“Novo ano, vida nova.” A premissa parece simples, mas tudo indica que as mudanças não serão todas para melhor. Pelo menos, para a maioria dos portugueses. Alterações nos salários e pensões, aumento generalizado dos preços, a penalização reduzida para o acesso às reformas — o ano de 2023 trouxe algumas transformações que vão ter um impacto direto na carteira das famílias portuguesas.
A 6 de outubro de 2022, o governo propôs que o salário mínimo nacional (SMN) passasse para os 760€ brutos em 2023. A subida de 55€ significaria, então, um aumento de 7,8 por cento desse valor. “Seguimos cumprindo os compromissos assumidos no Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos em Concertação Social, em direção aos 900€ em 2026”, escreveu o primeiro ministro, António Costa, a 31 de dezembro, na sua conta de Twitter.
Uma boa medida que tem, como quase tudo na vida, o seu reverso. A revisão em alta do SMN, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2023 — é anulado pelo aumento previsto da inflação. Sim, porque, apesar das alterações no salário mínimo e das pensões, haverá igualmente um aumento generalizado de preços dos produtos e serviços. Contas feitas, isto significa que os portugueses vão ganhar mais, mas também vão pagar mais por aquilo que consomem atualmente.
“A perda do poder de compra é permanente, dado que a inflação funciona como um imposto. Se o índice de preços é de 10 por cento e o nosso rendimento só aumenta 5 por cento, temos uma perda de 5 por cento. Deixamos de conseguir comprar exatamente o mesmo com o mesmo dinheiro. O efeito é permanente”, explicou Nuno Rico, economista da Deco Proteste, ao “Jornal de Notícias”.
Uma família de dois adultos com um filho terá de gastar mais 2.705€ no final de 2023, pelos mesmos produtos e serviços que faziam parte do seu orçamento em 2014.
Além da subida de 52€ no salário mínimo da administração pública (mas só para quem ganha até 2.612€ mensais), os pensionistas — que receberem até 960€ — vão ter uma atualização de quase 5 por cento. O acesso à reforma também vai mudar: desce três meses face ao ano passado. Os escalões de IRS também foram alvo de mexidas para que quem recebe até 762€ brutos fique isento de fazer retenções na fonte.
A partir de dia 1 de janeiro, o salário mínimo nacional aumenta de 705€ para 760€, um aumento de 7,8%. Seguimos cumprindo os compromissos assumidos no Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos em Concertação Social, em direção aos 900€ em 2026.#PrometemosCumprimos
— António Costa (@antoniocostapm) December 31, 2022
Cerca de metade (48,6 por cento) dos portugueses consideram que o seu nível de vida será (muito) pior no próximo ano e o principal receio é o impacto da inflação, segundo um estudo realizado entre os dias 12 e 20 de dezembro pela agência de pesquisa Multidados. Face ao aumento generalizado de preços que os consumidores irão pagar pelos serviços que usam diariamente, 84 por centos dos inquiridos estimam fazer cortes nas despesas.
Numa altura em que milhões de portugueses fazem contas todos os dias para chegarem ao final do mês, a NiT antecipa os principais aumentos que aí vêm — desde o preço do pão até à fatura da eletricidade.
Transportes
Os passes do tarifário Navegantes e os bilhetes ocasionais da Carris Metropolitana vão manter os preços praticados em 2022, mas o mesmo não acontece com o Metropolitano de Lisboa, a Fertagus, a Soflusa e os Transportes Intermodais do Porto (TIP). No caso do Metro, o bilhete passa a custar 1,65€, mais 0,15€ do que em 2023.
Andar de metro e autocarro no Porto também vai começar a ser mais caro a partir deste domingo, 1 de janeiro. O bilhete para andar uma ou duas zonas (Z2) passará a custar 1,30€, mais 0,05€ face a 2022. Se comprar bilhete para as três zonas (Z3), o aumento passa a ser de 0,10€.
Para quem costuma andar de Fertagus ocasionalmente, as notícias também não são nada animadoras. Os bilhetes simples, assim como os bilhetes pré-comprados, irão sofrer aumentos de 0,15€ e 0,20€.
As ligações fluviais entre a Margem Sul e Lisboa também vão sofrer alterações. Os bilhetes simples da ligação entre o Montijo e o Cais do Sodré passarão a custar 3€, mais 15 cêntimos do que os valores praticados o ano passado, enquanto que as viagens entre Barreiro—Terreiro do Paço e Seixal—Cais do Sodré passarão a custar 2,65€.
No caso da ligação entre Cacilhas e Cais do Sodré, o aumento é de 10 cêntimos (passa de 1,30€ para 1,40€), enquanto que o percurso Trafaria—Porto Brandão—Belém terá uma subida de 5 cêntimos, passando de 1,25€ para 1,30€.
