Quando era miúdo, Armando Martins, nascido no concelho de Penamacor, distrito de Castelo Branco, nunca ligou muito às artes. Aos 14 anos, quando veio estudar para Lisboa, visitou o Museu de Arte Antiga, mas o interesse por este mundo (mais propriamente pela arte contemporânea) só surgiria mais tarde.
O empresário, que se licenciou em Engenharia Mecânica e fez um percurso de sucesso no meio imobiliário, tinha 18 anos quando adquiriu serigrafias em parceria com um amigo. Uns anos mais tarde, por ocasião do seu 25.º aniversário, ofereceu a si próprio a primeira (de muitas) obra de arte original. Ainda não sabia na altura, mas era o início de uma coleção sem fim.
A atividade como colecionador foi-se intensificando nos anos seguintes e, quando deu por isso, tinha na sua posse uma das melhores coleções de arte a nível nacional. Inclui mais de 600 obras, desde o final do século XIX até aos dias de hoje. Agora, grande parte delas estarão expostas no Museu de Arte Contemporânea Armando Martins (MACAM) — que também abrigará um hotel de cinco estrelas.
Um dos seus grandes projetos de vida vai ser inaugurado já no próximo dia 22 de março, uma data que assinala não só o seu 76.º aniversário, como os 51 anos desde a aquisição da sua primeira obra de arte original.
“A ideia do projeto nasce da vontade do colecionar em partilhar publicamente a sua coleção, que começou em 1974, e que foi crescendo ao longo de cinco décadas”, adianta à NiT Adelaide Ginga, diretora do MACAM Museu.
Com as obras guardadas num armazém que estava a ficar cada vez mais cheio, “surgiu o sonho de criar um museu”. “O objetivo era que as peças pudessem ter autonomia, que não dependessem apenas de fundos públicos. Mas os museus não são propriamente projetos rentáveis e surgiu também a ideia de incluir um hotel”, revela.
A construção do MACAM
O sonho começou a ganhar forma em 2007, com a aquisição, a título privado, do Palácio dos Condes da Ribeira Grande, na Rua da Junqueira, em Lisboa. O edifício histórico do século XVIII foi mandado construir por Francisco Baltazar da Câmara, tendo sido adquirido por José da Câmara Telless, Conde da Ribeira Grande, em 1754.
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Durante os anos seguintes manteve-se como residência aristocrática, mas, a partir do final do século XIX, o palácio começou a acolher instituições de ensino privadas, como os colégios Arriaga ou Portugal, até ter sido arrendado pelo Estado como escola pública.
Na sua função mais recente, funcionou como Liceu Rainha D. Amélia, que encerrou em 2002. Abandonado desde então, o projeto de Armando Martins levou à reabilitação (e expansão) do edifício histórico, cujas obras começaram no final de 2018.
O intenso trabalho de restauro possibilitou recuperar as pinturas originais na zona da antiga capela, bem como as da escadaria central. Os elementos de cantaria exterior e interior, varandins e balaustradas em ferro, assim como a estrutura original de madeira da cobertura da biblioteca e portadas das salas, também foram restauradas.
Além destes espaços, nascem também “dois edifícios novos, um que abrigará o museu e outro o hotel, no local onde estavam anteriormente os pavilhões desportivos”.
Com fachadas brancas com linhas retas, a ala nova da unidade hoteleira conta com painéis de ensombramento diagonal nas varandas dos quartos, enquanto que, no corpo novo do museu, destaca-se um painel cerâmica tridimensional, em vidrado branco, da ceramista Maria Ana Vasco Costa.
A conexão entre os dois é feita por um túnel que leva ao estacionamento do MACAM, ou por uma área exterior com uma grande escadaria, que liga ao jardim. As obras de reabilitação e a construção da nova ala foram projetadas pelo atelier de arquitetura MetroUrbe, que “enfrentou os desafios típicos da restauração de um edifício antigo”, mas sempre com o objetivo de criar uma “relação harmoniosa entre o palácio existente e a extensão contemporânea”.
O Museu
A estrela do edifício histórico, contudo, é mesmo o museu, que ocupa dois mil dos 13 mil metros do complexo. Sob o mote “The House of Private Collections (A Casa das Coleções Privadas), o MACAM terá quatro galerias, sendo que duas delas estarão em permanência, e as outras duas serão temporárias, com outros colecionadores privados a mostrar as suas coleções no espaço expositivo.
Naquela que é considerada uma das “melhores coleções de arte em Portugal”, é possível conhecer mais de 600 obras de arte desde o final do século XIX até à atualidade, que vão desde esculturas, pinturas, desenhos, fotografias a vídeos.
A exposição de Armando Martins reúne trabalhos de artistas como José Malhoa, Almada Negreiros, Amadeu de Souza-Cardoso, José de Guimarães, René Bértholo, Paula Rego, Pedro Cabrita Reis, entre outros.
A par de trabalhos de consagrados artistas portugueses, contempla obras exemplares dos mais renomados artistas internacionais, como Daniel Buren, Marina Abramovic, Thomas Struth, Thomas Ruff e Dan Grahamn. Ao todo, estarão representados na coleção mais de 280 artistas.
No fim de semana de abertura, dias 22 e 23 de março, o museu terá entrada gratuita. Depois dessa data, a entrada no espaço museológico custará entre 6€ a 12€. Os hóspedes terão direito a um bilhete gratuito durante a estadia.
O Hotel
Com uma fusão perfeita com o Museu de Arte Contemporânea, o MACAM Hotel dispõe de 64 quartos, que oferecem uma “experiência artística única”, afirma o espaço. “Como a unidade hoteleira integra o museu, desde o início que foi pensado colocar obras da coleção em todos os quartos e os espaços comuns, como se fosse uma extensão do espaço museológico para dentro do hotel”, destaca Adelaide Ginga.
As obras estão presentes em cada quarto, nos corredores e até nos terraços exteriores. O complexo inclui ainda o Restaurante Contemporâneo Food & Wine, que oferece sabores inspirados na gastronomia portuguesa, e o MACAM Café, com um ambiente mais descontraído, que serve refeições ligeiras como petiscos e pastelaria portuguesa.
A escadaria monumental e a biblioteca, alguns dos espaços originais do palácio que foram restaurados, são de acesso exclusivo aos hóspedes, tal como o ginásio com vista para o campanário. O pequeno auditório, utilizado para eventos corporativos, e uma loja com produtos exclusivos de prestigiadas marcas portuguesas, são outros dos destaques.
Já a antiga capela foi transformada no Live Arts & Bar, que será palco de artes performativas e concertos com serviço de bar. Aqui destaca-se uma instalação desenvolvida pelo artista espanhol Carlos Aires, que revela inspiração no diálogo ambíguo entre a espiritualidade e a brutalidade da guerra.
O artista português José Pedro Croft criou também uma intervenção escultórica de grande dimensão, composta por três elementos ovais em aço e vidro colorido, localizado no terraço nascente da fachada do palácio. Já no outro terraço, a artista canadiana Angela Bulloch produziu uma composição vertical e colorida de cinco poliedros irregulares de aço inoxidável pintado, que funcionam como uma ilusão de ótica.
As reservas para pernoitar no MACAM Hotel ainda não estão abertas, mas deverão abrir brevemente, altura em que divulgarão também os preços médios por noite. Todas as informações estão disponíveis online.
Carregue na galeria para conhecer as primeiras imagens do projeto.