Mãos atrás das costas e um olhar atento. Quem se acuse quem nunca viu uma pessoa de terceira idade a “inspecionar” obras na rua, com atenção e, claro, espírito crítico sobre o que está bem ou mal feito. O “fenómeno” é cada vez mais frequente e, muitas vezes, contagiante. Afinal, não é preciso ser mais velho para ter curiosidade sobre as construções que nos rodeiam.
Miguel Furtado é um dos portugueses que tem a certeza de que não precisa de atingir os 60 anos para ser considerado “um velho na obra”. O organizador de espetáculos, de 39 anos, é o criador de uma das páginas de Instagram mais divertidas do País — chama-se, precisamente, Velhos nas Obras — e tudo começou como uma brincadeira no trabalho.
“Estava a conversar com uma colega e estávamos sempre a inventar ideias para aplicações de telemóveis, páginas de redes sociais engraçadas e coisas do género”, recorda à NiT. “Houve uma altura que lhe estava dizer que, ao passar nas obras, via sempre pessoas a olharem, e a minha colega não fazia ideia e começou a reparar nisso também.”
As conversas sobre as obras tornaram-se frequentes, até que surgiu a ideia de criar uma página de Instagram para partilhar alguns momentos apanhados pelos amigos. Em 2018, Miguel começou a tirar e partilhar fotografias de reformados a observarem obras na rua, e mais tarde, começou a fazer o mesmo com aquelas que recebia.
Hoje a página tem 66 mil seguidores, com mais de 800 fotografias partilhadas. “Passado um ano, surgiram cada vez mais seguidores, pessoas que eu não conhecia”, conta. “Até então era sempre fotografias de amigos ou conhecidos, e de repente comecei a receber fotos do resto da Europa, da Ásia e até da América do Sul. É engraçado ver que é um hábito comum.”
Os cidadãos comuns, porém, não são os únicos a partilhar estes momentos com Miguel. O português já recebeu selfies de algumas figuras públicas, como o jornalista e escritor Rodrigo Guedes de Carvalho. “Há uns tempos, prometi ao senhor Rodrigo que iria partilhar a sua fotografia, mesmo não sendo velho. Hoje foi o dia”, escreveu na publicação.

Mesmo passados sete anos da criação da página, Miguel continua a ter a caixa de mensagens cheia. “É um mar de fotografias”, confessa. “Às vezes, por causa do trabalho, acabo por não ter tanto tempo a andar pelas ruas a tirar fotografias, portanto é bom receber tantas assim. Algumas são mesmo fenomenais.”
Além da clássica pose com as mãos atrás das costas, muitos velhotes encontram formas criativas para observar as obras. Uma das imagens mais cómicas que já recebeu mostra um senhor a utilizar um selfie stick para conseguir gravar o interior de uma construção fechada com placas metálicas altas.
O sucesso das publicações é tanto que há mesmo quem “dispute” para ser o primeiro a comentar. “Tenho ali um par de seguidores que já percebi que está numa luta constante para ver quem comenta primeiro a última foto que publiquei”, diz, entre risos. “Acho isto muito engraçado. Quando publico a imagem, fico sempre à espera de qual deles vai comentar primeiro a dizer ao outro que foi o primeiro a comentar.”
O organizador de espetáculos acrescenta que também recebe várias mensagens de pessoas que recordam momentos com os pais ou avôs, que têm ou tinham este hábito.
Em Itália, a cidade de Villasanta, na Lombardia, chegou a recrutar oito reformados para um papel importante: andar pelas ruas da localidade para observar e relatar tudo, desde as obras de construção pública ao estado dos parques e estradas. O país chegou a criar o termo “umarell” só para se referir aos aposentados que têm este interesse.
Miguel, por sua vez, também não esconde a curiosidade de parar e observar com atenção as construções que encontra. “Já nem é preciso ser velho porque eu às vezes passo por obras, principalmente quando são escavações ou derrubadas, e gosto de verificar um bocado. Eu próprio já sou um bocado velho nesse aspeto.”
Carregue na galeria para ver algumas das melhores imagens partilhadas pela Velhos nas Obras.