Na cidade

Monte Palace: a história do hotel abandonado que aparece na série “Rabo de Peixe”

Chegou a ser considerado um dos mais luxuosos dos Açores, mas declarou falência um ano após a inauguração.
Aparece no último episódio.

“You’re a fucking saco de merda.” Quem já viu o último episódio da série “Rabo de Peixe”, provavelmente nunca mais se vai esquecer da frase que o mafioso italiano disse à personagem de Eduardo, interpretado por José Condessa, quando entrou num empreendimento escuro e abandonado para tentar salvar o amigo Carlos (André Leitão), que era mantido como refém. Eduardo entra no local sozinho, com a cara em sangue e uma caixa na mão, para devolver a droga aos italianos e resgatar o companheiro.

A cena, que se desenrola num hotel abandonado, é apenas um dos muitos momentos marcantes de “Rabo de Peixe”, a série portuguesa que estreou a 26 de maio e já é um sucesso na Netflix. Conta a história louca (e parcialmente verídica) de como um naufrágio de um veleiro recheado de cocaína pura mudou a vida de uma das localidades mais pobres da Europa.

As gravações decorreram no concelho da Ribeira Grande e em locais como o ilhéu de Vila Franca do Campo, a lagoa das Sete Cidades, as Furnas e houve ainda filmagens em Lisboa. Um dos cenários do último episódio da série é o famoso Monte Palace, o hotel que tinha tudo para ser um sucesso, mas acabou por ficar ao abandono. 

Localizado perto da caldeira de um vulcão adormecido e rodeado por uma densa vegetação, o antigo Monte Palace continua a ser um dos locais com as vistas mais incríveis dos Açores. É lá que fica o miradouro da Vista do Rei, onde é possível ter uma vista panorâmica sob a Lagoa das Sete Cidades — mas os viajantes que passam por lá ficam ainda mais impressionados com o “monstro de betão” que foi deixado ali ao abandono.

Em 1977, a empresa Indústria Açoriana Turístico-Hoteleira (IATH), com acionistas franceses e belgas, foi criada para investir no mercado turístico dos Açores e queriam construir dois hotéis de luxo na ilha de São Miguel: um nas Sete Cidades, o Monte Palace; e o outro em Água d’Alto, o Bahia Palace. O investimento total para a construção das duas unidades hoteleiras foi de 2 mil milhões de escudos (cerca de 10 milhões de euros).

O primeiro a abrir foi o Bahia Palace, inaugurado em 1984, mas também foi um fracasso: abriu e fechou duas vezes, até reabrir como um quatro estrelas em 2003. Depois, foi a vez do Monte Palace abrir as suas portas aos hóspedes em 1989 — e tinha tudo para correr bem.

Em tempos, foi considerado o hotel mais luxuoso dos Açores. Com cinco estrelas, ficava mesmo em frente à Lagoa das Sete Cidades, tinha cinco andares e 88 quartos, incluindo uma suite presidencial, quatro suites de luxo, quatro quartos duplos com salão, 27 quartos duplos e outras 52 suites. Além disso, tinha ainda dois restaurantes: Dona Amélia Grill e o restaurante D. Carlos, que receberam os nomes para homenagear o rei e a rainha de Portugal, que visitaram as Sete Cidades no verão de 1901.

Dentro do hotel existia ainda três salas de conferência, cabeleireiro, tabacaria, banco, discoteca, café, um bar e até um corredor com vitrines cheias de souvenirs. Fafá de Belém, inclusive, foi lá cantar no dia da inauguração, em 1989. Mal sabia a cantora que, dali a 18 meses, o hotel iria deixar de receber hóspedes.

Construído na encosta para aproveitar a vista sobre o Oceano Atlântico e das lagoas verde e azul, a unidade hoteleira tinha tudo para ser um sucesso e receber muitos visitantes, mas não foi isso que aconteceu. “Foi um local de luxo construído há cerca de 30 anos e durou apenas um ano e meio aberto. Fechou portas na mesma semana em que recebeu o prémio de melhor hotel de Portugal”, conta à NiT o casal Ivy e Athon, mais conhecidos como“The Yellow Jackets” no Instagram. Com casacos amarelos e as caras tapadas, a dupla dá vida a locais abandonados através das suas fotografias impressionantes, com cenários de lugares em tempos opulentos, entretanto caídos no esquecimento, como o Monte Palace.

O edifício, com uma arquitectura que integrava perfeitamente no meio envolvente, de cores neutras, abriu falência em 1991, “estando na altura a perder milhares de escudo por dia”. Os meses que se seguiram foram vergonhosos para o turismo nacional — os jornais classificaram-no como a “burla do século” —, mas o pior ainda estava para vir. Após fechar, estiveram sempre presentes um vigilante no local e cães de guarda todos os dias, durante 20 anos, para evitar o vandalismo. Em 2011, o edifício deixou de ser vigiado e o roubo foi imediato. Móveis, portas, carpetes. Levaram tudo, até os elevadores. 

Monte Palace: a história do hotel abandonado que aparece na série “Rabo de Peixe” depois
Monte Palace: a história do hotel abandonado que aparece na série “Rabo de Peixe” antes

“Um dos vendedores de artesanato do miradouro contou-me que os turistas às vezes ficavam confusos. Achavam que o hotel estava em obras, uma vez que ouviam barulhos de marteladas lá dentro”, contou à NiT Jorge Loures, o jovem natural de São Miguel que realizou e publicou no YouTube, em 2013, o documentário “Hotel Monte Palace, História de uma Ambição Desmedida”.

