estão os cavalos Rio e Maior, e o senhor Zé. A charrette Mylord do tipo Vis à Vis, do século XIX, é o nosso transporte durante a manhã para conhecermos o interior da vila, com as suas ruas estreitas em calçada. Passamos na Rua Direita, onde nenhum outro tipo de carro pode passar, e tornamos-nos nos protagonistas de dezenas de vídeos para o Facebook e o Instagram de turistas. “Vamos sair da vila e vou-vos levar ao Santuário do Senhor Jesus da Pedra”, diz o nosso motorista.

Entramos na igreja redonda e com um teto de 30 metros de altura, e lá está a pedra, ao fundo. É uma cruz, em tons cinza, com uma inscrição indecifrável. Reza a lenda, que na região não chovia há meses, comprometendo todas as colheitas. Um camponês encontrou esta cruz de pedra no seu terreno, e nessa noite sonhou que ela lhe disse que se construísse uma capela, iria chover. O resto, conseguem adivinhar.

Somos deixados em frente a outra igreja, a de Santa Maria, bem perto do Capinha d’Óbidos. Belinha fundou o espaço há dez anos e tudo o que lá é confecionado é cozido em forno a lenha. O bolo da casa é precisamente o Capinha, apelido da dona, e feito a partir da receita secreta da sua bisavó. Além dessa, o espaço dedica-se a outras receitas tradicionais e quase perdidas, como é o caso das broas de azeite com mel, de Marvão.

Subimos ao miradouro do Campo da Bola, no Castelo de Óbidos, e connosco vem uma cesta de piquenique e um alguidar de barro. Colocamos nós a mesa, sobre os tampos de madeira públicos. Para provar há pão com chouriço, pão com fiambre, presunto, queijos, linguiça, doce de tomate, broas, pão, fruta, limonada, sumo de laranja, café, e, claro, o bolo Capinha. A vista faz-se das árvores que nos dão sombra, dos campos, e dos telhados das casas da vila; nas costas, a muralha do castelo. Entregamos a loiça no espaço quente, onde o forno a lenha nunca é apagado.

“Bem-vindos ao maior parque oriental da Europa”, ouve-se na gravação do comboio dentro do Bacalhôa Buddha Eden. O parque temático, que tem novidades todos os anos, fica dentro da propriedade de 90 hectares da Quinta dos Loridos. Certamente o conhece pelas esculturas gigantes de figuras de Buda que invadem constantemente o Instagram, mas a mais recente novidade transporta-nos para outro continente.

O jardim africano tem um lago rodeado de palmeiras, com carpas koi, seguido de um jardim coberto de bamboo e estátuas étnicas — o paraíso para as fotografias —, que estará concluído no próximo ano.

São, entretanto, 20h30 e entramos no Lounge, o restaurante de Élio Gomes, aberto desde 2008. Apresentam-nos chouriço assado, camarões à Lounge, polvo à lagareiro, delícias de porco preto, sangria de espumante e frutos vermelhos, e pudim. “Isto está muito difícil com a pandemia, mas mesmo assim, ainda pensei que fosse pior”, confessa-nos Élio, após uma refeição maravilhosa na esplanada que fica por baixo de um telheiro de madeira.

Percorremos as ruas do centro da vila, que ganham ainda mais charme com as luzes e a cor da noite. “Apresento-vos o Hórus.” Miguel Gomes segura um falcão na mão esquerda. O falcoeiro tem 48 anos e 20 de falcoaria — estamos de volta ao hotel. “São os únicos seres que me aturam”, diz o homem solteiro, que explica que a falcoaria portuguesa é Património Imaterial da Humanidade.

A sua paixão por aves de rapina sente-se nas palavras, na troca de olhares com Hórus, e nas festas que lhe faz no bico. “Um falcão peregrino pode viver até aos 25 a 30 anos, e voa a 388 quilómetros por hora.” Colocamos uma luva de plástico, medida anti-Covid, e uma luva de falcoeiro para seguramos no falcão, através de uma pequena corda que está presa na pata.

Segue-se a Pikoka, um bufo de bengala com sete anos, indiana e mais atrevida. O falcoeiro, que tem cerca de 40 aves, faz alguns voos com a Pikoka — que lembra uma coruja —, intercalados pelos snacks de codorniz. “Ela deveria pesar 1,1 quilos, mas pesa 1,5. É uma gulosa, e eu já desisti.”

