Lisboa tem a sua luz única. O Alentejo tem o seu calor tórrido. O Algarve as suas praias com ar de postal. Mais a norte, pelo Porto, a Foz é o mais próximo que os portuenses têm de uma estância balnear logo ali à mão. Foi exatamente isso que perceberam os locais e os ingleses que, no século XIX, decidiram rumar a leste e aí construirem as suas casas de férias. Casas será, porventura, um termo demasiado moderno: são palacetes, espaçosos, luminosos, icónicos.
Mantiveram-se intactos na linha da frente, com nada entre si e o mar — a não ser os bem desenhados rochedos das praias que compõem a paisagem — e, quem cruza a avenida, divide o olhar entre eles e as ondas. Se um dos lados está aberto a todos, o luxo destes palacetes é só para alguns privilegiados. Ou era, desde que, em 2019, o Vila Foz Hotel & Spa recuperou um desses edifícios históricos e o abriu a todos os que o queiram visitar.
Construído no século XIX, pertenceu à família do atual presidente da câmara, Rui Moreira, até que foi totalmente recuperado e transformado num hotel de luxo de cinco estrelas. No coração de uma das zonas mais nobres (e caras) da cidade, é estranho constatar que foi necessário esperar até 2019 para a Foz ter direito a um alojamento do género, para lá dos limites do centro histórico. Em bom tempo chegou.
No Vila Foz, o palacete continua a ser o centro de todas as atenções com pormenores em cada milímetro, porventura a mais para um só par de olhos: dos tetos recuperados, à enorme escadaria de madeira trabalhada, aos azulejos e mosaicos coloridos — um ambiente desenhado pelo arquiteto Miguel Cardoso e a designer de interiores Nini Andrade da Silva. Longos e volumosos cortinados recebem os hóspedes da receção ao bar que serve de área de acolhimento aos recém-chegados.
É um choque entre o clássico e o moderno, com um pendor natural para o primeiro no palacete onde ficaram instalados os quartos mais luxuosos. São sete, ao todo, entre diferentes configurações que escondem algumas surpresas, entre os tetos baixos do último piso e os duches com vista privilegiada para o mar.
A chegada ao hotel num dia chuvoso de inverno torna ainda mais caloroso o ambiente das amplas divisões que deixam ecoar as passadas no soalho que nos leva, mais à noitinha, ao salão onde mora o restaurante Vila Foz. É ali que desde a abertura, o chef Arnaldo Azevedo serve a sua cozinha que, em 2021, conquistou os críticos do guia Michelin, que lhe atribuíram uma estrela.
É também nesta sala luminosa e dourada que se faz o tal choque de épocas, a passagem do lustre de cristal do hall, recuperado do antigo palacete, ao lustre moderno que sobrevoa o espaço onde o fine dining aposta nos produtos locais. Parte vital da experiência do Vila Foz, funciona apenas ao jantar com com menus de degustação de cinco (105€) e oito (140€) momentos, onde predominam os tesouros da costa, do peixe ao marisco, com algumas incursões nas carnes e até algumas aventuras em pratos vegetarianos — cuja dieta tem direito até a um menu especial.
Se a experiência Michelin não for suficientemente faustosa, há sempre a possibilidade de ficar na mesa do chef, que neste caso é um lugar ao balcão, com vista para a cozinha — os Kitchen Seats —, que oferecem uma experiência para duas pessoas. Ali é servido um menu personalizado e criativo com wine pairing incluído, a um valor de 350 euros por pessoa.
A um ritmo perfeito entre pratos, saltitámos entre as saudações do chef, delicadamente saborosas, variadas e visualmente inspiradoras. Pela mesa passaram vieiras com trufa negra e molho de champanhe; ovo a baixa temperatura com um puré de batata cremoso, cogumelos shimeji e trompetas da morte com molho de cebola; um leve e saboroso pargo com percebes, espuma de lima e molho de crustáceos; e um cordeiro com puré de beterraba e molho bordalês.
