“O mundo não é quadrado, também não é redondo, mas pode ter muitas outras formas”. Foram estas as primeiras palavras de Dirk Niepoort, o co-organizador do TEDxLisboa, antes de arrancar as célebres conferências que nos fazem ir para casa a pensar sobre quem nós somos e o nosso papel na sociedade. Juntamente com a organizadora e curadora Marta Gonzaga, deram as boas-vindas aos cerca de 250 espectadores que se encontravam no Auditório da Reitoria da Universidade Nova no dia 18 de setembro, domingo, depois de seis anos à espera deste momento.
Dirk Niepoort faz vinhos fabulosos e Marta Gonzaga, que trabalha em estratégia de comunicação, partilha e conta histórias. Disse não ter jeito para entreter o público, mas as reações provaram o contrário. Já depois de uns risos e de aliviar a tensão a toda a plateia, chamou então o primeiro orador convidado do TEDxLisboa que, este ano, foi muito mais intimista que em edições anteriores. A organização decidiu reduzir a audiência para cerca de um quarto do número da última edição e o motivo é bastante simples: “queremos que a comunidade se sinta ouvida e vista”, explica a curadora do evento.
A primeira palestra na Reitoria da Universidade Nova começou precisamente com um professor universitário. Pedro Santa-Clara estudou economia e gostou “tanto da universidade que nunca mais saiu de lá”. Responsável por dar vida a projetos de educação do futuro, o 42 Lisboa e do Porto, quer reconstruir o método de ensino superior que, às vezes, parece que parou no tempo.
E se todas as aulas fossem como estes 18 minutos em que a audiência ficou em silêncio para escutar o que o professor de finanças tinha para dizer, seríamos certamente alunos mais felizes e interessados. Prova disso foi a quantidade de espectadores que foram ao seu encontro para procurar saber mais sobre a tal universidade do futuro que tanto falou.
“Gosto imenso deste tipo de eventos e acho que é sempre muito giro. Tenho oportunidade de falar com pessoas que normalmente não encontramos, de nacionalidades diferentes, como por exemplo duas miúdas do Equador que estão a estudar Marketing Digital e que, se fosse noutro contexto, nunca as encontraria”.
“Como um euro alimenta o mundo”
A primeira parte do evento foi também marcada pelo discurso de Pedro Matos, trabalhador humanitário há mais de 10 anos em países como Iêmen, Mali, Sudão e Etiópia, que veio falar sobre “como um euro alimenta o mundo”. E como os eventos TEDx são também muito focados na partilha de histórias e experiências pessoais, foi exatamente assim que o humanitário deu início à palestra: mostrou-nos a fotografia de uma rapariga tímida, de 14 anos, que teve de fugir de casa e está num campo de deslocados internos no Sudão. Foi essa rapariga, que se vestia com cuidado e cheia de cores, que lhe mostrou que “as ideias que temos sobre os outros podem estar parcialmente erradas”.
“Quando fui para um país islâmico, estava à espera de ver uma rapariga de 14 anos, e virgem, muito mais recatada. E acabo por vê-la com um colete cor de laranja e o oposto do que eu estava à espera. A minha perceção do que era uma mulher muçulmana não estava correta”, explicou depois à NiT.
Como acontece na maioria das famílias em Portugal na época natalícia, também esta rapariga surgiu numa fotografia com um prato de sonhos na mão, aquele doce tipicamente português, que afinal também se encontra no outro canto do mundo, com uma receita diferente. Tudo isto para reforçar que, apesar de todas as diferenças culturais, todos nós ambicionamos o mesmo: ter dinheiro para comprar comida, uma casa onde dormir, uma família com quem falar e uns sonhos deliciosos para comer.
“Nós somos muito parecidos e queremos as mesmas coisas no mundo”, Foi com esta frase que Pedro Matos terminou a palestra que mereceu muitos aplausos dentro do auditório. E lá fora também. “Não estava à espera de ter tão bom feedback. Normalmente as pessoas acanham-se um bocadinho e estou a achar ótimo que se sintam entusiasmadas para virem falar comigo”, garantiu o humanitário.
