A moradia de Herlander Loureiro é uma das mais reconhecidas da Gafanha da Nazaré, em Ílhavo, e até do País. Em dezembro, a Casa das Luzinhas, como também lhe chamam, torna-se um local de peregrinação para quem mora na região — e não só. Há quem descubra o edifício iluminado nas redes sociais ou através da televisão (todos os anos recebe pelo menos uma equipa de reportagem) e não resista a percorrer vários quilómetros para fazer uma visita ao número 59 da Rua de São Nicolau.
A tradição começou um pouco por teimosia, já há 12 anos, quando o antigo metalúrgico da Renault decidiu decorar a sua casa “à moda dos Estados Unidos”. O português de 67 anos não se inspirou em nenhum filme de Hollywood em particular. Foram os cunhados, que moram nos EUA, que acabaram por incentivá-lo.
O casal começou a enviar-lhe não só fotografias de casas norte-americanas iluminadas, mas também caixas de luzes para que pudesse fazer o mesmo. “Comecei a decorar a casa há cerca de 12 anos, mas vou pondo sempre mais, à medida que os meus cunhados da América me enviam. Destas luzes, 80 a 90 por cento são lâmpadas americanas. Mandam pelo correio, vêm num contentor”, explica Herlander à NiT.
A tradição anual é trabalhosa, leva, em média, um mês a montar. Este ano adicionou mil luzes, “uma coisita de nada”. Agora, a decoração já conta com 23 mil lâmpadas. “Até deve passar esse número”, aponta.
“Comecei a montar no princípio de novembro e acabei agora, um mês depois. Se fosse seguido, de manhã à noite, se calhar numa semana fazia tudo”, revela. No entanto, a montagem da Casa das Luzinhas, é um trabalho solitário. “Faço tudo sozinho porque tenho de estar muito concentrado, ando sempre a pensar onde tenho de ligar, se é aqui se é acolá”, sublinha. “Não quero ajuda de ninguém, neste caso só atrapalham.”
Um dos principais obstáculos à instalação é a chuva, já a outra dificuldade é técnica, pois, ao contrário do que é habitual, as luzes da moradia nunca piscam — estão constantemente ligadas. “O problema não é montar as luzes, mas acendê-las. É preciso saber um pouco de eletricidade. Como estão em séries, por exemplo, de 50, quando uma lâmpada se funde, essa série de 50 deixa de se ver. Ora, se ficar ali aquele espaço de mais ou menos um metro, sem luz, nota-se logo uma diferença grande”, explica.
Para evitar estas linhas apagadas, é preciso passar a vida a substituir lâmpadas. “Sempre que monto um bocado, à noite vejo como está, e no dia seguinte, tenho de descobrir onde está a avariada. Desde que comecei a montar já substituí 700 lâmpadas. Tenho algumas LED, mas 80 por cento são normais, de filamentos”, descreve.
Agora, Herlander é a voz da experiência, mas a verdade é que nunca foi eletricista e quando começou pouco percebia do assunto. Só se dedicou às ligações elétricas após a reforma, e foi aprendendo com a ajuda de amigos experientes.
A decoração, embora mantenha elementos comuns, nunca é exatamente igual de ano para ano. Depende da inspiração do artista. “A casa é engraçada, tem alguma esteticazinha, então só é necessário ajustar à estética que existe. É como o cabelo, tem de ser penteado ao jeito da cabeça de cada um”, compara.
Embora à primeira vista não pareça, as iluminações têm toda uma arte. “Não podemos pegar numa fila de lâmpadas e por ali em cima da casa. Se não, o que se vê? Só lâmpadas. O objetivo é salientar a estrutura do edifício. Vejo muitas casas iluminadas por aí e o defeito de muitas é esse, têm lâmpadas chapadas ali, não têm muito interesse”, opina.
O antigo metalúrgico da Renault recorre a um processo criativo muito próprio, “sem grande ciência”. “Como não tenho contornos para guiar as luzes, faço as figuras sem seguir nada, desenho na inspiração do momento. Depois, à noite, analiso como está e decido se gosto ou não gosto. Se faço alterações ou não. As janelas, por exemplo, já as mudei três vezes.”
Questionado sobre o investimento total, admite que deve “gastar entre 400 a 500€”. Nesta altura do ano a fatura da eletricidade ronda os 300€, aos quais se juntam mais 100€ que gasta nas lâmpadas que vai comprando para substituir as que se fundem.
“Entretanto, a minha cunhada já me disse que deve estar a chegar mais uma caixa de luzes. O que é que posso fazer? Não as vou deixar dentro da caixa, lá dentro não dão luz… [risos] Eles mandam e não pago nada. Faço alguns favores, como é normal, porque eles têm aqui casa”, detalha.
A inauguração da iluminação é um dos momentos mais esperados pelos vizinhos, que se reúnem para assistir ao incrível espetáculo luminoso. Este ano, as luzes vão ser ligadas este domingo, 8 de dezembro, às 17h45. O momento conta com um pequeno concerto do grupo de concertinas do qual faz parte, “uns copos de vinho do Porto e chupas para os miúdos”.
“Nesse dia faço uma brincadeira. Tenho uma bicicleta com luzes e um fato com luzes também e chego na bicicleta. Apareço, fico cá fora a fazer um pouco de ilusionismo como uma varinha e as luzes acendem. Claro que é a minha mulher, que está lá dentro, que as liga. É só uma graça”, enfatiza.
As luzes vão manter-se ligadas todos os dias, entre as 18 e as 22 horas, até 1 de janeiro. “Para mim, que já faço isto há 12 anos, não é nada de especial, são lâmpadas. O que mais gosto de ver é a reação dos miúdos, com os olhos a brilhar”, confessa.
Outro dos incentivos que leva Herlander a repetir a tradição é o facto de não existir nada parecido na zona. “Gosto muito de ir a Vigo ver as iluminações, lá as ruas estão todas iluminadas, é mesmo incrível. Mas aqui não há nada disso, faço uma coisa a outra escala, claro. A minha satisfação também é ver que os outros gostam”, conclui.
Apesar de fazer tudo praticamente sozinho, conta sempre com o apoio da mulher, Piedade Loureiro, de 63 anos. O casal, com três filhos — que, entretanto, já saíram de casa —, integra também o grupo de amigos da concertina da universidade sénior da Gafanha da Nazaré. E passam grande parte do ano a atuar pelo País.
“Este ano andei um bocado atrapalhado com as montagens porque toco um grupo com concertinas, cavaquinhos e fazemos muitas saídas. Depois também temos de treinar, de ensaiar”, justifica.
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