Na cidade

O grupo de vizinhas que se juntou para “transformar o mundo num lugar melhor”

A Associação Boa Vizinhança criou a Dona Ajuda, um “centro comercial social” que amplia o ciclo de vida dos produtos.
Abriram uma loja social.

Quando as vizinhas se juntam em prol de uma causa, podem surgir projetos verdadeiramente inspiradores. Foi exatamente isso que aconteceu na freguesia de Santo António, em Lisboa, onde um grupo de mulheres decidiu unir-se para “fazer algo útil em benefício da comunidade”.

Na altura, há 15 anos, todas tinham rotinas preenchidas, pelo que não sobrava muito tempo livre. No entanto, compartilhavam um desejo comum: “transformar o mundo num lugar melhor, onde todos, independentemente da raça, nacionalidade ou etnia, pudessem ter uma vida digna.”

“Tanto eu como outras vizinhas tínhamos filhos e trabalhávamos, mas queríamos participar em atividades sociais. Como não tínhamos disponibilidade de nos deslocar a outros locais, pensamos criar algo local”, começa por explicar à NiT Cristina Velozo, de 61 anos, uma das vizinhas.

Com a certeza que todas partilhavam os valores de cidadania e solidariedade, decidiram por “mãos à obra” e promover as boas relações entre quem vive e trabalha na freguesia. “Geralmente as associações nascem para dar resposta a um problema, mas não foi bem o nosso caso. Queríamos dar mais apoio, fazer algo para melhorar as vidas pessoas aqui da zona”, confessa.

Assim, fundaram a Associação Boa Vizinhança, que atualmente é uma instituição particular de solidariedade social (IPSS), pluridisciplinar e temática, dedicada a desenvolver e apoiar projetos nas áreas social, ambiental e cultural.

“Começámos por identificar instituições da área que eram pouco conhecidas e precisavam de ajuda. Depois, pedíamos a amigos e conhecidos coisas que já não precisavam, com o intuito de serem vendidas em segunda mão e as receitas revertiam para essas associações”, lembra.

Cristina recorda ainda o primeiro evento público que organizaram, que coincidentemente ocorreu no Dia Mundial do Vizinho. Juntaram 20 pessoas à mesa do quiosque do Jardim das Amoreiras para tomar café e conversar. Desde então, a associação teve um crescimento significativo e, atualmente, as suas atividades estendem-se além da freguesia de origem.

Uma das grandes iniciativas da Associação Boa Vizinhança surgiu em 2015, com a inauguração da loja Dona Ajuda, um “centro comercial social” que ocupa o Mercado do Rato. Este espaço histórico, inaugurado em 1927, já tinha perdido muitos dos seus comerciantes e estava quase ao abandono.

Contudo, o grupo de vizinhos mobilizou-se para revitalizar este emblemático local da cidade. “Tentámos a nossa sorte. O mercado estava desativado desde 2014, mas conseguimos que a autarquia nos cedesse um espaço para abrir uma loja social, um conceito que já implementávamos noutros lugares”, conta.

A imagem de marca.

Atualmente, no número 64 da rua Alexandre Herculano, ainda é possível ver o trabalho em ferro forjado que preserva o nome do famoso mercado lisboeta. Subindo a ladeira pelo lado esquerdo, encontra-se a casa da Dona Ajuda, a “velhota simpática que acolhe todos com um sorriso”. 

“Tudo assenta na economia circular. O que não interessa a algumas pessoas pode ser muito valioso para outras”, sublinha Cristina. O alargamento do ciclo de vida dos produtos e a promoção do conceito de partilha são prioridades da associação.

A Dona Ajuda recebe todo o tipo de doações, desde roupa a sapatos, passando por livros, jogos e artigos de decoração que ainda estejam em condições de “ter uma segunda vida”. Todos os produtos são sujeitos a um processo de triagem, realizados pelos voluntários.

O que não tem condições para ser reutilizado, é recolhido para reciclagem, revertendo a receita para a Associação Reto à Esperança, que acolhe gratuitamente pessoas com dependência de drogas ou álcool. Tudo o que ainda pode ser utilizado, mas não está em condições de ser vendido, é entregue aos bairros sociais, enquanto os que estão em bom estado são vendidos a preços muito acessíveis na loja social.

“A nossa equipa de voluntários faz praticamente tudo. Há quem leve puzzles para casa para verificar se não falta nenhuma peça. Outros montam os brinquedos para garantir que funcionam”, explica a responsável.

O espaço.

As receitas geradas são direcionadas para associações ou para pessoas carenciadas da comunidade. Atualmente, a Dona Ajuda tem protocolos com mais de 17 IPSS. “Colaboramos também com várias instituições que nos enviam famílias em situação de vulnerabilidade. Todos os meses recebem um cartão no valor de 40€ para gastar na loja”, detalha.

Além do seu foco social, a associação tem uma vertente mais cultural. Durante o ano, organizam e disponibilizam o espaço para concursos de contos, workshops e lançamentos de livros. Às terças-feiras, recebem a Fruta Feia, uma cooperativa dedicada à redução do desperdício alimentar.

Recentemente, lançaram o projeto “Sunsets Criativos”, um “conceito destinado a criadores e designers em início de carreira”. “Trata-se de um mercado de arte, com apenas quatro bancas, que pode ser visitado nas primeiras segundas, quartas e terças-feiras de cada mês”, explica.

Este mês, a associação arrancou também com um coro comunitário. “Lançámos o desafio para ver como corria e apareceram 60 pessoas na primeira semana”, conta.

Além disso, costumam organizar dois leilões solidários ao longo do ano. O próximo está marcado para 30 de novembro, um sábado, e será leiloado todo o tipo de peças, desde jarros, livros, esculturas, pratos de porcelana ou canecas. O catálogo completo, assim como as bases de licitação, podem ser consultados online.

 
 
 
 
 
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