O tango argentino e o silenciamento das mulheres
Ainda antes da primeira pausa do dia, o bailarino e professor de tango argentino, Rui Barroso, colocou toda a plateia em pé, depois de um discurso sobre como o tango pode salvar o mundo. Afinal, “somos o que dançamos, dançamos o que somos”. E durante cerca de um minuto, todos nos levantámos, olhámos para o orador e, assim como ele, deixámos que o nosso corpo se mexesse livremente. “Foi assim uma coisa de última hora e tive um feedback super positivo. Acho que a mensagem passou e isso era o mais importante”, revelou à NiT o professor de tango argentino.
Na segunda parte, dedicada ao tema “Efeito Borboleta”, a escritora Nara Vidal falou sobre “silêncio”. Não sobre a ausência de som, mas sim sobre a falta de voz que muitas mulheres continuam a ter. Apesar de confessar estar nervosa por não estar habituada a falar para um público tão grande, a vontade de falar sobre um tema tão importante foi maior que tudo o resto. “É importante perceber que se não há equilíbrio, então existe injustiça. Foi isso que tentei transmitir e gostei muito da experiência. Muitas pessoas vieram falar comigo depois, tanto homens como mulheres”.
O momento mais emotivo do evento
Já depois do almoço, na parte dedicada ao tema “até onde a vista alcança”, ouvimos, possivelmente, a história mais emotiva desta edição — e a responsável por deixar a plateia sensibilizada foi a advogada Alcina Faneca, que deu início à conferência com as seguintes palavras: “Sou cigana”. Foi o que bastou para chamar ainda mais a atenção do público.
Ao longo de cerca de 15 minutos, contou-nos a sua história. Quando era pequena, um conhecido da família foi condenado e disseram-lhe que só o tinha sido por ser cigano. Se não fosse, neste momento estava livre. Foi a partir do momento que ouviu essas palavras que soube que queria contribuir para um mundo mais justo e sem preconceitos. Ainda que, pelo caminho, tenha sofrido bastantes. Acreditou na mudança e a sua família, aos poucos, também foi acreditando nela. Hoje, além de advogada, participa em ações de sensibilização e tem o propósito de “ajudar a abrir mentes e concretizar sonhos”.
Depois de um discurso que foi aplaudido mais do que uma vez, confessou à NiT que “sabia que ia ter algum impacto, mas não tanto”. “Normalmente, as pessoas ficam logo admiradas porque não é comum. É por isso que começo sempre por dizer que sou cigana: para elas saberem que estou ali”.
O tema da edição deste ano foi “Sementes” e o foco das conferências foi sobretudo uma reflexão sobre a origem de questões que impactam o futuro da sociedade. Como referiu Marta Gonzaga, “plantamos hoje para colher amanhã”.
Durante o evento, conhecemos pessoas e ouvimos histórias inspiradoras sobre os mais diversos assuntos. Como a alemã Nina Gruntkowski que veio para Portugal e começou a produzir chá; o orador Pedro das Neves que já visitou mais de 1250 prisões em 45 países e nos abriu os olhos sobre a questão da justiça criminal; o copywriter e diretor criativo George Tannenbaum que veio a Lisboa para nos ler um “humanifesto” e mostrar a sua revolta contra as máquinas que estão a tentar substituir os humanos; o hacker ético David Russo que nos deixou a todos com medo de usar o telemóvel na casa de banho; a jornalista e especialista gastronómica Alexandra Prado Coelho que nos deixou com vontade de beber um vinho do Porto e comer um pastel de nata (felizmente este último estava à nossa espera lá fora); e muito mais que depois será colocado online.
Depois de seis anos, o TEDx finalmente regressou à capital para fazer aquilo que sempre fez: levar-nos para casa a pensar em tudo o que ouvimos e trocar ideias. Para Marta Gonzaga, este regresso foi “muito emocionante”. “Estou muito feliz com os resultados, em termos de mensagem, em termos do que está a ser transmitido. Sinto que são coisas pensadas, sérias, bonitas, e que lançam mesmo as sementes para as pessoas aprenderem qualquer coisa”.
De seguida, carregue na galeria para ver como foi o regresso do TEDxLisboa.