Jorge tinha 16 anos quando visitou o hotel pela primeira vez. “Não cheguei a passar das portas automáticas, mas espreitei lá para dentro. Estava tudo limpo, tudo vazio, mas organizado. Era incrível porque, por fora, o hotel parecia ter décadas. Por dentro, parecia apenas que alguém tinha ido de férias. Só isso, de férias”. Duas semanas depois, regressou ao empreendimento, precisamente quando começou a ser saqueado. Já nada estava como antes.

O vandalismo já tinha começado. Faltavam portas, as carpetes estavam reviradas, os vidros partidos.” Nos dois anos seguintes, Jorge Loures regressou cerca de dez vezes ao hotel. Em fotografias, acompanhou a destruição do local — que foi ficando pior com o tempo. “Até os elevadores levaram.” O jovem, que estudava Comunicação na Universidade do Porto, decidiu investigar a história do Monte Palace.

Entrevistou várias pessoas envolvidas com o espaço, conseguiu juntar centenas de fotografias do antes e do depois e passou horas enfiado nos arquivos à procura de notícias nos jornais sobre o tema. “Tudo o que fizesse alusão ao hotel, eu guardava”, contou à NiT.

Existem vários fatores que podem explicar os motivos da falência, mas a verdade é que foi um projeto demasiado ambicioso para a época: na altura, os Açores ainda não eram um destino turístico popular e, como estava num local muito remoto, os visitantes teriam obrigatoriamente de alugar um carro para chegar ao Monte Palace. 

“Os turistas esvaziavam as vitrines dos souvenirs, compravam tudo”, afirmou. Os restaurantes, o bar e a discoteca em fontes de lucro. Passavam-se semanas sem entrar uma única pessoa no hotel.

“À noite o hotel era um bocadinho assustador, principalmente quando não havia hóspedes. Uma das rececionistas contou-me que, uma noite, a porta automática abriu-se de repente. Estava muito escuro e as funcionárias não viam nada. Aproximaram-se, perguntaram quem era, mas ninguém respondeu. Quando chegaram lá fora, viram uma vaca a mugir”.

Podia estar localizado numa zona com muito nevoeiro, onde não havia nada para fazer à volta ou sequer transportes para o centro da ilha. Uma das pessoas que trabalhou no hotel chegou a contar a Jorge Loures que num dia de sol incrível chegou uma turista inglesa. No dia seguinte estava o habitual nevoeiro. A turista acordou o hotel inteiro aos gritos, a dizer que as lagoas tinham desaparecido. “Não sei se é verdade, foi uma história que me contaram.”

Pode ter sido vítima de má gestão, incapacidade de planeamento ou simplesmente uma série de infortúnios. O que quer que tenha acontecido, uma coisa ninguém tira ao Monte Palace: ele tinha, e ainda tem, uma das vistas mais privilegiadas do mundo. 

O que já foi uma das mais luxuosas conquistas das ilhas dos Açores, encontra-se agora num estado de deterioração. Tudo o que resta são paredes de betão, telhado e chão — já para não falar das paredes, que estão cheias de graffitis. É, contudo, um dos locais mais adorados pelos urban explorers, como no caso dos “The Yellow Jackets”, que visitaram o hotel abandonado em 2019.

“É um daqueles locais que muda consoante o dia e a hora, por isso, vale sempre a pena a visita. No dia em que fomos estava imenso nevoeiro e era uma atmosfera assustadora. Não conseguíamos ver nada à nossa frente e o som do vento, dos pintos que caiam esporadicamente, ganharam outro dimensão pelo silêncio que ocupava a maior parte do espaço”, contam. Por outro lado, confessam que também ficaram “incrédulos com a dimensão do hotel, por fora e por dentro”.

“Vimos fotografias antigas e era de luxo incalculável, com materiais importados de várias partes do mundo. Ver as diferenças para a atualidade surpreendeu-nos”, confessam os urban explorers. Mesmo passados tantos anos, ainda há uma grande quantidade que querem visitar aquele espaço e muitos turistas pensam que nunca foi acabado, tal é a degradação em que se encontra.

“Ainda se podem ver alguns vestígios do que um dia foi. As paredes verdes do musgo, da humidade que ali se sente, contam a história daquele local. Conseguimos perceber traços da discoteca, alguns dos quartos, o sítio onde antigamente se encontrava o elevador”, recordam. A escadaria ainda tinha carpete, embora muito desgastada, e ainda era possível ver as letras em ferro, no exterior do edifício, com o nome do hotel. “Era um cenário apocalíptico, como se fôssemos os últimos humanos à face da terra”.

O empreendimento chegou a estar à venda no OLX e, em 2015, foi comprado por apenas 380 mil euros por um grupo de investidores estrangeiros, mas nada aconteceu. Depois seguiu-se outra venda por 1,5 milhões de euros nas plataformas de vendas de imóveis OLX e Imovirtual. Voltou a ser comprado em 2017 por um grupo de investidores chineses, que tinham planos para reabrir o hotel em 2021, três décadas após o fecho. Contudo, a pandemia veio estragar os planos e a construção nem chegou a avançar.

De seguida, carregue na galeria para conhecer o estado atual do Monte Palace.

ver galeria

ÚLTIMOS ARTIGOS DA NiT

AGENDA NiT