Quem nasceu e cresceu em pequenas aldeias ou vilas, costuma sonhar com o dia em que começa a fazer vida numa cidade grande, onde os vizinhos não se conhecem e há mais oferta de emprego. Durante muito tempo, acreditava-se que era nos centros urbanos que existia maior qualidade de vida — mas não há nada como o silêncio e a tranquilidade de viver numa zona rural.
Com a evolução do trabalho remoto, fazer as malas e fugir para longe da confusão das cidades tornou-se, não só uma possibilidade, mas uma necessidade. Foi com o objetivo de desmistificar esta ideia de que só podemos viver nos centros urbanos que surgiu a Rural Move, uma associação sem fins lucrativos que quer incentivar pessoas a mudarem-se para o interior do País — e um dos coordenadores contou à NiT a sua história.
Rui Santos tem 53 anos, nasceu em Angola, mas veio para Portugal quando tinha apenas quatro anos. Cresceu na cidade de Braga e foi no Norte que se formou e começou a trabalhar com produção têxtil. Aos 35 anos, voltou a mudar de País e, desta vez, foi morar para Berlim.
Depois de mais de uma década a viver na Alemanha, sentiu que estava na altura de mudar e pediu para começar a trabalhar remotamente. “Naquela fase da vida, por razões pessoais, ponderei sair de Berlim e decidi que estava na hora de dar o salto e começar um outro projeto”, conta à NiT. Chegou a pensar em Maputo ou até mesmo Braga, mas o destino tinha outros planos para Rui.
Quando começou a procurar sítio onde pudesse morar e arranjar uma casa “dentro das possibilidades”, encontrou, quase por coincidência, uma propriedade à venda em Mação, no distrito de Santarém. “Nem sabia onde era Mação, nunca tinha ido lá. Ainda assim, fui fazer uma visita e, assim que entro na vila, vi o potencial da casa”, recorda.
Em fevereiro de 2018, cinco meses após a visita, mudou-se definitivamente para a vila portuguesa da Beira Baixa, cujo nome os seus amigos de Berlim nem conseguiam pronunciar. Aquilo que antes nem sabia que existia, passou a tornar-se a sua casa. Sempre foi uma pessoa “extremamente urbana”, mas foi quando teve a oportunidade de se mudar que começou a perceber as vantagens que existiam numa zona rural. “Se precisar de ir ao advogado ou à loja de cidadão, consigo fazer isso tudo numa manhã e muito mais”, diz.
“Isto foi-se construindo e fui-me apercebendo que, vivendo aqui, tudo é muito melhor. Gasto menos dinheiro, há uma maior ligação com as pessoas, os vizinhos conhecem-nos. Além disso, estamos muito próximos da natureza.” O facto de trabalhar remotamente facilitou a decisão: podia deslocar-se à vontade e até chegou a ir várias vezes a Berlim e a Lisboa.
Porém, no início, a mudança foi um choque. Para uma pessoa que estava habituada a viver em grandes cidades, foi estranho ver que as ruas estavam vazias, à noite ficava tudo deserto, as casas estavam desabitadas, muito comércio estava fechado e havia muitas ruínas.
Foi-se habituado a este modo de vida e hoje adora morar ali. E não foi o único a apaixonar-se: os amigos e conhecidos que o visitavam também se deixaram encantar por Mação. Tanto que, assim como o Rui, fizeram as malas e mudaram-se para lá. “Recebi aqui várias pessoas e, desde que cá estou, já foram vendidas 12 casas. Esta fusão gera uma coisa muito engraçada e há uma dinâmica diferente”, confessa.
Ao ver a potencialidade da vila, sentiu necessidade de procurar uma associação que o pudesse ajudar a dinamizar o território rural. Foi nessa altura que conheceu a Rural Move e se juntou, inicialmente, como voluntário. Agora faz parte da coordenação da associação e é o gestor de comunidade em Mação. Quer isto dizer que, se estiver interessado em mudar-se para lá, o Rui é uma das pessoas que o vai ajudar a fazer essa mudança.
Nos últimos quatro anos, tem visto a vila a crescer cada vez mais e a ganhar reconhecimento. Se, quando chegou, existiam várias casas à venda, agora são raras as que têm uma placa a dizer “vende-se”. “Adoro a proximidade com a natureza e o poder fazer muito em pouco tempo. Para já não tenho intenções de sair daqui e até tenho alguns projetos que estou a pensar implementar”, revela.
Criada em outubro de 2020, a associação sem fins lucrativos nasceu com o objetivo de incentivar pessoas a mudarem-se para o interior do País. É nesta plataforma que podem aceder às informações sobre os municípios, espaços de trabalho, alojamento e oportunidades de emprego.
Mais do que incentivar esta mudança, a Rural Move acompanha todo o processo com a ajuda de um parceiro local que vive na localidade e faz essa ponte, como é o caso de Rui Santos. O objetivo é, na verdade, bastante simples: promover a sustentabilidade a todos os níveis nestes territórios que estão a perder, cada vez mais, os seus habitantes.