Pela segunda vez em cinco anos, o turismo rural Chão do Rio, na aldeia de Travancinha, voltou a viver um pesadelo na madrugada do dia 10 de agosto: viu as chamas aproximarem-se da propriedade. O fogo surgiu sem aviso, e de forma inesperada. Depois dos incêndios de outubro de 2017, que também afetaram o turismo rural da Serra da Estrela, acreditavam que a probabilidade de tal voltar a acontecer era reduzida — mas há coisas impossíveis de controlar.
Sem grandes opções, o Chão do Rio voltou a fechar para recuperar do abalo que sentiu no passado mês de agosto. As chamas destruíram um quarto do Parque Natural da Serra da Estrela, o que corresponde a mais de 25 mil hectares em seis concelhos. Dois meses depois, estão prontos para voltar a receber hóspedes. A reabertura está marcada para o próximo domingo, 16 de outubro, precisamente na data em que se contam cinco anos do encerramento forçado em 2017.
O Chão do Rio nasceu em 2010, depois de Catarina Vieira, de 48 anos, licenciada em Gestão, ter transformado a sua casa de férias num alojamento local, com a ajuda do namorado. Ambos tinham vidas urbanas, mas apaixonados pela natureza e pela ruralidade, foi na aldeia de Travancinha que, em 2001, encontraram um lugar “que os faz sentir inteiros, onde os sorrisos vêm de dentro e felicidade se vive nas coisas simples”.
“Adquirimos uma quinta com cerca de oito hectares, simplesmente porque gostávamos muito da Serra da Estrela. Nessa altura, por várias circunstâncias, entramos naquele dilema de vender ou arranjar uma solução para pagar os custos”, começa por contar à NiT Catarina Vieira. Por coincidência, a proprietária tinha terminado uma pós-graduação na área de Turismo há pouco tempo e, mesmo sem saber se iria seguir em frente, começou a desenhar um plano para transformar a propriedade num alojamento local.
O nome, Chão do Rio, já era o nome do registo do terreno, que faz fronteira com o ribeiro, e decidiram manter a designação. Abriram em 2010, inicialmente apenas com uma casa de tipologia T2, com capacidade para seis pessoas. “Aí a experiência que oferecíamos era a quinta inteira para uma família e foi um teste para ver como corria. Como correu tão bem, começámos a analisar a possibilidade de investimento”, revela.
Contudo, não queriam ser apenas mais um turismo rural: precisavam de algo que os destacasse pela diferença, mas sem estragar a propriedade que tanto gostavam. “Foram feitos mais cinco alojamentos, que muitas pessoas dizem que parecem casas de contos de fadas e de bonecas, com os telhados de palha. Sabíamos que no vale do Zêzere, os pastores recorriam muito à vegetação envolvente e achámos encantador, era isso que queríamos para o Chão do Rio”, sublinha.
Os alojamentos saltam à vista pelo material utilizado na coberturas, uma forma simbólica de homenagear a cultura da pastorícia, “que acaba por viver muito ligada à natureza de uma forma positiva”. As cinco novas casas demoraram cerca de dois anos a erguer e começaram a receber hóspedes em 2014. Acrescentaram ainda uma piscina biológica que valoriza o espaço, “está integrada na paisagem e promove a biodiversidade”.
Além desta preocupação com a sustentabilidade, o Chão do Rio tem uma forte ligação com a aldeia: apesar dos oito hectares, as casas estão viradas para a igreja e, em menos de cinco minutos, os hóspedes chegam ao café principal da Travancinha.
O primeiro incêndio
A crescer já há sete anos, o inesperado aconteceu: na madrugada do dia 16 de outubro, o fogo chegou ao Chão do Rio. “O incêndio causou bastantes danos e fomos obrigados a fechar durante sete meses. Tivemos de reconstruir a receção e duas casas, mas conseguimos recuperá-las em seis meses. Metade da nossa área, que anteriormente era uma mata de pinheiro-manso, tinha desaparecido. Quando reabrimos, não existiam sequer vestígios das árvores”, recorda Catarina.
Abriram novamente portas e ainda mais fortes. Fizeram algumas melhorias às infraestruturas e voltaram a lançar-se no mercado do turismo, mas sem nunca esquecer o pesadelo que foi aquele mês de outubro de 2017. “Os fogos deram-nos uma maior dinâmica e começámos a orientar-nos ainda mais para a comunidade local. Criámos o dia aberto, que começou a ser celebrado em 2018, na altura do aniversário dos fogos, e chamamos pessoas da área ambiental e florestal para virem falar à comunidade. É um momento de partilha e encontro”.
Tudo parecia estar finalmente bem encaminhado e, no início de 2020, construíram a sétima casa da propriedade, maior do que as anteriores. “É um T1 que está ligado a um T2, sendo que a T1 tem melhores condições para a mobilidade condicionada. A casa tem capacidade para oito pessoas, dá para acolher uma família alargada.”
