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Viver numa cidade sem carros: Espanha fez o teste e o sucesso é enorme

Pontevedra foi uma metrópole pioneira, por aqui não há buzinas nem poluição. E até está a mudar a lei espanhola.
O centro da cidade (foto da autarquia partilhada por Citylab).

Já imaginou viver numa cidade sem carros? Sem poluição, engarrafamentos, sem buzinas ou motores? Sem ter de olhar para todos os lados quando anda na rua, contornar veículos para se conseguir movimentar, agarrar os miúdos com força para não fugirem para a estrada? Em Pontevedra, uma cidade de 83 mil habitantes na Galiza, no noroeste de Espanha, é mesmo isso que acontece depois de um autarca ousado ter expulsado todos os carros do centro histórico.

É um caso de sucesso tão grande que outras cidades o querem seguir. Até a lei pode mudar, atrás da iniciativa liderada por um único homem. Em Pontevedra, livre de veículos no centro desde 2000, a poluição baixou. O turismo cresceu e a população também: em contraciclo com as quedas de natalidade em Espanha, ali existem agora mais pessoas e mais crianças. A explicação é simples: há casais a mudarem-se para lá para constituírem famílias. Querem ter filhos onde eles possam brincar na rua, explicam a vários meios locais.

Tudo começou há quase 20 anos. Miguel Anxo Fernández Lores é presidente da câmara da cidade galega desde 1999 e segue uma filosofia simples: ter um carro não lhe dá o direito de ocupar o espaço público.

Quando o jornal britânico “The Guardian” visitou a cidade, em setembro do ano passado, o autarca mostrou a cidade ao repórter, abrindo as janelas do escritório: “Escute”, disse. Só se ouviam vozes humanas e pássaros. 

“Antes de me tornar prefeito, 14 mil carros passavam por esta rua todos os dias. Mais carros passavam pela cidade num dia do que pessoas moravam aqui”.

Menos de dois meses depois de assumir o cargo, Lores mudou a cidade para sempre: fechou estradas e fez passeios em todos os 300 mil metros quadrados do centro medieval, pavimentando as ruas com lajes de granito.

As obras foram todas financiadas localmente e não receberam qualquer ajuda do governo regional ou central.

“O centro histórico estava morto”, disse ao jornal britânico. “Havia muitas drogas, estava cheio de carros, era uma zona marginal”.

O centro da cidade, tal como está.

Agora, quem ali mora ou visita a cidade, consegue ir de um lado ao outro a pé em menos 25 minutos. Bicicletas andam nas ciclovias, peões andam por todo o lado. Onde havia carros e estacionamentos, há agora carrinhos de bebé e miúdos a brincar nas ruas.

O objetivo de devolver o espaço público aos cidadãos não foi fácil, nem linear: o município teve de fechar estradas, eliminar parques de estacionamento no centro e abrir outros na periferia. É a única crítica que é apontada ao projeto: empurrou carros para a periferia. Mas até isso está a ser resolvido.

Segundo um artigo do “Citylab” de novembro do ano passado, Pontevedra continuou a expandir a área de pedestres do centro para a periferia, libertando um total de 669.000 metros quadrados anteriormente dominados por carros. E a transformação ainda está em andamento. 

O jornal sedeado em Washington e dedicado a cidades inovadoras de todo o mundo explica que o uso de carros no centro da cidade caiu 77 por cento, e as emissões de CO2 baixaram 66 por cento. A taxa de criminalidade também diminuiu, tal como os acidentes de carro. O centro de Pontevedra ganhou 12 mil novos habitantes desde que a zona pedestre nasceu em 2000, e a população de crianças entre os 0 e 14 anos também aumentou oito por cento.

Os carros não são totalmente proibidos dentro da cidade — não seria possível. Residentes com uma garagem privada podem trazer os veículos e o tráfego está aberto a serviços de entrega, emergências e embarque ou desembarque. Mas é raro ver um carro por ali. E quando ele passa, vai sempre muito lentamente (nunca a mais de 30 quilómetros por hora).

Pontevedra é agora um exemplo para outras cidades no mundo e ganha prémios de mobilidade urbana regularmente. Influenciados pelo seu sucesso, um inquérito recente mostrou que 75% da população na Galiza gostaria de ver o centro das suas cidades sem carros. A tendência é, alias, geral em toda a Espanha: a maioria dos inquiridos quer mesmo viver em centros urbanos sem carros. 

Capela da Virgem Peregrina.

Miguel Anxo Fernandez Lores, o autarca, é agora também presidente da Rede de Cidades que Andam. Esta terça-feira, 5 de fevereiro, foi anunciado que Lores irá colaborar com a Direção Geral de Trânsito nas “reformas legais necessárias para a consideração pelo pedestre como o principal protagonista do espaço público urbano”. O objetivo é encontrar soluções em Espanha para “limitar o espaço urbano motorizado a usos exclusivamente necessários para a cidade trabalhar”, deixando para os pedestres os espaços que hoje os carros ocupam.

O governo de Espanha pretende criar novas leis sobre o assunto e pode vir a impor zonas de restrição de veículos em qualquer cidade com mais de 50 mil habitantes até 2025, uma decisão que se aplicaria a 138 cidades em todo o país. 

Essa intenção já começou a ser posta em prática. Na passada sexta-feira, 1 de fevereiro, o centro de Madrid tornou-se numa zona de emissões ultrabaixa, com restrições rigorosas a tráfego e congestionamento.

Mas Pontevedra é mais do que uma cidade sem carros. É também uma cidade medieval com muitas coisas para ver — agora de forma mais fácil e saudável. Parte integrante dos Caminhos de Santiago de Compostela, os turistas adoram passar pela Basílica de Santa María, pelas Ruínas de Santo Domingo, pela Capela da Virgem Peregrina ou pela Igreja de San Bartolomeu. A vida noturna, como seria de esperar, é super ativa nas ruas.

Se quiser visitar esta cidade espanhola sem levar o seu carro, naturalmente, encontra várias opções de autocarros, comboios e carpooling a partir de Lisboa e do Porto. São três e sete horas de viagem, respetivamente.  

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