A viagem até Felgueiras era apenas mais uma missão, que é como apelidam as sessões fotográficas em locais deixados ao abandono e cujos cenários são “dignos de um filme”. Ivy e Athon, como preferem ser conhecidos sob anonimato, procuravam mais uma foto perfeita para juntar ao seu bem-sucedido projeto no Instagram — e o velho seminário desocupado era o sítio perfeito.
Um ano depois, as suas imagens são tudo o que restam da beleza do seminário de Santa Teresinha, que a 25 de julho foi completamente destruído por um incêndio. Construído em 1928, o edifício quase centenário passou para as mãos de privados em 1988 e assim foi trocando de dono, sempre entregue ao abandono, até ao fim trágico.
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Que outras relíquias deixadas ao abandono sejam salvas, é isso que os dois criadores do The Yellow Jackets pretendem evitar. E é por isso que dedicam todo o seu tempo livre à procura de novos alvos para mais missões.
A caçada de Ivy e Athon, formados em design e fotografia e ambos na casa dos 30, começou muito antes da chegada dos casacos amarelos que os tornaram uma espécie de celebridade no Instagram. O casaco do pai de Athon foi uma graça que ficou e que serviu de gatilho para uma pequena mudança.
“Achámos que o casaco fazia todo o sentido, arranjámos outro e pronto. Com a entrada dos casacos mudámos alguma coisa na estética, mas já fotografávamos locais abandonados creio que desde 2012”, explica Ivy à NiT.
Apesar de ambos terem empregos que lhes ocupam a maior parte do tempo, há sempre espaço para “uma paixão tão grande”, embora seja uma tarefa bastante trabalhosa. Quando as dicas de sítios abandonados que vão servir de cenário para a próxima sessão não chegam de amigos, também eles exploradores, é preciso ir à caça. O Goole Maps é, curiosamente, uma das ferramentas essenciais.
“Usamo-lo para ir à procura de pistas que denotem que os edifícios estão em estado de abandono”, nota Ivy. Ocasionalmente, os tesouros encontram-se com um olhar atento na rua.
Entrar neles é todo um outro assunto. Embora procurem sempre a autorização dos donos, nem sempre a conseguem. “Normalmente quando mostramos o projeto e as ideias que temos, costumam dar autorização para fotografarmos. Noutros casos dizem que não, até porque não têm interesse que sejam divulgados devido ao estado de abandono. Nem têm interesse que a população perceba que estes imóveis estão assim”, explica. E quando não é possível encontrar os proprietários, entra-se à socapa? Ivy dá um sim implícito: “Não queria entrar por aí, mas pronto… (risos)”.
Até ver, as missões correram sempre sem grandes sobressaltos, apesar de uma das últimas incursões ter terminado numa correria de tripé na mão e sem tempo para despir os casacos. A fotografarem numa casa abandonada, foram surpreendidos por passos — “provavelmente sem-abrigo que ali ficavam” — que alertaram os amigos, já no exterior, e que lhes gritaram para que se despachassem. Mais uns cliques, últimos retoques e escaparam.
A causa, explicam, é nobre. A primeira regra que têm é a de nunca revelarem a morada dos locais que visitam de forma a evitar possíveis atos de vandalismo. Também evitam danificar o espaço ou tirar o que quer que seja do sítio. Trazer objetos consigo é impensável, apesar de muitas vezes visitarem bibliotecas recheadas de livros ou casas quase intactas, apesar de abandonadas.
“Revolta-nos ver espaços a cair. Já visitámos sítios lindíssimos que são parte da nossa história — e já os vimos cair e hoje alguns nem existem. Isso entristece-nos. Tentámos preservar estes imóveis ao máximo e também é por isso que os mostrámos. Mas isso é o máximo que conseguimos fazer”, confessa Ivy.
O resultado deste vício é um feed recheado de imagens ricas e cheias de detalhes onde os cenários, uns sombrios, outros mais idílicos, contrastam com a cor garrida dos casacos que o casal usa. O sucesso das imagens originou, literalmente a pedido de muitas famílias, um site onde é possível comprar impressões de grandes dimensões das fotografias.
“Perguntavam-nos muito se não vendíamos as imagens e achámos interessante ter as nossas fotos nas paredes de outras pessoas. Não era o nosso objetivo mas tem corrido bem. Só ainda não dá para viver disto”, explica a co-fundadora do projeto.
Novas ideias há muitas, embora uma coisa esteja garantida: os casacos amarelos não vão a lado nenhum. E o objetivo principal dos The Yellow Jackets continuará, garantem, a ser exatamente o mesmo que foi até aqui: “Estes locais estão cheios de história e a maioria da população nem os conhece. Passamos tantas vezes por eles e não os vemos. Ou vemos e nem pensamos no que está lá dentro. Há muito património abandonado e queremos tentar preservá-lo. Devemos fazê-lo, caso contrário eles deixam de existir. A maioria não sabe a história que se está a perder”.