Deveria ser um pequeno pedaço de paraíso no litoral alentejano, um resort em comunhão com a natureza e com espaço para todos. Mas esse não é o cenário que se vive no empreendimento por estes dias, invadido por agentes da GNR fortemente armados, imprensa, advogados e moradores furiosos.
Na madrugada desta quinta-feira, a decisão do governo de ali alojar em isolamento os imigrantes que viviam em condições insustentáveis — que serviram de rastilho a um surto de Covid-19 que obrigou à criação de uma cerca sanitária — finalmente avançou, sob um coro de protestos à requisição civil decretada pelas autoridades governamentais.
Das 260 casas existentes no eco-resort, 160 pertencem exclusivamente a privados. Foi nas restantes 100, detidas pelo empreendimento, que incidiu a requisição. Ainda assim, moradores e trabalhadores mostram-se indignados — e permanecem, como o têm feito há quatro dias, nos portões do Zmar.
Este é apenas mais um capítulo na história polémica do Zmar que desde a inauguração, em 2009, tem sido marcado pelos mais variados contratempos.
As falências
Cerca de dois meses antes da recente polémica da requisição, outra questão ameaçava o futuro do Zmar. A empresa dona do empreendimento, foi declarada insolvente em março, embora garantisse que isso não impediria a sua reabertura.
Toda a questão é um puzzle jurídico. O processo foi desencadeado por um fundo, o Ares Lusitani, que é dono da maioria do capital da Multiparques, a empresa que é dona e gestora do Zmar. Na sequência da insolvência, a lista de credores cresceu. Entre eles o Novo Banco ou a Booking.
Esta não foi a única insolvência que atormentou o Zmar. Em 2019, era a Cravex quem detinha a maioria do capital da Multiparques, que também faliu e obrigou a um leilão das ações.
Apesar da saúde do parque, a insolvência do acionista maioritário foi mais um obstáculo no percurso. A participação foi a leilão e acabou por ser vendida abaixo do valor base fixado de 3,25 milhões. A agitação na cúpula acionista “não mudou nada”, explicava à NiT, em maio de 2020, Francisco de Mello Breyner — dono e acionista do Zmar a título próprio, em conjunto com a Cravex, sociedade que lhe pertenceu, segundo revela a “Sábado”.
Tal como em 2019, hoje a Zmar garante que a insolvência da acionista maioritária “não irá prejudicar a atividade do Zmar”.
Fundos, empréstimos e dúvidas
Quando em 2009 abriu as portas, o Zmar saltou para as manchetes, não só pela sua vertente ecológica, mas também por representar um avultado investimento. Isto numa altura de aguda crise económica que afetava Portugal e o mundo.
Em entrevista à NiT, Francisco de Mello Breyner confessava que o Zmar foi imaginado durante “um momento de total insanidade”, quer pela arrojada ideia, quer pelo investimento necessário em tempos de crise. “Criar um projeto é difícil, um projeto pioneiro com problemas financeiros é muito mais difícil”, notava.
A criação do empreendimento nos 81 hectares da costa vicentina valeram-lhe o reconhecimento de projeto com Potencial Interesse Nacional, o que viria a facilitar o avanço do mesmo. Revela a revista “Sábado” que o Zmar acabaria por receber 7 milhões de euros de dinheiros públicos. Valor que se juntou ao empréstimo fornecido pelo BES à Multiparques, no valor de 22 milhões. Mais um empréstimo e outro apoio do Turismo de Portugal fecharam o negócio.
Um incêndio catastrófico
A 24 de setembro de 2016, deflagrou um pequeno fogo nas zonas comuns que rapidamente alastrou a outras divisões. Algumas horas depois, já com o incêndio controlado, foi possível avaliar a extensão dos danos: as chamas destruíram o ginásio, balneários, restaurantes, cozinhas. A maioria dos espaços comuns estavam inutilizados.
“Tínhamos lá 700 pessoas e graças a Deus ninguém sofreu qualquer tipo de incidente, não houve gritos, nada”, recordava à NiT, em maio de 2020, Francesca de Mello Breyner, filha do dono e responsável pelo marketing e comunicação do resort.
De portas fechadas, não houve muito tempo para mágoas. O incidente transformou-se numa oportunidade para fazer melhorias na infraestrutura e, claro, novo investimento avultado.
Um mês depois do incêndio, o pessoal do Zmar já estava a trabalha. A reabertura aconteceu oito meses depois. Não só não sentiram um decréscimo no número de visitas, como estas até aumentaram. “Recebemos mais pessoas, até porque o Zmar estava muito melhor.” Refeitos os bares, cozinhas e piscina de ondas, foi ainda possível acrescentar uma quinta pedagógica, novos bares, restaurantes e um renovado ginásio.
A pandemia
Em janeiro de 2020, segundo Francisco de Mello Breyner, o negócio florescia: nesse mês, o resort faturou o dobro do mesmo período de 2019. Em fevereiro, a subida foi de 50%. Depois, chegou a pandemia, que atirou o País para dentro de portas e congelou quase toda a atividade turística.
“Íamos lançados. Já tínhamos a Páscoa toda vendida, grupos vendidos, o verão a vender de vento em popa. Tivemos que fechar”, notava Francesca. O medo e a insegurança dos trabalhadores aconselhou a um encerramento antes mesmo da ordem do governo.
A reabertura aconteceu a 28 de maio, com as devidas restrições, mas com um enorme otimismo da parte de pai e filha, donos e gestores do Zmar. Um ano depois, o cenário parece ser ainda mais difícil para o eco-resort que já passou por quase tudo. Resta saber se este é apenas mais um obstáculo — ou o último.