A visita à Tapada de Mafra começou mal. Quando entrei na recepção, que é um três em um de bilheteira, loja e cafeteria, deparei-me com duas funcionárias a tentar resolver um qualquer problema técnico. Disse boa tarde, sorri, acenei com a cabeça, fiz todos os movimentos corporais de que me lembrei para tentar chamar a sua atenção. Nada. Zero.
“Ok, estão demasiado concentradas no computador. Vamos passar ao plano B”, pensei. Dei três passos para a esquerda, e coloquei-me estrategicamente atrás de uma professora que tentava despachar os pedidos de meia dúzia de alunos. Esperei pacientemente entre pedidos de gelados e peluches fofinhos para levar para casa. De repente, sou ultrapassada por um casal de meia idade que decide ir ver os ímans para o frigorífico. “Não gostas?”, pergunta o homem. “Não é isso, são muito grandes”, responde a mulher.
Não sei muito bem explicar o que aconteceu a seguir. Quando dou por mim, aparece uma quarta funcionária na loja que começa a responder a perguntas sobre ímans e mais uma vez sou ignorada em todas as minhas tentativas de chamar a atenção (a minha linguagem corporal e grunhos vocais estão ao rubro neste momento) e, de repente, a senhora já está de carteira na mão a pagar. Pronto, já me passaram à frente.
— Como é que se chama aquela coisa que torna o Harry Potter invisível?, pergunta-me o meu namorado.
— Manto de invisibilidade.
— Isso. É como me sinto neste momento.
Há relacionamentos que começam bem e terminam mal. Outros começam mal e terminam bem. Depois há aqueles que começam mal, continuam mal e terminam mal — e que nos deixam com aquela sensação de que tínhamos todos os sinais na nossa frente e fomos simplesmente idiotas em ignorá-los. Foi exatamente assim que me senti no final da minha visita à Tapada de Mafra. Naquele momento, porém, ainda estava entusiasmada. Errar é humano, as bilheteiras são confusas, um sistema de senhas talvez não fosse assim tão má ideia, mas pronto, vamos lá manter a calma que isto foi apenas um percalço no passeio maravilhoso que nos espera. Fé na humanidade.
Acabei atendida pela dupla que se gladiava com o computador.
— Já almoçaram?
— Não, trazemos aqui algumas coisas para comer.
— Não podem comer lá dentro. A comida pode atrair os animais.
Silêncio. Acho que voltei a fazer um grunhido indecifrável.
— Só se for uma sandes.
— Bem, trazemos Bollycaos.
— Pronto, isso pode ser.
Fiquei contente com a rapidez de resposta do meu namorado, porem agarrei-me à mala como se trouxesse uma bomba relógio lá dentro. Era mentira. Sim, tínhamos Bollycaos, mas também um pacote de batatas fritas, sumos e dois tupperwares a abarrotar com uma quiche de fiambre.
Ok, eu levei a descrição de “floresta encantada de biodiversidade e diversão” (é esta a designação no site) muito a sério, e na noite anterior só me imaginava de toalha estendida no meio do campo a fazer um piquenique romântico. Já agora, também tinha a toalha dentro da mala. Estava visto que teria de pôr de lado os meus delírios de Branca de Neve. Desilusão número um.
Há vários programas para fazer dentro da Tapada de Mafra — percursos de BTT, demonstrações de voo livre, ateliers de apicultura, passeios de comboio. Optámos por manter as coisas simples e fazer um dos percursos pedestres (4€ por pessoa). São quatro: azul, verde, vermelho e amarelo. Têm diferentes níveis de duração (entre quatro a oito quilómetros), grau de dificuldade e declive. Escolhemos o amarelo, com aproximadamente oito quilómetros.

A funcionária encaminhou-nos para a entrada e pediu-nos encarecidamente que nos mantivéssemos no trilho.
— Por favor, sigam as setas. Às vezes as pessoas seguem outros caminhos e depois ligam-nos porque estão perdidas. É uma chatice, obriga-nos a parar os serviços todos e não há necessidade disso. — Disse, enquanto nos entregou um mapa para as mãos. — Por favor, peço-vos, sigam sempre as setas.
