Todos os dias, apenas 96 pessoas têm a oportunidade de fazer o trekking da reserva natural Volcanos National Park, no Ruanda, que as leva a conhecer as 12 famílias de gorilas que vivem por lá. As vagas são muito limitadas — apenas são aceites oito participantes por grupo de animais — e conseguir uma data disponível não é tarefa fácil. A portuguesa Maria Valente foi uma das que teve a sorte de conseguir fazer a experiência.
“Já tínha esta viagem ao Ruanda há muito tempo na minha bucket list, só que como é efetivamente mais dispendiosa e também requer que haja bom tempo, houve alguma dificuldade”, começa por contar à NiT Maria, de 39 anos, que trabalha como diretora de comunicação e marca numa empresa de eventos.
Viver esta experiência com gorilas sempre foi um sonho da viajante portuguesa, que decidiu começar a prepará-la ainda em janeiro. “Comecei a falar com a agência de viagens, a quem recorro habitualmente, e perguntei se era viável fazer isto em abril, porque era um período em que estaria de férias”, recorda.
No entanto, após pesquisas, descobriram que, nesse mês, o clima não era o ideal para realizar o longo trekking na reserva criada pela zoóloga norte-americana Dian Fossey. Por esta razão, Maria mudou a data para setembro, altura em que também tinha férias e ainda havia vagas livres. “O objetivo inicial é fazer o agendamento do trekking o quanto antes, porque esse é o que esgota muito rapidamente”, explica. “Apenas 96 pessoas, mais ou menos, oito por cada grupo é que podem subir por dia, e isso não é nada.”
A 26 de setembro, já no Ruanda, Maria acordou pouco antes das seis horas para se preparar para a manhã de aventura no Volcanos National Park. Às 6h45, apanhou o transfer até a reserva para receber as primeiras indicações. O horário é sempre o mesmo para os 12 grupos. No entanto, cada um é liderado por diferentes rangers, que são responsáveis por abrirem caminho pela selva até chegar aos gorilas.
No primeiro checkpoint, Maria recorda que foi apresentado um dos rangers que iria fazer o percurso com o seu grupo. “Ele dá-nos um briefing no sentido dos comportamentos a adotar, como não olhar nos olhos dos gorilas, estar calmo, não passar medo e o facto das nossas mochilas serem deixadas a alguns metros de distância para eles não sentirem odores de comida. As únicas coisas que podemos levar é o telemóvel e uma máquina fotográfica, sem flash.”
Depois da apresentação, o grupo é levado até à entrada da reserva por um motorista, numa viagem curta de 20 minutos. “Existem muitas pessoas que vivem aos arredores e têm as suas agriculturas, têm vacas, cabras, plantação de batatas e de tomate. Portanto, passamos por esses campos”, descreve.
À chegada, são recebidos por um ranger com uma metralhadora. A arma é utilizada para afastar os búfalos que por vezes aparecem na região. “Não é para abatê-los, eles disparam para cima para que se assustem e corram”, explica.
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Esteve rodeada por 12 gorilas
Antes do início do trekking, pelas 8 horas, todos os participantes recebem um bastão de caminhada para aguentarem a aventura que aí vem. O tempo exato do percurso pode variar mediante a vegetação e o tempo. No dia em que Maria foi, demoraram cerca de 2h30 para chegar até à família de gorilas.
“O trekking é bastante difícil. Há muita lama, e estamos a falar de uma altura seca, portanto dificulta muito”, confessa. “Existe ainda uma zona muito densa de bambus e o ranger vai à frente para cortar o caminho. Há outras áreas que é impossível, temos que rastejar e tentar não levar com um galho na cara. São duas horas e meia em que, efetivamente, se sobe muito, porque estamos a ir em direção ao vulcão.”
A reserva natural é a casa de cinco vulcões: Karisimbi, Bisoke, Muhabura, Gahinga, e Sabyinyo. Além dos gorilas, é também ali que vivem macacos dourados e mais de 200 espécies de aves. “Uma coisa muito gira durante o trekking é que o tempo todo se ouvem muitos pássaros, parece que estamos num filme da Disney”, conta Maria à NiT.
Ao longo das horas a caminhar, os rangers espalhados pela reserva conversam entre si para indicar a localização das famílias de gorilas — nenhum animal tem rastreador. Quando finalmente encontram a família, têm precisamente uma hora para ficarem a observá-la. É estritamente proibido tocar ou interagir com os animais. “Quando chegámos ao destino, de repente começamos a ser cercados por todos os gorilas, mas de uma forma muito tranquila”, recorda. “Eles vão aparecendo porque têm curiosidade e querem ver o que é que se passa.”

Os participantes são todos obrigados a utilizarem máscaras para não passarem doenças humanas aos primatas, que partilham 98 por cento do nosso ADN.
Maria recorda-se de ver um dos machos deitado, a dormir “super relaxado” e sem se preocupar com as pessoas à volta. “Uma senhora canadiana ao lado perguntava ao ranger se ele não se ia levantar e ele respondeu ‘Isso não é um jardim zoológico, se ele quiser, ele pode dormir a tarde inteira.” Contudo, passados alguns minutos, o gorila levantou-se. “Ele simplesmente foi comer e voltou a deitar-se. Foi muito giro porque é o ritmo deles, não é o nosso.”
A viajante também conseguiu ver várias crias bebés que apareceram à medida que o tempo passava. Ao todo, a família que conheceu tinha 12 animais. “Vimos uma mãe a amamentar, e depois começaram a surgir do nada os pequeninos, que de repente começaram a brincar um com o outro, e foram assim uns bons 10 minutos a darem cambalhotas, até a mãe se aproximar e pôr a coisa em ordem.”
Um dos momentos mais marcantes foi quando um dos machos se levantou e bateu com as mãos no peito. Embora o movimento tenha assustado alguns participantes, Maria achou fascinante. “O nosso ranger já nos tinha dito que aquilo é mais show-off do que outra coisa, porque eles querem-se exibir também e não vão agredir ninguém. Achei aquilo o máximo porque ele parou exatamente ao meu lado.”
À medida que os animais se movimentam, o grupo tem também de abrir espaço para que os primatas consigam fazer a sua vida habitual, sem se sentirem incomodados. “Também temos sempre que falar muito baixinho, e sempre seguir, obviamente, as instruções dos rangers.”
Maria explica que os guias fazem também um som com a boca que, supostamente, deixa os animais mais tranquilos. “Eles disseram que podíamos fazer também, mas não tivemos coragem”. Passado uma hora a observar os primatas, o grupo regressou ao checkpoint e, desta vez, o trekking foi mais rápido — durou cerca de 1h30.
A experiência tem um custo de 1.500 dólares (cerca de 1280€, à taxa de câmbio atual). Apesar de parecer um valor elevado, há uma explicação: “É para a preservação da espécie, eles não têm chip e vivem livremente. Este acompanhamento é uma forma também de os proteger, porque ninguém pode chegar lá e simplesmente assassiná-los para fazer cinzeiros ou outra porcaria qualquer. Portanto, sabemos que estamos a fazer uma experiência única, mas também estamos a contribuir para algo maior.”
Carregue na galeria para ver algumas fotografias da experiência de Maria com os gorilas de Ruanda.

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