O coronavírus chegou a Portugal há pouco mais de um ano e desde então muito aconteceu: com a crise sanitária sem precedentes, veio também uma crise económica e social cuja dimensão já é visível mas só num futuro próximo se mostrará em toda a sua dimensão. Alguns setores, como os do turismo, que viviam verdadeiras épocas de ouro, viram uma paragem total ditar encerramentos, despedimentos e incertezas quanto aos tempos que virão.
Dentro deste segmento, entre hotéis temporariamente encerrados, unidades de hotelaria ou alojamento que fecharam sem garantias de regresso e ainda outras que continuam abertas mas com níveis mínimos de ocupação, há um nicho que parece resistir: não nos níveis ou volumes de negócio do pré-pandemia, claro, mas ainda assim à tona, mesmo durante as fases mais difíceis, como as do confinamento geral.
Tratam-se dos motéis, que pelas suas características pré-existentes se tornaram, afinal, quase naturalmente aptos a uma situação pandémica.
A Covid-19 “afetou todos os setores de hotelaria e turismo”, admite à NiT António Serrão, Diretor Geral do Mood Private Suites, no Montijo. Mas no caso dos motéis, “o seu funcionamento já consolidado, no qual não existem contactos com os clientes nem entre estes, tornou-se uma vantagem em plena pandemia”.
Isto não impediu, explica, que não se impusessem algumas mudanças. “No nosso caso, fizemos adaptações às recomendações da DGS, nomeadamente intensificamos ainda mais a higienização e a desinfeção dos espaços. No início da pandemia, em março de 2020, colocamos doseadores com gel desinfetante em todos os locais como entradas e saídas do hotel, em todas as secretárias, em todas as secções de trabalho. O serviço de comidas e bebidas foi suspenso e somente retomamos com serviço ao quarto, ou seja, sem nenhum contacto com o cliente” adianta o diretor do Mood.
O responsável explica que, apesar de tudo, conseguiu ter a unidade sempre aberta, ainda que por vezes em moldes restritos. “Não encerramos em nenhum período, apenas restringimos serviços ou quartos disponíveis, consoante a evolução da situação pandémica. Em março de 2020, até junho, fechamos vendas de suites com piscina e com banheira de hidromassagem e suspendemos o serviço de comidas e bebidas. No entanto hoje conclui-se que foram medidas excessivas, mas na altura foram adotadas por cautela”, diz o responsável.
Ainda assim, “desde março que colocamos em prática o nosso Plano de Contingência e intensificamos toda a exigência ao nível da higiene. Quando resolvemos aderir ao Selo Clean and Safe, já tínhamos os processos de higienização Covid-19 consolidados. Neste momento, a nossa preocupação é ainda mais higiene. Temos que ser e parecer, as pessoas estão assustadas, estão mais sensíveis e consequentemente são mais exigentes“, adianta.

Mesmo assim, nada impediu a inevitável queda no setor. “O negócio teve uma quebra assinalável, a faturação andou pelos 10 por cento de março até maio de 2020. A partir de junho o negócio foi recuperando gradualmente”, ainda assim “com uma quebra aproximada em 2020 de 30 por cento de faturação, quando comparada com 2019”.
António Serrão adianta que ainda assim, apesar da redução de procura, continua a ter reservas para pernoitar. “Na nossa ótica, é porque os clientes sentem-se mais seguros aqui. Cremos que em plena pandemia somos mais procurados pela segurança, em contraponto com o passado, em que as tarifas seriam inferiores às praticadas em Lisboa” e esse seria o maior motivo. Já o tempo médio das estadias de clientes de motel baixou, frisa.