A seriedade com que aquelas palavras foram ditas deixou-me com medo. Assim, quando nos despedimos e começámos finalmente o nosso caminho, havia uma coisa sobre a qual tinha todas as certezas do mundo: eu não queria marcar aquele número de telefone. Nem porque me tinha perdido, nem porque tinha arriscado dar uma trinca na minha quiche de fiambre e acabara no cimo de uma árvore rodeada por javalis.
Nos primeiros 30 minutos, o meu passeio romântico teve como tema principal a seriedade com que deveríamos respeitar as regras. Pronto, até faz sentido que não possamos comer, já viste o que era atrairmos os animais? Eles não podem comer estas coisas. E é claro que não nos podemos desviar do trilho, que chatice que era perdermo-nos neste bosque imenso e termos de ligar para alguém nos vir buscar. Há que respeitar as regras, estamos no meio da natureza, vida animal, bosque, floresta encantada, javalis, veados. “Ouviste isto? Acho que vi qualquer coisa.” “Olha ali! Será que está ali o Bambi?”
Tenho pena destas duas criaturas que acabei de descrever. Mais pena ainda por eu ser uma delas. Pobres crianças ingénuas.
Acho que a minha desilusão em relação ao percurso surgiu passado uma hora de caminho. Em primeiro lugar, talvez haja uma razão para as pessoas se perderem: a sinalética deixa muito a desejar. É escassa, passamos vários quilómetros sem ter a certeza se ainda estamos no caminho certo, e não há qualquer tipo de informação sobre quanto falta para terminar. Não me perdi nenhuma vez, mas senti que estava constantemente perdida.
A sério, invistam nisso: mais sinais pelo caminho vão dar aos visitantes a segurança de que estão a seguir o trilho corretamente. Além disso, seria muito mais interessante se existissem placas a alertar os visitantes para observarem determinados fenómenos ou pontos. Acho que passei por três, e nenhuma delas era interessante. Em três horas de caminhada, teria adorado encontrar placas com informações históricas da Tapada de Mafra. Já descrições tiradas da enciclopédia sobre árvores, nem por isso.
A sério, saliento novamente este ponto porque, de facto, teria melhorado muito a minha experiência. Ao longo do percurso, a única coisa que me chamou a atenção foi uma placa para ir ver o sobreiro mais alto da Tapada de Mafra. Não me parece tão interessante como outras coisas que agora vejo assinaladas no mapa mas, naquele momento, nem me apercebi que estavam ali tão perto. Estando eu embrenhada na caminhada, não conseguia estar sempre a olhar para o guia. No entanto, se tivesse uma placa física a indicar-me para andar 30 metros para a esquerda e ver isto ou até para olhar para sudoeste e ver aquilo — com as devidas explicações do que estava a ver —, se calhar o percurso não teria sido tão chato como foi.
Se a falta de sinalética foi um problema para mim, a ausência de animais foi uma autêntica facada. A sério, já alguém os viu a passear livremente pela Tapada de Mafra? É que eu fiquei com dúvidas que isso acontecesse. Encontrei os veados e javalis todos juntos já no final do percurso, e pergunto-me se eles costumam afastar-se muito dali. Acho honestamente que não.
Talvez até faça sentido que assim seja. Não há muita gente a passar na tapada (no meu percurso só me cruzei com um jipe da organização), portanto um regime de total liberdade poderia tornar-se perigoso para os animais. Poderia haver até quem lhes tentasse fazer mal. Respeito isso tudo. Mas então não me digam que não posso fazer um piquenique porque posso atraí-los como se houvesse uma manada escondida em cada curva pronta para me atropelar e roubar o tupperware com a quiche.
A paisagem da Tapada de Mafra é bonita. É agradável, um escape interessante para quem quer fugir à cidade. Mas, desculpem a honestidade, vender o local como uma floresta encantada é cair no exagero. Monsanto tem mais de floresta do que a tapada, e o passeio é de borla. Calma, não estou a sugerir que troquem uma coisa por outra. São coisas diferentes, logicamente, e experiências completamente distintas. No entanto, efetivamente poderiam ser feitos alguns melhoramentos. Eu já ficava satisfeita por voltar lá um dia e ver mais sinais.