na cidade
O primeiro dia da Expo’98 foi assim
A última exposição universal do milénio aconteceu em Lisboa. Foi há 20 anos. Ainda se lembra? Recordamos a abertura hora a hora.

O Oceanário era o pavilhão preferido dos visitantes
Os portões abriam às 10horas e uma hora e meia depois já tinham entrado mais de 9 mil pessoas. Era sexta-feira, 22 de Maio, dia da abertura ao público da Expo’98. Debaixo de um sol implacável, 16 mil pessoas, sobretudo franceses italianos e muitos espanhóis, invadiam a zona Oriental de Lisboa. Houve confusão nas portas – alguns torniquetes não funcionavam — e quem tivesse tentado entrar com bilhetes de 9 de Maio, data do ensaio geral. A principal atracção? Os seis mil metros cúbicos de água do Oceanário. Em minutos formou-se uma fila com mais de 200 pessoas.
Na véspera, 3600 convidados, entre muitos chefes de Estado, tinham assistido ao concerto quase falhado de José Carreras — a meio do espectáculo as colunas deixaram de funcionar e o tenor teve de terminar a actuação a cantar à capela — e aos improvisos de Carlos Cruz e Júlia Pinheiro com um tele-ponto incontrolável, projetado no palco atrás dos dois apresentadores.
Michael Nyman fora o primeiro a actuar, interpretando três temas da banda sonora de “O Piano”, pouco depois de Jorge Sampaio, então Presidente da República, ter anunciado a abertura do evento: “Declaro oficialmente aberta a Exposição Mundial de Lisboa, 1998”.
A cidade parou. Várias artérias da capital foram cortadas para deixar passar os VIP. As expectativas eram altas: a organização estimava oito milhões de visitantes ao longo dos 131 dias da exposição. No recinto, foi descerrada uma lápide no edifício da administração, em memória dos oito trabalhadores que morreram nas obras, e a meio da tarde começaram os discursos oficiais.
O momento mais animado foi mesmo o que antecedeu as palavras dos chefes de Estado. A cerimónia estava a ser transmitida num ecrã gigante, e sempre que surgia alguma cara conhecida da bancada lá vinham os aplausos. Um barómetro de popularidade que confirmou Soares, D. Duarte de Bragança e D. José Policarpo como os mais acarinhados. “Não tão consensuais são as figuras de Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa”, escrevia então o jornal “A Capital”.
O preço dos bilhetes variava entre os 5000$ (25€/dia) e os 12 500$ (62.5€) para o passe dos três dias. Os passes de três meses eram mais caros: 50 000$ (250€) , mas no primeiro dia ninguém conseguiu trocar o voucher pelo ingresso. O teleférico, umas das principais atracções, que ainda hoje se mantém em funcionamento, custava 500 escudos (2.5€).
Para quem não podia dar-se ao luxo de, por exemplo, pagar 200 escudos por um café (1€ na conversão direta), a solução foi o inevitável farnel ou os fast-food espalhados pelo recinto. Mas até aí os preços eram praticamente inacessíveis ao bolso dos portugueses: fatia de pizza pequena a 800 escudos (4 euros), cervejas e refrigerantes entre 300 e 350 (quase dois euros). Um menu do McDonald’s, que no centro de Lisboa se vendia a 600 escudos, no recinto da Expo’98 custava 750 escudos (quase 4€). Para não falar dos restaurantes de luxo, como o da torre panorâmica, só acessível aos mais endinheirados: um almoço custava 10 contos (50€).
O dia da abertura ao público
9h — Bilheteiras: alguns estudantes aguardam desde as seis da manhã a abertura das portas, marcada para as 10horas. Os parques de estacionamento nas imediações estão com aspecto abandonado: as árvores não têm folhas e há pó por todo o lado. É sexta-feira, 22 de Maio, e está um sol abrasador. A organização estima que os visitantes demorem meia-hora nas filas mais concorridas. Na entrada Sul, alguns torniquetes avariados provocam a confusão entre um grupo de belgas que não consegue entrar.
10h — Barcos: São das zonas mais concorridas do primeiro dia de exposição. No Porto de Recreio da zona ribeirinha do recinto, uma exposição náutica com embarcações de todo o mundo chama a atenção dos primeiros visitantes. À mesma hora decorrem dois espetáculos de teatro: o Natural Theatre Company e a performance “Mafamagafa”, pelo Joana Grupo de Teatro. Ao longo do dia e espalhados pelo recinto 310 figurantes fazem animação de rua.
11h — Gare do Oriente: são esperadas 100 mil pessoas para o primeiro dia da Expo-98. Inaugurada dias antes da abertura, a Gare do Oriente é o principal ponto de chegada de quem recorre aos transportes públicos para se deslocar até à zona Oriental de Lisboa. Escutam-se palmas nas galerias e o deslumbramento perante a obra de Santiago Calatrava é geral. António Guterres, então primeiro-ministro, que não morria de amores pela ideia – considerava-a megalómana – acabaria por homenagear o arquitecto espanhol. “Uma catedral do betão, do aço e do vidro (…) a simbolizar um dos muitos monumentos que fazem de Lisboa uma cidade europeia”, disse o então primeiro-ministro, ao jornal “A Capital”.
12h — Mega Ferreira, comissário da exposição, e António Costa, então ministro da Presidência com a tutela da Expo, e visitam o pavilhão do Japão. À saída, Costa fala ao telemóvel. “Queres ir de teleférico à Torre Vasco da Gama?”, pergunta ao seu assessor. O actual primeiro-ministro acabaria por cear apenas pelas 23horas, no restaurante flutuante francês. Há vários dias que dorme no Hotel Oriente. “É muito cómodo. Não guio e o meu motorista não pode ficar sempre à espera”, disse citado pelo “Público”.
17h — Com 17 palcos espalhados pelo recinto, a Expo-98 tem uma programação musical intensa que ao longo de três meses levará a Lisboa milhares de visitantes. O maestro António Vitorino d’Almeida é dos primeiros a actuar, juntamente com o pianista Afonso Malão, no Pianomóvel. João Braga e Mafalda Arnauth são os anfitriões do fado e no Palco 2 uma banda de Jazz do Hot Club dá os primeiros acordes da tarde. No anfiteatro da Doca há dança contemporânea com uma peça de Deborah Colker.
22h — Praça Sony: foi dos espaços mais simbólicos da Expo’98 e onde aconteceram os principais espectáculos. Tinha tudo o que achávamos melhor, sobretudo aquele ecrã gigante que hoje desapareceu. Foi naquele palo que passaram alguns dos artistas mais conceituados, como aconteceu com Lou Reed ou Ringo Starr.
Meia-noite — Acqua Matrix: o espetáculo assinalava o encerramento diário da exposição e levava milhares de visitantes até à zona da doca. Na altura fazia sentido a expressão “espetáculo multimédia”: um ovo gigante, uma girândola de fogo de artifício, jactos de chamas e som faziam do Acqua Matrix um dos momentos mais emblemáticos da Expo’98.
Recorde o artigo que publicamos sobre a zona onde foi construída a Expo 98 e toda a história até à sua inauguração.