Quando tinha sete anos, Renato Goulart subiu, pela primeira vez, a montanha do Pico, nos Açores. Acompanhado pela família e pelos irmãos mais velhos, nunca esqueceu o momento em que chegou ao ponto mais alto de Portugal — mas não foi pelos melhores motivos.
“Foi uma experiência que me recordo bastante bem porque me marcou muito, passei muitas dificuldades. Antigamente não tínhamos equipamento, a minha família era pobre e eu não tinha noção ao que íamos. Passámos lá a noite, com um cobertor para sete ou oito pessoas. Os adultos bebiam aguardente para aquecerem e os mais novos nem sequer dormiam”, recorda Renato Goulart, agora com 49 anos.
Nessa altura, mal sabia ele que, um dia, se iria tornar guia de montanha profissional. Depois dessa primeira experiência, só voltou a subir o Pico anos mais tarde, desta vez com os amigos — e com equipamento. Foi nessa altura que começou a surgir a paixão. Aos 20 anos, pediu autorização para fazer subidas com algumas pessoas que iam à ilha, tudo isto enquanto conciliava o seu trabalho numa oficina de alumínio, onde esteve pouco mais de uma década.
“Aos 29 anos decidi dedicar-me a 100 por cento às subidas e, depois de tirar cursos de guia de montanha local, dados pela Secretaria-Geral do Ambiente, tornei-me profissional na atividade”, conta à NiT o açoriano, nascido e criado na ilha do Pico. Capaz de sentir a terra como ninguém, Renato Goulart começou a ser conhecido como o “Rei da Montanha” e é lá que se sente em casa.
Inicialmente, começou por liderar grupos dentro de várias empresas que existiam no arquipélago, até que decidiu que estava na altura de ter o seu próprio projeto. Foi assim que, em 2016, fundou a exPerience 2351, uma empresa que aposta num turismo de natureza “onde a segurança, o prazer e a partilha de momentos únicos entre nós e a natureza viva destas ilhas se unem numa experiência para toda a vida”. O objetivo sempre foi mostrar a todos, com segurança, a beleza inestimável da ilha.
“A partir daí tornei-me o único responsável e comecei a trabalhar de acordo com as minhas regras e decisões”, explica. Desde o momento em que começou esta aventura, Renato Goulart já subiu ao Pico mais de 2.700 vezes. “Agora não tenho pressão nenhuma, mas há uns quatro anos sentia-me pressionado porque estava quase a atingir a subida número 2351, igualando a altitude da montanha”.
Foi no dia 31 de agosto de 2019 que o guia de montanha conseguiu chegar a esse número de subidas. Mas não foi nada fácil: “nos dias de bom tempo no verão, chegava a subir sem parar. Em 24 horas, subia três vezes, não tinha como descansar”, conta.
A partir daí, começou a desacelerar um pouco e são raras as vezes em que sobe mais do que uma vez por dia, até porque cada caminhada pode durar cerca de sete ou oito horas. Apesar de já ter feito a viagem de ida e volta quase 3.000 vezes, costuma dizer que “a montanha tem sempre alguma coisa nova para nos mostrar”. Não tanto no trilho em si, mas por ser imprevisível.
“A situação climatérica é cada vez mais instável e mesmo que tenhamos muita experiência, às vezes a montanha não corresponde ao que estávamos à espera. Hoje em dia o tempo muda com muita mais facilidade do que há 10 anos”, explica. Quando existia neve, por exemplo, qualquer pessoa podia subir a montanha antigamente. Agora, é obrigatório ter o equipamento necessário, como o capacete, e o registo efetuado.
A subida ao Pico “está cada vez mais na moda” e leva pessoas de todo o mundo a viajar até aos Açores com esse propósito. O problema é que nem todas têm noção do desafio que as espera. “Gostaria que toda a gente tivesse o mínimo de experiência em caminhadas, sobretudo com declive, mas infelizmente nem sempre é isso que acontece. Há muitas pessoas que não têm qualquer experiência nem equipamentos adequados e querem subir”, refere o guia turístico.
Já aconteceu, por diversas vezes, encontrar pessoas que estavam a subir sozinhas, sem guia e fora do trilho. Outras, que estavam no seu grupo, não conseguiram chegar até ao topo. Mas nem tudo foi mau. Após 20 anos de experiência, há momentos que Renato nunca se irá esquecer, como os pedidos de casamento ao nascer do sol.
“Lembro-me perfeitamente de uma pessoa que estava num grupo de franceses e, quando estava a registá-la na Casa da Montanha, pedi-lhe para assinar e colocar a data de nascimento e agarrei logo no telemóvel para fazer as contas. Tinha 83 anos”, recorda Renato. No final do dia, acabou por ter um desempenho acima da média e foi uma das pessoas do grupo que teve menos dificuldades. “Foi o melhor exemplo de que a idade é só um número”, diz.
Se gostava de conhecer o Pico com a ajuda do guia, existem várias modalidades disponíveis: subida diurna, que tem início às 7 horas e termina por volta das 15 horas (entre os 50€ e os 60€); noturna, que começa à 1 da manhã, vêem o pôr do sol e regressam por volta das 11 horas (entre os 60€ e os 80€); e a subida com pernoita, com início às 15 horas e regresso às 11 horas do dia seguinte (entre os 90€ e os 170€). Quando há neve, geralmente acresce 10€ devido ao equipamento.
Em dias normais, como a montanha é 90 por cento rocha, o guia aconselha a levar botas de montanha em bom estado, um impermeável devido às mudanças do tempo, alimentação, uma mochila e um litro e meio de água. Nas subidas noturnas, convém levar sempre uma lanterna e, no caso dos programas com dormida, a empresa disponibiliza sacos cama ou tendas. Para reservar um dia de caminhada, basta enviar e-mail para experience2351@nullgmail.com ou ligar para o número de telemóvel 919 293 471.
De seguida, carregue na galeria para ver como o Pico fica bonito quando se enche de neve.