Chegámos ao último dia

É domingo, 9 de agosto, e é o último dia desta escapadinha romântica. Ilda Cruz espera-nos na esplanada da entrada do hotel, onde na noite anterior nos encontrámos com Miguel e as suas aves de rapina. Trabalha há 18 anos no Turismo da região, área em que ingressou porque adora viajar.

Conta-nos que, em 2013, Óbidos se tornou “Vila Literária”, uma das únicas dez da Europa. E, com esse mote, chegamos ao Mercado Biológico, que é também uma livraria em segunda mão, que fica mesmo no centro da Rua Direita. Os livros são dispostos em caixas de transporte de fruta, que servem de prateleiras ao longo de todas as paredes do espaço. Numa das pontas da loja, há uma mercearia biológica que se encontra cheia de curiosos.

Ilda conta-nos que Josefa D’Óbidos foi a pintora que se tornou a fundadora da primeira escola de pintura do País, no século XVI, numa época onde tal feito por parte de uma mulher era ainda mais de louvar. No fim da Rua Direita, chegamos à livraria mais incrível que já vimos.

A Livraria de Santiago fica dentro de uma igreja que, abandonada e destruída por dentro, nunca chegou a ser restaurada devido ao enorme investimento que seria necessário. Atualmente, é uma livraria, tornando aquele num dos espaços mais cool que irá conhecer.

Passamos pela muralha e entramos no castelo, onde, não fosse a pandemia, estaria a decorrer a feira medieval. Ilda conta-nos que Óbidos é considerada a vila das rainhas, por ter sido ao longo da história o dote de casamento oferecido pelos reis portugueses às suas mulheres. “Muitos dizem que Óbidos é tão bonita por ter sido sempre tratada por mulheres”, diz-nos, entre risos.

Terminamos o passeio no mesmo ponto de partida. Na rua que dá entrada para a muralha, encontra-se Manuel Madureira. Na sua loja, ao lado da farmácia, seca flores que cultiva em casa e faz coroas e pulseiras que, além de lindas, se enquadram na perfeição com a aura medieval do local.

Não muito mais à frente, fica o Avocado Coffee & Healthy Food, o espaço de Patrícia Varandas, que abriu no verão do ano passado e que tem brunch todo o dia. Se passar por lá, não deixe de provar os bagels, os sumos naturais, e as smoothie bowls.

Fazemos as malas, carregamos o carro e estamos a caminho do último ponto da nossa viagem. O destino: Lagoa de Óbidos. O céu está nublado, mas está calor. Estacionamos do lado da Foz do Arelho e, no areal, está Miguel Castro, da Intertidal, e dois kayaks.

Durante três horas percorremos a Lagoa a pagaiar (e não remar, como muitos de nós dizemos). Miguel é especialista nas espécies endémicas da região e leva-nos até à pequena ilha que se encontra no centro da água salgada. “Isto é salicórnia. Já devem ter ouvido falar porque está muito na moda nos restaurantes gourmet. É um óptimo substituto do sal. Podem apanhar e provar”, diz-nos enquanto aponta para os pequenos arbustos verdes e avermelhados, como se fossem suculentas.

É salgada. Mais à frente, provamos umas algas comestíveis, conhecidas como “dead’s man fingers”, ou em português, dedos de homem morto. Apanhamos amêijoas e aprendemos a devolvê-las à lagoa na sua posição correta — verticalmente.

Encharcados, regressamos a Lisboa com a comida, a ginjinha, as ruas pitorescas e os passeios na memória. Mas é o Vítor, o senhor Zé, a Belinha, o Élio, o Miguel, a Ilda, o Manuel, a Patrícia, e o outro Miguel, que fazem deste um sítio único para visitar e conhecer melhor. Porque onde nos sentimos em casa é, normalmente, onde queremos estar. E já que estamos a falar em casa, esta vila seria seguramente um dos sítios onde eu gostava de casar. Percebeste, Luís?

Carregue na galeria para conhecer melhor alguns dos sítios por onde a repórter da NiT passou em Óbidos.

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