Já lá vai o tempo em que Melides era um dos segredos mais bem guardados do Alentejo. Hoje, a outrora área isolada do município de Grândola vê chegar todos os dias novos turistas. Nada era assim quando o designer francês Christian Louboutin comprou uma casa isolada nesta região em 2010.
Menos de duas décadas depois, a região transformou-se “num playground dos ricos e famosos”, com a abertura de cada vez mais resorts de luxo ao longo da costa. A multiplicação destes negócios turísticos têm causado preocupação generalizada sobre o impacto ambiental dos mesmos, aponta a “Bloomberg, num longo artigo publicado esta sexta-feira, 22 de novembro.
Nos últimos anos, a Lagoa de Melides, por exemplo, viu os seus níveis de água a cair devido às mudanças climáticas, à agricultura e ao turismo excessivo. “Os turistas vêm para aqui pela beleza deste lugar. Então só precisamos apenas de manter as coisas como estão”, sublinhou Louboutin em declarações ao meio noticioso.
A rápida mudança, apesar de ter atraído turismo (e dinheiro) para a região, também aumentou a desigualdade e esticou os recursos. O designer de sapatos sola vermelha não está propriamente contra o turismo de luxo — o próprio abriu um hotel em 2023 e prepara-se para abrir um segundo —, mas defende que é possível fazê-lo de forma mais responsável e com menos impactos no meio ambiente.
“As pessoas gostam de autenticidade e precisamos de manter isto assim. Não esperem que Melides se torne St. Tropez [em França], porque isso não vai acontecer”, garantiu.
“A lagoa costumava estar muito mais cheia. A água chegava literalmente à minha casa. Há cinco anos que isso não acontece”, desabafou o designer, em entrevista à “Visão”. Perante o cenário devastador, Louboutin, juntamente com outros membros da comunidade e personalidades estrangeiras (como Philippe Starck), envolveu-se num projeto que luta pela sobrevivência da pequena lagoa alentejana.
Em 2020, fundou a Associação Interdital Melides com a italiana Noemi Marone Cinzano, herdeira de um império no setor das bebidas (Cinzano), que também tem uma casa na região Juntos têm trabalhado na implementação de soluções ambientais na região da Lagoa de Melides e da Serra de Grândola. “Reunindo proprietários, agricultores, gestores de terrenos locais, operadores turísticos e outros membros da comunidade, a associação busca defender, recuperar e gerir a área de forma responsável e sustentável”, lê-se no site.
O objetivo principal é proteger a área de um dos últimos troços quase intocados da costa atlântica em Portugal. Uma das maiores preocupações é a possibilidade da construção de novos resorts multimilionários esgotarem os recursos hídricos de uma região onde ainda muitos dependem da agricultura para sobreviver. Nesse sentido, a associação pretende proibir o desenvolvimento de novos projetos turísticos ao longo da costa e cortar o número de lotes turísticos já aprovados em 40 por cento. Louboutin acredita que é possível manter a beleza de Melides e continuar a atrair turistas endinheirados.
No entanto, o fluxo turístico da região, que leva à construção de cada vez mais empreendimentos, está a criar algumas tensões. Um desses exemplos é o Costa Terra Golf & Ocean Club, onde os duques de Sussex, Harry e Meghan, ficaram hospedados este verão.
Com 200 hectares, a construção deste complexo turístico que prevê 292 residências de luxo e um campo de golfe deu que falar desde o início do projeto. Em 2022, a associação de defesa do ambiente Proteger Grândola denunciou as obras feitas na Praia da Aberta Nova.
“Uma das consequências diretas do investimento foi o encerramento, em setembro de 2021, do Parque de Campismo da Galé, um parque com muitos anos de história, que era um lugar por excelência de contacto com a natureza e pelo qual passaram (e criaram memórias) milhares de campistas e caravanistas”, frisou a deputada do PAN, Inês Sousa Real, que recomendou ao governo, em maio deste ano, a reabertura do espaço.
Após a compra do empreendimento Costa Terra, a empresa norte-americana Discovery Land Company, fundada pelo empresário Mike Meldman, procedeu à compra do Parque de Campismo de Galé. Meldman diz que estão a ser feitos esforços para que o projeto tenha um baixo impacto ambiental: plantam árvores, usam um sistema que consome menos água e terão uma usina de dessalinização para reduzir a dependência de água doce local.
“A sustentabilidade natural é uma questão enorme. Há muitas florestas, terras agrícolas e espaços abertos lá que não serão desenvolvidos. Então sentimos que o caráter da região irá permanecer”, confessou ao “Bloomberg” no início do ano.
Outra das maiores queixas dos moradores diz respeito aos valores dos imóveis, que têm disparado devido aos estrangeiros que compram terrenos para construir hotéis ou transformar casas antigas em alojamentos. “Os preços são absurdos. Quase não há casas acessíveis no mercado. As poucas que existem no mercado estão a ser vendidas aos preços praticados em Lisboa”, sublinha Margarida Gonçalves, que trabalha num café em Grândola.
Até mesmo os restaurantes locais tradicionais estão a perder o seu caráter. Além da subida dos preços, o “peixe grelhado com salada de tomate e cebola foi substituída por comida internacional”.
Enquanto uns consideram que o turismo excessivo está a prejudicar a região, outros defendem exatamente o oposto. “Às vezes ouço pessoas a dizer que o turismo está a prejudicar, mas vejo pessoas com empregos e a ganhar salários acima da média”, disse o presidente da Câmara Municipal de Grândola, António Mendes.
Depois da abertura do hotel Vermelho e da guesthouse La Salvada, Christian Louboutin está a desenvolver um novo projeto hoteleiro na região: o boutique hotel Vermelho Lagoa, com abertura prevista para a primavera de 2026.
“Vai incluir dez quartos, uma piscina de borda infinita com vistas para a lagoa e o oceano, um spa completo com áreas secas e húmidas e um restaurante de pequena dimensão, com acesso exclusivo para os hóspedes”, afirmou Vera Gonçalves, diretora do espaço, em declarações ao jornal “Expresso”.
A ideia de criar um empreendimento na lagoa de Melides já integrava os planos do designer há bastante tempo. Após a seleção do local apropriado — o novo hotel está a nascer num edifício que estava inacabado há mais de 40 anos —, o projeto foi temporariamente suspenso devido a complicações burocráticas.
“Agora, o Vermelho tem a oportunidade de restaurar o propósito inicial deste edifício ao reconstruir o interior, dando continuidade ao que foi começado anteriormente. Não se trata de uma nova edificação que perturbe a paisagem, mas sim de transformar algo abandonado em algo bonito.”
Carregue na galeria para ver mais imagens do Vermelho, o primeiro hotel de Christian Louboutin em Melides.