Estamos tão habituados a rendas cada vez mais altas que parece algo totalmente disparatado quando lhe dizemos que, na Alemanha, existe um bairro social onde a renda custa 88 cêntimos, anualmente. Mas é verdade. O bairro de Fuggerei fica na cidade de Augsburgo, na Baviera.
Tudo começou como um projeto de Jakob Fugger, que tinha o cognome de “O Rico”. Esta riqueza vinha do seu trabalho enquanto banqueiro e comerciante, e foi usada principalmente para construir casas para os mais necessitados. Um desejo que deu origem ao bairro social mais antigo do mundo, em 1521. Passaram cinco séculos, mas algumas regras mantêm-se.
Para poderem viver em Fuggerei, as pessoas têm, obrigatoriamente, de sentir dificuldades financeiras e têm de ter vivido pelo menos dois anos em Augsburgo. Há 500 anos, o arrendamento das casas era pago em florins (moeda que caiu em desuso) e três rezas diárias — apenas eram aceites residentes católicos.
O florim desapareceu com o tempo e, atualmente, a renda custa 88 cêntimos (de euro). No entanto, embora não sejam propriamente obrigatórias, as três rezas diárias ainda são incentivadas mas dependem uma decisão individual de cada morador.
Dois anos após o sua criação, o bairro social de Fuggerei já contava com 52 casas. Nos anos seguintes, o território passou a contar com várias ruas, pequenas praças e uma igreja. É um marco em Augsburgo, e é muitas vezes comparada a uma vila medieval, graças aos seus detalhes e ao aspeto rústico das casas, quase todas pintadas de amarelo, com um telhado de terracota.
Atualmente Fuggerei conta com 160 residentes, e a população que lá encontramos é maioritariamente envelhecida, embora se encontrem alguns jovens, visto que as dificuldades financeiras não se aplicam apenas a uma faixa etária.
Jovens, idosos e turistas: são todos bem-vindos
Noel Guobadia estava prestes a fazer 18 anos quando a família se mudou para Fuggerei. Os pais tinham-se separado e a mãe, agora solteira, não conseguia sustentar financeiramente os filhos. O jovem de 17 anos ficou chocado. “Fiquei tipo ‘as pessoas vivem mesmo ali? Tens a certeza?'”, recorda-se Guobadia, em conversa com a “CBC”.
Mas com o passar dos anos e à medida que foi amadurecendo, o choque que sentiu transformou-se em gratidão. “Conseguimos mesmo construir uma vida aqui. Estou a tirar uma licenciatura e a ganhar experiência no mercado de trabalho, tudo porque não tenho de me preocupar financeiramente”, revela.
Atualmente, Doris Herzog é a responsável por decidir sobre quem podem poderá vir a fazer parte do grupo de residentes de Fuggerei. Começa por verificar os registos da igreja para ter a certeza que são católicos. Depois, marca uma entrevista, onde tira as dúvidas quanto às dificuldades financeiras dos candidatos,
Calcula que, atualmente, existem 80 pessoas à espera de uma vaga numa das casas do bairro social. Dependendo das suas necessidades, essa espera pode durar anos. “Muita gente quer um apartamento no rés do chão, o que significa que têm de esperar muito tempo para isso — talvez cinco ou seis anos”, diz Herzog.
Além dos momentos de oração e da renda baixíssima, várias outras coisas se mantêm inalteradas desde 1521. Os residentes de Fuggerei têm de contribuir para a comunidade, com funções de jardineiros e patrulhando o bairro à noite. Após os portões serem fechados, têm ainda de pagar uma pequena taxa para poderem entrar.
Com todas estas características que o distinguem de todas as outras comunidades, e apenas a uma hora de Munique, é claro que os turistas são atraídos para o bairro social. Os visitantes pagam 6,50€ para visitarem Fuggerei e se perderem naquele ambiente rústico.
Ilona Barber, que se mudou para Fuggerei há seis anos, é a responsável pela venda dos bilhetes. “É um trabalho muito divertido, mesmo quando as pessoas ficam surpreendidas com os preços dos bilhetes. Costumava trabalhar num casino nos Estados Unidos — estou habituada a lidar com todo o tipo de pessoas”, conta à “CBC”.
Tem 71 anos, e está bastante feliz com a vida e as amigos que tem no bairro. Quando não está a falar com as amigas no WhatsApp, está ocupada a organizar jantares de grupo para meter dois dedos de conversa. O fluxo constante de turistas também é importante para si, são eles que trazem uma dose de novidade ao seu dia a dia.
Os anos de destruição
O bairro social de Fuggerei celebrou o seu 500.º aniversário a 23 de agosto. A festa contou com a presença de Markus Söder, o primeiro ministro da Baviera — foram cantados os parabéns e houve um almoço numa enorme mesa que se estendeu pela avenida principal.
Quem atualmente visitar Fuggerei nem diria que, outrora, já esteve perto de desaparecer completamente. O bairro social sobreviveu à Guerra dos Trinta Anos — entre católicos e protestantes — que começou em 1618 e terminou em 1648.
Vários anos depois, durante a II Guerra Mundial, os residentes de Fuggerei tiveram de se esconder em bunkers (que ainda são visíveis), para sobreviverem aos bombardeamentos, que acabaram por destruir 75 por cento do bairro. Após o fim da guerra, os residentes puseram mãos à obra e reconstruíram aquela que é uma das zonas mais emblemáticas da Alemanha.
Cinco séculos depois, o bairro de Fuggerei ainda é gerido pela família Fugger. Atualmente está a cargo de Alexander Fugger-Babenhausen, que já mostrou a sua intenção de não alterar o preço da renda.
“Conseguimos abrigar 160 pessoas que, de outra maneira, não conseguiriam viver da maneira que vivem. Aumentar a renda destruiria o propósito fulcral do bairro”, afirma o responsável.