“Macaco-Chocolate”. Se costuma passar as férias de verão na costa alentejana, sabe certamente o que é isto. Se tem miúdos, é natural que eles levem a expressão consigo depois das férias, no regresso a casa. E que meses depois, enquanto chove lá fora, o simples pronunciar destas duas palavras ainda os faça a rir à gargalhada.
Macaco-Chocolate é uma das várias expressões completamente aleatórias, “sem explicação nenhuma”, nas palavras do próprio, que José Torres, a.k.a Palhaço Enano, leva para os seus espetáculos de rua na costa alentejana, onde todos os verões atua, dezenas de vezes, desde há uma década.
De ano para ano, os espetáculos, feitos normalmente à noite e em praças centrais ou de igrejas, foram crescendo e ganhando público. De ano para ano, tornaram-se numa tradição para as muitas famílias, portuguesas e estrangeiras (cada vez mais estrangeiras) que passam férias em Porto Covo, na Zambujeira do Mar ou em Vila Nova de Milfontes.
Hoje em dia, é quase impossível falar do verão numa destas localidades sem conhecer ou lembrar-se do Palhaço Enano, e é igualmente impossível não lhe estar grato até — são muitas noites, quentes e estreladas, de animação certa, gargalhada garantida e miúdos entretidos.
E tudo começou há 43 anos, quando nasceu em Cadis, Andaluzia, Sul de Espanha, Jose Luis Sampalo Torres Romero Jimenez Fernandes Lopez Lazo (nome real).
A semanas de iniciar mais uma tour por terras do Alentejo, o Palhaço Enano contou à NiT tudo o que todas as pessoas que o seguem queriam saber e não imaginavam. Como, por exemplo, que é licenciado em Trabalho Social e que só se tornou palhaço já a morar em Portugal. A entrevista é feita, como o próprio avisa (e aliás, como o próprio se define), em “portunhol”.
Como e quando se tornou palhaço? Sempre quis ser, era uma vocação?
Tornei-me palhaço profissional em 1998, após ter feito a escola de Circo do Chapitô em Lisboa. Não foi uma vocação, apenas um bendito acidente pois pela minha forma de ser e de estar na vida desde pequeno que tinha potencial natural para ser palhaço, apenas não tinha a consciência disso.
O que fez antes de ser palhaço?
Antes de ser Palhaço, fiz muita coisa, desde múltiplos trabalhos de pré-adolescente para ganhar os primeiros trocos, até acabar a Universidade em Sevilha. Sou licenciado em Trabalho Social.
Quando veio a Portugal pela primeira vez, em que circunstâncias? Já era o Palhaço Enano?
A Portugal cheguei em setembro de 1997, casualmente. Fiz uma viagem do sul da Espanha para um destino incerto, pois precisava uma mudança na minha vida, e com mochila às costas fui apanhado por um camionista português que me trouxe para Évora (a minha primeira cidade a pisar em Portugal, e que cidade! Belíssima). E nessa altura havia um encontro Ibérico de Expressões Circenses onde conheci muitas pessoas portuguesas e estrangeiras ligadas às artes. Após o encontro — e de saber que existia uma escola de Circo na capital lusitana chamada Chapitô — , decidi ir para Lisboa. Candidatei-me às aulas e fui selecionado para o curso de artes, e aí começou mais seriamente a minha formação artística. Por essa altura não era o Palhaço Enano, apenas um adolescente com muita vontade em formar-me em expressões artísticas, embora já tivesse algum jeitinho para o malabarismo e os equilíbrios.

Quando decidiu ficar de vez por cá? Lembra-se do motivo e momento exatos?
Decidi ficar em Portugal quando a Mãe Natureza me concedeu um lindo filho português no ano de 2004. Foi a paternidade que me fez constatar que a minha vida ia estar afincada em Portugal, concretamente numa pequena aldeia alentejana no Concelho de Odemira, chamada Troviscais onde o tempo pára, e podes ouvir o silencio, respirar ar puro e criar um filhote fora da urbe. Embora se não tivesse tido um filho acho que iria ficar na mesma, pois gosto muito de Portugal. Atualmente são 20 anos a morar cá, quase metade da minha vida; posso realmente dizer que sou um completo ” Portunhol”.
O que gosta mais em Portugal?
A minha profissão de Palhaço faz-me viajar pelo mundo inteiro (em mais de 200 cidades de 45 países de todos os continentes) e costumo sempre dizer que é a gastronomia lusitana o que me faz gostar ainda mais de Portugal. Não conheço um outro país onde se coma melhor do que em Portugal.
E o que gosta mais em ser palhaço?
Gosto de ser Palhaço porque me permite ser eu, com as minhas virtudes e os meus defeitos, aceitando-me como aquilo que sou, sendo uma vítima “esquizofrénica” da sociedade que apenas quer brincar através da máscara mais pequena e visível que existe (o nariz de palhaço).