Já a pensar na retoma, o responsável é peremptório: “sabemos que temos que estar preparados para sermos pró-ativos quando houver sintomas de retoma da economia”. Mas acha que os motéis vão sobreviver. “Como já referi, os motéis estão naturalmente preparados para trabalhar em segurança em situação pandémica. Aliás, como qualquer negócio que salvaguarde o cumprimento das normas da DGS. E as pessoas quando desconfinarem poderão estar economicamente mais frágeis, mas estarão certamente saturadas de tanto confinamento e pretenderão recuperar o tempo perdido”, conclui.
Opinião semelhante têm Felipe Santos e Raphael Santos, do Elite Motel. O espaço em Albarraque, perto da vila de Sintra, tem estado aberto desde o início da pandemia, exceção feita a março de 2020, em que “dada a situação excecional não era claro os moldes em que podíamos funcionar, e por isso optámos por fechar temporariamente nessa altura”.
Reabriram logo em abril de 2020, após se informarem sobre as medidas a tomar e devido à licença de alojamento local, que lhes permite estar em funcionamento contínuo desde então. Novamente, e como no caso anterior, os responsáveis aplicaram-se nas mudanças e cumprimento de regras: “De forma a garantir o normal funcionamento e a segurança de todos, incluindo clientes e colaboradores, vimos as nossas medidas e processos de higienização de suítes revistos e reforçados”, frisam.
Mas também aqui, a natureza do espaço e negócio já ajudava. “Como não temos áreas comuns, trabalhamos com serviço de quarto 24h, que é feito sem qualquer contacto com o hóspede. Este facto revelou-se uma mais valia nesta pandemia, contribuindo para garantir a segurança de todos os envolvidos”.

Ainda assim, “desde o início que reforçamos as práticas de higienização, as quais têm sido constantemente alvo de revisão e melhoramento à medida que a pandemia progride, sempre de acordo com as normas da DGS e o que se sabe sobre a propagação do vírus. Tentamos ir além do que é imposto de forma a garantir o bem-estar da nossa equipa e dos que nos visitam”, explicam os responsáveis pela unidade. “Estamos também a aproveitar esta fase para renovar algumas das nossas suites. Dentro desta renovação estamos a ter em atenção formas de otimizar o serviço prestado, incluindo decoração que privilegia conforto e higiene, sendo também adaptável aos novos tempos em que vivemos”, adiantam.
Nada nisto impediu o enorme embate no negócio. “Como todas as áreas em Portugal e no mundo, fomos severamente afetadas, com consideravelmente menos estadias que o habitual em outros anos”, dizem os responsáveis. “Desde o primeiro confinamento, devido às medidas impostas pela DGS, vimos uma redução drástica do número de hóspedes a pernoitar nas nossas instalações. Verificamos desta forma uma mudança na dinâmica de períodos de ocupação, especialmente nos dias em que se observava períodos de ocupação mais extensos.”
A pandemia, dizem, afetou profundamente todo o setor de turismo e hotelaria, que depende bastante de hóspedes estrangeiros. Mas surge aqui outra “vantagem” nos motéis. “Ainda que o Elite Motel não seja exceção, o nosso público alvo consiste maioritariamente de pessoas locais, do distrito de Lisboa, o que nos tem permitido reter alguma procura”.
Esta procura mudou no entanto ligeiramente em termos de perfil. Tal como no caso do Mood, no Elite há a notar “uma preferência mais acentuada em períodos de ocupação reduzida, particularmente de duas e quatro horas”. E também por aqui, há a convicão de que os motéis vão sobreviver a esta crise. “Estamos certos que sim, apesar de tudo temos de ser otimistas e olhar de frente para o futuro”.
O conceito de “Motel”, particularmente o modelo brasileiro, “tem na sua génese proporcionar um espaço onde casais possam se abstrair do mundo exterior, num lugar em que possam ter experiências especiais e únicas. De certa forma, este conceito de hotelaria é ideal para o momento em que atravessamos, dado o contato reduzido entre hóspedes e colaboradores. No fundo, há todas as condições necessárias para responder ao desafio do presente e do novo normal que teremos de enfrentar”.