Portagens
Não são só os transportes públicos que vão ficar mais caros: as portagens também vão sofrer aumentos, mas não tanto quanto se esperava. Em vez da subida de 10,44 por cento que a concessionária de autoestradas Ascendi tinha proposto ao governo em novembro, o aumento será, afinal, de 4,9 por cento.
A decisão final coube ao governo, que aprovou no final de dezembro, em Conselho de Ministros, um travão ao aumento das portagens para 2023. A partir de dia 1 de janeiro, fazer a viagem de Almada até Lisboa passará a custar 2€, mais 0,10€ do que os valores praticados em 2022.. Já na deslocação de Alcochete à capital, o aumento será de 0,15€, passando a custar 3,05€.
Eletricidade
As tarifas reguladas de eletricidade vão ter um aumento médio de cerca de 3,3 por cento face à média de 2022. Com este aumento, a fatura média mensal, a partir de janeiro, a partir de janeiro, para um casal sem filhos poderá aumentar cerca de 0,54€, enquanto que para um casal com dois filhos o aumento será de 1,41€, segundo os dados publicados pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).
A EDP Comercial anunciou que irá aumentar em cerca de 3 por cento, em média, o valor da fatura da eletricidade dos clientes residenciais. Já a Endesa prevê manter o valor global das faturas de eletricidade dos clientes em 2023, passando a incluir o custo do mecanismo ibérico.
Tanto a Iberdrola como a Galp vão reduzir as faturas de eletricidade. A primeira vai descer, em média, 15 por cento, e esta redução “aplica-se às componente de energias e custos de acesso”. Já a Galp vai reduzir em cerca de 11 por cento, em média, e uma família com dois filhos poderá poupar entre 3,5€ e 6€ por mês.
Gás
A partir de janeiro, a fatura do gás natural também vai aumentar cerca de 3 por cento para os clientes mais representativos do mercado regulado. Assim, a fatura média mensal para um casal sem filhos deverá aumentar 0,33€, enquanto que para um casal com dois filhos o aumento será de 0,70€, segundo dados da ERSE.
As faturas do gás natural dos clientes da Galp permanecerão inalteradas nos primeiros três meses de 2022.
Rendas de casa
A taxa de inflação em Portugal também vai levar ao aumento das rendas das casas neste ano, mas não tanto quanto se esperava, devido a uma nova lei publicada pelo Governo em outubro, no âmbito das medidas de mitigação do impacto da subida dos preços. Assim, a partir de janeiro, as rendas só poderão subir até 2 por cento.
Ainda assim, o coeficiente de atualização das rendas (que resulta da variação do índice de preços no consumidor, sem habitação), definido para 2023, será de 1,02, o mais alto dos últimos nove anos. Com este aumento, uma renda de 700€, por exemplo, passará a ser 714€.
Telecomunicações
A MEO, NOS e Vodafone também se preparam para subir os preços em 2023, embora ainda não tenham divulgado os valores. No entanto, a Anacom, autoridade reguladora das comunicações, apelou às operadoras para que tenham contenção na subida dos preços em 2023 e que tenham em consideração o contexto social e económico do país.
A Altice Portugal, dona da MEO, irá proceder à atualizações dos preços a partir de fevereiro. Os únicos excluídos deste aumento serão os clientes que têm apenas voz fixa e os reformados. As restantes operadores ainda não revelaram detalhes sobre os aumentos.
Comida
Haverá poucos alimentos tão populares entre os portugueses quanto o pão, pelo que as previsões da Associação do Comércio e da Indústria da Panificação (ACIP) não são as mais animadoras. De acordo com a entidade, o custo deste produto deverá subir em 2023, em função do aumento dos custos de matérias-primas e da energia, mas também impactado pela atualização do salário mínimo nacional.
Com o aumento da taxa de inflação, temos assistido a um aumento contante no preço de outros produtos do supermercado. Entre maio e agosto, a pescada fresca e os brócolos aumentaram em 67 e 47 por cento, respetivamente. Também desde março, o cabaz alimentar de bens essenciais aumentou mais de 21€. Em outubro, no espaço de uma semana, houve alimentos que viram o seu preço em 10 por cento, como é o caso do grão cozido, do queijo flamengo fatiado, da cenoura, da maçã Gala, dos tomates, das laranjas, do salmão e dos flocos de cereais.
Devido ao aumento das prestações da casa, da eletricidade e do gás natural, é bem possível que os alojamentos locais, turismos rurais e hotéis comecem a praticar valores mais elevados em 2023.