Quando e como se tornou no Enano que hoje conhecemos, a correr a costa alentejana todos os verões?
O nome “Enano” significa anão em português, e já de criança era chamado assim por me juntar com jovens com estatura mais alta e com idade maior do que a minha, pelo que era conhecido como o Enano do grupo, da turma, da família. Posteriormente a tornar-me artista e consequentemente Palhaço decidi ter este nome pois era o que mais me definia.
A que sítios vai e em que período de datas (começa em junho e acaba em setembro)?
Realizo espetáculos de rua às 21h45 em Porto Covo, uma das aldeias mais lindas de Portugal, Vila Nova de Milfontes, junto ao Castelo um lugar mágico, e na Zambujeira do Mar onde trabalho com o cheiro da costa. Cada noite faço num destes três lugares: normalmente tenho um calendário, cartazes onde as pessoas sabem qual dia e onde vai estar o Palhaço Enano e felizmente tenho muito público em cada espetáculo; normalmente quem me vê uma vez repete. Isto tudo entre o início de julho e meados de setembro.
As autarquias ajudam aos espetáculos? Ou têm posto problemas?
No início da minha iniciativa (há uma década) de realizar os espetáculos de rua no lugar onde resido, lembro-me que era muito chato tratar das licenças de ocupação da via pública, ate chegava pagar para poder trabalhar, não ajudavam muito. Atualmente já entendem que sou uma referência cultural para os turistas e população local, pois muita gente vem também para ver o Palhaço Enano. Como aqueles que me seguem pelas redes sociais (como o Facebook) e me perguntam ao longo do ano quando vou estar pela Costa para marcarem as suas férias em alturas onde estou a realizar espetáculos. Isso é mesmo impressionante. Hoje em dia facilitam os meus espectáculos de rua, mas atenção não sou pago por eles. Os honorários que ganho são da audiência, quando passo o chapéu no fim.

O que acha do público português?
De maneira geral, os meus espetáculos não são vistos só pelo povo português, também há muitos turistas, estrangeiros. Mas acho que o público português gosta de ver Teatro de Rua, ainda por cima se estão de férias. É um público participativo, atento, fiel, diverso, generoso e que pouco a pouco tem tido em aumento o respeito e reconhecimento pela arte.
Porquê “macaco-chocolate”, que tanto diz? O que quer dizer?
Macaco Chocolate é uma expressão que costumo dizer durante os meus espetáculos, como se fosse um tique, um ritual, um vício. São duas palavras que gosto de ouvir e dizer e não tem um porquê para dizer; aprendi na vida que não é importante os porquê, apenas o facto de fazer sem questionar.
Sente que já se tornou num clássico das ferias de milhares de pessoas?
É um facto que sou um clássico de muitas famílias, estou consciente disso, mas esta consciência também me faz ter muita humildade pois não me quero tornar um palhaço de nariz empinado, sei muito bem de onde venho (de uma família trabalhadora). O sentimento é de alegria e compromisso com o meu público.

Do que vive, do dinheiro no final das atuações?
Eu vivo felizmente da minha profissão de Palhaço; além dos honorários nos espetáculos de rua, onde felizmente o público me recompensa na mesma equidade do que lhes dou. Também faço contratos em eventos públicos ou privados, como um freelancer ao longo do ano. Embora não viva para trabalhar, apenas trabalho para viver e um detalhe essencial, amo o meu trabalho, uma das coisas importantes para mim é ter paixão naquilo que faço.
E no inverno, o que faz?
No inverno, além de realizar espetáculos em vários locais, seja em escolas, teatros; também sou co-fundador da segunda associação de Doutores Palhaços em Portugal, Remédios do Riso — curiosamente este ano fazemos dez anos — , os palhaços de narizes verdes, e intervimos em diferentes hospitais desde Lisboa até ao sul de Portugal. Além de por vezes encenar peças de teatro, dou workshops de Palhaço.