A refeição, sempre acompanhada com as escolhas certeiras do sommelier, saltitou também entre referências francesas, espanholas e portuguesas, até chegar ao ato final, em duas sobremesas tão deliciosas quanto refrescantes: um sorvete de iogurte grego com maçã verde, cenoura e sopa de lúcia-lima e manga, a antecipar uma ribombante espuma de leite com gelado de fava tonka, emparelhadas com um sorvete e molho de pepino.
Ao lado destes salões requintados está a ala nova deste palacete na Foz, um edifício moderno com 60 quartos, todos eles iguais, mas nem todos com a mesma vista privilegiada sobre o mar. Para lá chegar, é necessário viajar até à cave, onde, ao lado do restaurante Flor de Lis — mais informal, onde são também servidos os pequenos-almoços —, se abriu um túnel subterrâneo que conduz, primeiro ao spa, depois à nova ala.
É aqui que se viaja no tempo, onde para trás fica o palacete do século XIX e se entra num mundo de ondulações e curvas, no design moderno de Nini Andrade da Silva, assente em formas sedutoras que se prolongam nos padrões de mobiliário e carpetes e terminam nos jogos de espelhos que, para os mais distraídos, podem ser perigosos. O que parece uma porta, pode não o ser. Aconselha-se alguma cautela.
Embora alguns dos quartos tenham vista para as traseiras, a sua maioria está virada a leste, na direção da marginal e do mar, vista da qual tiram partido graças às enormes janelas, todas com uma varanda. Ambiente espaçoso, aposta também nos pequenos pormenores que se esperam neste tipo de hotéis, na atenção ao detalhe do duche envidraçado que permite também daí espreitar a vista da janela, embora percam naturalmente no confronto com o requinte e caráter original das suites do palacete.
Outro dos segredos está escondido no subterrâneo spa com uma piscina interior aquecida, mas apropriadamente iluminada e discreta pelo jardim escavado no exterior — apenas aconselhável em dias quentes de primavera e verão. Há, porém, um efeito retemperador numa visita a este espaço enquanto o frio e a chuva se debatem para lá da fachada envidraçada.
Neste circuito relaxante entre piscina, sauna e banho turco, o maior problema poderá estar na conquista de um lugar entre as curtas oito camas dispostas ao longo do espaço. Em dias mais movimentados, poderá ser um problema. Nada que não se combata com um mergulho, refrescado pelas águas aromatizadas e chás que estão disponíveis a todos.
O luxo prometido é devido e, naturalmente, os olhos de quem visita o pequeno-almoço recaem no champanhe e ostras frescas dispostas na mesa do Flor de Lis, um espaço inevitavelmente menos luminoso do que os restantes — até pela localização nos pisos inferiores do palacete, impedidos que estávamos, nestes dias de inverno, de aproveitar a esplanada. Dividido em pequenas salas, o buffet dispõe-se entre duas mesas, com pão fresco de qualidade, os produtos habituais e diversas receitas de ovos feitas ao momento. Sem a diversidade de tantos outros pequenos-almoços de hotéis de luxo, a aposta é feita na qualidade — e é devidamente cumprida.
A curta vida do Vila Foz leva-nos à inevitável questão: porque é que foi preciso esperar tantos anos para que a luxuosa experiência burguesa da Foz fosse colocada à mercê de todos? O crescimento dos limites da cidade no último século engoliu a zona à beira-mar que, no papel, deixou de ser o escape dos portuenses para as idas a banhos. No espírito, e até porque a maioria dos visitantes gravita para o centro histórico, a Foz continua a ser o sítio onde nos refugiamos para longas tardes ao sol, um passeio à beira-mar e um lanche com os pés na areia. E, agora, podemos também dar-nos ao luxo de por ali ficar a ver o pôr do sol do recato do nosso próprio quarto.
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