As sete casas foram batizadas com nomes que remetem para a vida no campo e na Serra da Estrela, e em todas a decoração é diferente. A Ribeira, por exemplo, “é muito fresca e jovial, com tons de azul”. Na Cotovia, as flores e os pássaros espreitam nas almofadas e nos tecidos. Já na Loba, as cores e o ambiente sugerem o mistério da noite, em que a loba assalta os sonhos do pastor. Os preços para duas pessoas, numa casa de tipologia T1, começam nos 128,25€ por noite.
Os incêndios de agosto
Mal sabiam que, pouco depois da inauguração da casa Fraga & Urze, o mundo iria parar devido à Covid-19. Durante os dois meses em que ficaram fechados, aprenderam a lidar com a situação, criaram os procedimentos necessários, alteraram circuitos e normas. Favorecidos pelo distanciamento físico das unidades, quando os portugueses e turistas começaram a retomar a vida normal, olhavam para o Chão do Rio como uma oportunidade de viverem uns dias afastados do resto do mundo. E em 2022 tudo estava a correr bem — até chegar agosto.
“Os verões sempre foram passados com alguma angústia, mas tínhamos aquela ideia de que não nos iria acontecer novamente. Em meia hora o fogo chegou à aldeia, foi tudo muito rápido. As pessoas que estavam no local ligaram-me e mandaram-me fotografias. Liguei a um amigo que já esteve ligado aos bombeiros que acorreu logo e foi um braço direito”, recorda a proprietária.
Apesar do impacto ter sido menor do que o causado pelos fogos de 2017, foram afetadas pequenas estruturas e cerca de metade da área da propriedade, onde se encontrava um jovem carvalhal, desapareceu. O turismo rural não tinha condições para continuar a receber hóspedes e decidiram encerrar no dia seguinte. Mal fecharam as portas, começaram a trabalhar na recuperação.
“Precisámos de uns dias para lidar psicologicamente com isto. Depois estabelecemos um plano, que estamos a cumprir, para reforçar os nossos sistemas de defesa contra o fogo e estamos a ver se teremos apoios estatais”. A natureza nunca pára e, depois da destruição, o renascimento começa a acontecer — e a equipa do Chão do Rio fez o mesmo.
Cortaram a madeira ardida e deixaram a estilha no solo para a proteger; fizeram barreiras de contenção da água, contra a erosão das encostas; semearam trevos brancos nas encostas para ajudar a fixar o solo; reconstruiram as estruturas destruídas, mudando algumas para lugares mais seguros; e enterraram tubos no solo para melhorar o sistema de combate ao fogo.
No que diz respeito à recuperação dos quatro hectares da área florestal, que agora a batizaram como “Floresta da Esperança”, perceberam que era necessário mudar de abordagem: em vez de semear, decidiriam plantar (para recuperar o tempo perdido) arbustos menos combustíveis, como os medronheiros; e proceder a limpezas mais agressivas que impeçam a regeneração espontânea dos matos de pirófitos.
Para se dedicarem a 100 por cento à recuperação e às medidas de combate ao incêndio, ampliaram a equipa e contrataram um quadro dedicado exclusivamente à manutenção dos espaços exteriores. Numa primeira fase, irão dedicar-se às plantações e rega e, mais tarde, às limpezas mecânicas.
Também todos os hóspedes que estejam interessados em ajudar neste processo de regeneração poderão participar financeiramente através dos “Certificados de Apadrinhamento da Floresta da Esperança”, que serão disponibilizados no site brevemente.
Com a reabertura marcada para o próximo domingo, depois de dois meses a recuperar o Chão do Rio, irá manter-se tudo igual, na medida do possível. O cabaz de pequeno-almoço continua a incluir as delícias locais, os espaços continuam a ser tão instagramáveis como antes (até porque o verde já regressou ao prado), a piscina ainda tem nenúfares e as “casinhas, com as suas redes, continuam a sorrir”.
Para os que não recusam um convívio com animais, vão encontrar o “Chão dos Bichos”, junto à horta, onde podem conhecer as galinhas no galinheiro móvel e as duas ovelhas Serra e a Mel. Em breve, a propriedade receberá outro hóspede permanente: o Luar, um simpático burro que será recebido da AEPGA ‒ Associação para o Estudo e Proteção do Gado Asinino.
Para os miúdos, há ainda um parque infantil e o turismo rural disponibiliza bicicletas gratuitas e carros de mão. Já os que gostam de esticar as pernas, podem continuar a seguir o trilho “Sendeiro da Moira”, agora com uma paisagem diferente da anterior, mas certamente mais especial: vão poder assistir de perto a todo o trabalho de regeneração que está a ser feito.
De seguida, carregue na galeria para ficar a conhecer melhor o Chão do Rio.