“Porque o nosso coração bate mais forte em ano de Autárquicas. Porque as Autárquicas são melhores do que o Natal. Porque esperámos ansiosamente quatro anos pelas Autárquicas. Mas essencialmente porque temos muito tempo livre”. O mote, a filosofia e o conceito de uma das páginas mais virais do nosso País, sobretudo em ano de eleições, é este.
Num Portugal ainda muito heterogéneo, com uma cultura tão rica — e uma língua portuguesa, já se sabe, muito traiçoeira, ano de eleições autárquicas é sinónimo de ano de cartazes originais, divertidos, castiços, por vezes um pouco surreais: um manancial para um grupo do Facebook.
“Tesourinhos das Autárquicas” é o nome desse grupo, um que muitos portugueses já conhecem: pelo menos quase 163 mil pessoas já o seguem. Em ano de eleições, ele voltou a ser reativado, pela terceira vez, para trazer a todos as melhores pérolas dos cartazes de candidatos, tanto a juntas como a autarquias, espalhados por esse Portugal fora.
Mas quem os partilha? Não sabemos, ninguém saberá a não ser os próprios. A NiT tentou por diversas vezes contactar o grupo para obter mais dados: sendo certo que eles são, e sempre foram, anónimos, procurámos saber se haveria mudanças nos seus elementos desde que tudo começou há quase 10 anos (em 2013); quantos seriam, quais as suas motivações atuais, quais as diferenças, se algumas, de eleições para eleições.
O grupo não se mostrou disponível para responder mas, em 2017, um elemento —anónimo — contara ao “JN” que tudo começou como uma simples brincadeira de amigos, perante o espanto do conteúdo de alguns cartazes.
As partilhas eram, adiantou então, na sua grande maioria enviadas por seguidores e os motivos puramente leves e assumidamente não partidários, não havendo quaisquer lados ou preferências, muito pelo contrário: havia um cuidado de não visar sucessivamente o mesmo partido, para manter o equilíbrio.
No entanto, diziam então, nem toda a gente encarava a situação com humor, tendo já o grupo se deparado com ameaças de processos, retiradas de cartazes, insinuações e mal entendidos.
Na altura, os Tesourinhos prometiam voltar até pelo menos 2025 e assim foi: este ano no grupo começaram a surgir, desde o início do verão, os primeiros cartazes. Com o aproximar da data das eleições, o material vai aumentando e as publicações sendo cada vez mais regulares, e cada vez mais virais.
Procurando saber o que pensarão, em 2021, os candidatos sobre esta situação, quatro anos depois de alguns a terem levado a mal, a NiT contactou vários dos abrangidos e conseguiu algumas respostas.
O grupo Abraçar Penamacor, por exemplo, foi um dos grandes protagonistas até agora, com o cartaz da candidata Isabel Reis a dizer “Eu quero Abraçar Aranhas” a ter enorme popularidade no grupo. Segundo fonte da candidatura independente a Penamacor, que adotou o nome de Abraçar Penamacor, a ideia do cartaz foi da equipa de imagem da mesma, ao assumir esse conceito.
“A ideia do Abraçar possui dois significados: o primeiro remete para a dimensão afetiva, no sentido de abraçarmos alguém que amamos, no caso, amamos a nossa terra, queremos abraçá-la por isso. A segunda dimensão é que nós abraçamos uma causa, no sentido do compromisso, com empenho e dedicação: a nossa causa é Aranhas, a nossa aldeia”, adianta à NiT.
O conceito foi então adotado e aplicado para todas as outras freguesias do concelho de Penamacor. “Cada candidato a cada Presidência de Junta de Freguesia adota o lema ‘Eu quero Abraçar’ a localidade”. No caso do cartaz da candidata aquela junta em específico, Isabel Reis, “‘Eu quero Abraçar Aranhas’ significa apenas que Eu quero Abraçar a minha aldeia, porque tenho uma ligação afetiva à terra e às suas gentes, mas também porque é a causa por que me quero esforçar com empenho e dedicação”, adiantam os mesmos.
Entendendo que a inclusão do cartaz neste grupo foi por motivos puramente semânticos, a candidatura diz não ter qualquer objeção a que ele tenha sido seja partilhado na página “Tesourinhos das Autárquicas”.
