Na cidade

O menino Galambecas foi à comissão apanhar amnésia. Nunca viu o Porn Hub da TAP

Leia a crónica do humorista Miguel Lambertini à audição do ministro das Infraestruturas, João Galamba, no parlamento.
A audição a João Galamba durou sete horas.

“Era uma vez um país onde havia um ministro, e no gabinete desse ministro os funcionários pegaram-se todos à pancada por causa de um computador. E depois disto há um que ficou, outra fugiu, uma foi para a casa de banho e outro chamou a polícia. Entretanto, um desceu e tornou a subir com a polícia que havia chamado. Mas como havia vários polícias que tinham sido chamados, eles também chamaram outros, que vieram mais tarde. Entretanto, para dar mais animação a isto, decidiram também chamar os serviços de informações para ir a casa do homem buscar o computador. Isto não é ficção, aconteceu em Portugal, no seu gabinete.”

Não é ficção, mas podia ser. Desde logo, porque esta descrição do deputado do PSD Paulo Rios fez-me lembrar o clássico anúncio natalício da Imperial, em que “o coelhinho veio com o Pai Natal e o palhaço no comboio ao circo”. Embora neste caso o coelhinho tenha ido de bicicleta, foi sequestrado pelo Pai Natal e pelo Palhaço, transformando o ministério num Circo.

João Galamba foi ontem ouvido — durante mais de sete horas — na Comissão de Inquérito à TAP, naquela que era a audição mais aguardada para tentar esclarecer todas as dúvidas sobre o chamado “Galamba Gate” (ótimo nome para um bar de alterne, ou sou só eu?). Pus as minis no congelador, comprei um saquinho de tremoços (do Pingo Doce, não os do Continente) e à hora certa sentei-me em frente à televisão para ver mais um episódio da série que a Netflix há de estrear.

Infelizmente, de todas as perguntas dirigidas a João Galamba, nenhum dos deputados levantou a questão essencial: quantas horas perdeu o ministro das Infraestruturas ao espelho para conseguir imitar, na perfeição, o ex-primeiro-ministro José Sócrates? Ainda assim, continuo a preferir a imitação do Manuel Marques, mas esta não fica nada atrás.

Na passada quinta-feira, 19 de maio, João Galamba apresentou-se na Assembleia com aquele sorrisinho passivo-agressivo de quem está a explicar ao empregado de mesa que mandou vir um bife mal passado e o que chegou à mesa está esturricado. Para aqueles que esperavam que ele saltasse por cima da mesa para dar uma cabeçada no André Ventura ou no Pedro Soares, ficou certamente desiludido. Ainda assim não deixou de haver alguns bons momentos que aqui relato.

“Eu não escondi nada, nunca me foi perguntado por essa reunião”

Logo ao início e após a inquirição de Pedro Soares, o ministro assegurou que nunca escondeu nada sobre a reunião do dia 16 de janeiro que fez com a ex-presidente executiva da TAP, porque ninguém lhe perguntou antes sobre essa reunião. Claro, é a versão CPI daquele clássico entre marido e mulher: “Porque é que não me disseste que a tua mãe ia ficar a dormir cá em casa?”. Ao que a mulher responde: “Não me perguntaste”.

As comissões de inquérito provocam amnésia

Sensivelmente no décimo minuto da audição, quando lhe perguntaram se falou do SIS no telefonema com a ministra da Justiça, João Galamba saca a cartada do “não me lembro”. Uma estratégia já um bocado gasta, na medida em que foi bastante usada em anteriores comissões, principalmente por Zeinal Bava que eu espero que desde aí tenha começado a tomar Memofante três vezes ao dia.

O menino Galambecas

A dado momento, em resposta às perguntas do PSD, o ministro entrou em modo miúdo de seis anos monocórdico, que é entrevistado à porta da escola. “Pode explicar?” “Não”. “Sabe dizer?” “Sei.” “Porque entende ter razões para continuar como ministro? “Porque entendo”. Só faltou mesmo terminar com “quem diz é quem, o seu pai é jacaré, senhor deputado”.

Quot capita tot sensus

Sobre o fundamento para demitir a ex-CEO da TAP João Galamba comentou: “Sou casado com uma jurista, e também conheço aquelas piadas que dizem ‘entre dois juristas há cinco opiniões…’” Por acaso também sou casado com uma jurista e nunca tinha ouvido essa piada. Mas, de facto, cá em casa todos temos muitas opiniões e claro que, no final, prevalece sempre a da minha mulher porque, jurista ou não, eu não sou parvo.

Porn Hub da TAP

Perguntam a Galamba como explica tanta preocupação com o computador do ex-adjunto. O ministro devolve a estranheza: “A primeira coisa que faz quando é exonerado é ir a correr buscar o computador. O que raio terá aquele computador?”

É uma ótima pergunta, mas parece-me que é óbvio. Com os valores pornográficos que os contribuintes já colocaram na recuperação da TAP, Frederico Pinheiro receava que a Dra. Eugénia abrisse o computador, desse de caras com uma folha de Excel e ficasse chocada com tamanha obscenidade.

Quem apagou foi o informático, na sala de estar, com um Samsung Galaxy

Sobre a acusação que o ex-adjunto fez de lhe terem apagado as mensagens do WhatsApp, João Galamba esclarece: “Frederico Pinheiro diz, apagaram-me o número e foi o informático. E a outra versão diz que nunca ninguém tocou no telemóvel e quem apagou foi ele próprio”. Nem a Agatha Christie conseguiria lembrar-se de um enredo tão rocambolesco, e esta é aquela fase em que estamos completamente perdidos, porque há cinco minutos íamos jurar que o assassino era o mordomo. O problema é que nesta história, o assassinado é o País e as vítimas somos todos nós que continuamos sem ver o fim a esta fantochada.

Se esta fosse uma série da Netflix, provavelmente já tinha surgido o ecrã com aquela frase: “Ainda está a assistir?” Infelizmente sim.

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