Alexandre Poço é candidato a Oeiras e o seu nome chegou a ser trending topic do Twitter na passada semana. O motivo? Os seus cartazes, partilhados nos Tesourinhos mas não só, e toda uma campanha onde a postura de captar a atenção das pessoas e de “romper o cinzentismo” da política é assumida.
“A nossa estratégia de comunicação visa alcançar o maior número de pessoas do meu concelho, ou seja visa garantir que as pessoas de Oeiras ficam a par da nossa candidatura e das suas principais ideias”, começa por explicar à NiT o candidato.
Quanto ao alcance e a páginas como os Tesourinhos e partilhas nas redes sociais, Alexandre Poço é perentório: “vivemos bem com isso. Sabemos que estamos a adotar uma estratégia de comunicação ousada e irreverente, que rompa com o banal e cinzentismo associado ao marketing político; e que é preciso ter uma postura ousada e inconformista de forma a que a nossa candidatura não seja indiferente”, frisa. Ou seja, “conseguir através de um jogo estético assumido captar a atenção das pessoas, um espaço do seu tempo para que depois possam conhecer as nossas ideias, visão e programa politico”.
O lançamento da candidatura de Alexandre incluiu um salto de avião e um jogo estético assumido, com várias referências culturais. Estas, defende o candidato, “devem fazer parte de uma forma de enquanto políticos sabermos comunicar com as pessoas. E como é obvio, quando surge uma campanha diferente há reação; mas já é tempo de rompermos com a indiferença perante a politica, as eleições e a participação de forma a garantir que um assunto, que é serio, e uma candidatura, que é seria e quer servir Oeiras, não faz mais do mesmo e não se mantém na indiferença”, reitera.
Aqui, a irreverência é de tal forma assumida que, depois do cartaz partilhado no grupo ter dado destaque para a postura e as meias laranja do candidato, a campanha já está a oferecer meias cor de laranja iguais, aos seus cidadãos.
Em Óbidos, poderá haver alguns Paulos Gonçalves; mas só um é o marido da Lara; o treinador dos Félix e dos Malaquias; e o professor da Mariana. Paulo, 55 anos, professor de educação física, candidato a Presidente da Câmara Municipal de Óbidos, ganhou lugar nos Tesourinhos pelo cartaz “É o marido a Lara!”. Nada que o incomode.
“Esta campanha gráfica foi apresentada por mim à equipa de design e veio a resultar em três cartazes cujo objetivo é mostrar exatamente quem é o candidato e a forma como está inserido na comunidade”, começa por explicar à NiT.
A campanha, frisa, “pretende também a aproximação dos eleitos aos eleitores, afastando a ideia de que o Presidente de Câmara é uma pessoa muitíssimo importante e de difícil acesso. Ao contrário, o candidato é uma pessoa como as demais, e que a população já conhece de outras dimensões do serviço público”, adianta.
O cartaz ‘É o marido da Lara’ foi o mais notado, merecendo menções em revistas, jornais, blogues e páginas na Internet. Mas para quem reside no concelho, “essa notoriedade foi recebida com uma certa nota de humor, até porque muitos dos munícipes conhecem-me exatamente com essa referência familiar; que é em Óbidos, tal como em muitas regiões do País, habitual e tradicional”.
Paulo diz mesmo nada ter contra a divulgação e comentário nos Tesourinhos, já que ajudaram a chegar ao maior número de pessoas. “Devo até dizer que as publicações foram bastante gentis e humorísticas, como seja a referência feita nos Tesourinhos ‘Paulos Gonçalves há muitos, mas o marido da Lara é só um!’, e uma outra feita por um ex deputado e comentador televisivo: ‘Não é o Paulo Gonçalves motociclista, não é o Paulo Gonçalves que andou no Benfica, é o Paulo Gonçalves marido da Lara!'”, frisa o candidato.
E acrescenta mesmo: “termino dizendo que apenas foi produzido um exemplar de cada um dos três cartazes. Três! Dado o número de visualizações, que o tornaram talvez no cartaz mais visto de todos, penso ter sido a campanha gráfica mais eficaz das eleições autárquicas, dado o seu custo/benefício. E dado que se trata de uma subvenção pública, orgulho-me de ter atingido os nossos objetivos com o menor gasto possível”.
De seguida, carregue na galeria para conhecer algumas das partilhas mais virais e divertidas deste ano, até à data, pelo grupo dos Tesourinhos das Autárquicas.