Após passar quatro meses no sudoeste asiático e outros quatro na América do Sul, Afonso Melara, de 28 anos, considera ter vivido a experiência com que sempre sonhou.
“Sempre tive aquela inquietude de qualquer jovem, de partir e fazer algo diferente. Nunca quis ter uma vida padrão”, explica, em entrevista à NiT. Durante o segundo ano do curso de turismo, em 2019, decidiu empreender e lançou o seu próprio negócio, a Marvão Adventure, com o intuito de alcançar a “independência financeira”.
Natural de Lisboa, Afonso Melara viveu quase toda a vida na vila raiana localizada no distrito de Portalegre, onde desenvolveu uma forte ligação à natureza. Graças à sua paixão pelo surf, que começou aos seis anos, sempre acalentou o desejo de visitar a Indonésia, famosa pelas suas ondas gigantes e clima tropical. A chegada da pandemia intensificou ainda mais o seu desejo de partir.
“Quando estávamos todos impedidos de viajar fiquei com um bichinho ainda maior de partir”, explica. A primeira etapa da sua jornada teve início no final de fevereiro de 2023, quando decidiu voar para Bali. “Na minha cabeça, imaginava que ia viver numa cabana à beira-mar. No entanto, ao chegar lá, percebi que era completamente diferente do que pensava. Aquela província da Indonésia tinha-se transformado numa espécie de Ibiza do sudoeste asiático, que não era o que procurava. Por isso, decidi ir-me embora”, recorda.
Com os planos alterados, Afonso viu-se obrigado a formular um novo propósito para a sua estadia, uma vez que o bilhete de regresso a Portugal estava previsto para dali a quatro meses. “Optei por aventurar-me até Timor Ocidental à boleia, pois é uma região que, geralmente, não é muito procurada.” Quando tomou a decisão de partir encontrava-se em Lombok, uma das ilhas da Indonésia, e a 1700 quilómetros do seu destino.
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“Há muito que desejava fazer uma viagem à boleia e foi um desafio incrível, ainda que a maioria das pessoas não falasse inglês e não soubesse a que correspondia o gesto que fazemos para pedir que os carros parem, o típico ‘fixe’, com o polegar.”
A data em que começou a sua viagem coincidiu com o início do Ramadão, período em que a maioria dos muçulmanos pratica o jejum. “Fiquei retido na região, pois todos aguardavam o pôr do sol para poderem comer. Conversei com alguns jovens que prometeram levar-me de mota, mas durante o trajeto fizeram-me muitas perguntas sobre as minhas posses e isso deixou-me intimidado”, explica.
Chegado à ilha de Sumbawa em segurança, o jovem salienta que todas as boleias que apanhou naquela zona correram bem. “Eu confiava muito nas pessoas porque a maioria era boa e queria ajudar-me. Tentava perceber a energia de cada um antes de ir com eles, mas há uma regra que todos devem conhecer e seguir: não se deve aceitar que alguém nos leve a algum lado se ainda não tínhamos informado que o pretendíamos. Eu fi-lo e quase fui assaltado.”
Quando conseguiu chegar à ilha das Flores, conheceu a única professora de inglês daquela região, que lhe deu casa e comida. Como forma de “pagamento”, pediu-lhe para ir à escola onde lecionava para dar uma aula de inglês. Depois de uma viagem de 12 horas de carro com a família da senhora, em que conduziu durante seis sem ter carta de condução, e depois de uma travessia de barco, chegou finalmente a Timor, após uma jornada de três semanas.
Lá, ficou alojado num convento onde residiam irmãs missionárias de Fátima, das quais fez um documentário sobre a sua história. “Foi uma viagem pelas nossas origens e a maior aventura da minha vida. Pelo meio, subi um vulcão com 4000 metros de altura.” O regresso ao País de origem foi no final de maio.
Quatro meses pela América do Sul
Depois de todas estas vivências, sentiu que tinha de continuar a fazer algo do género para dar mais significada à sua vida. “Estava indeciso entre atravessar África ou a América do Sul, mas acabei por escolher o último porque era necessária uma estrutura e budget bem maiores para conhecer o continente africano”, explica.
Entre janeiro e maio deste ano fez um “pranchão”, termo criado pelo próprio que representa uma viagem com uma mochila às costas e prancha de surf na mão. Começou no norte do Brasil, atravessou toda a costa do país, passou pelo Uruguai, Argentina, Chile e Peru, numa aventura onde pretendia “dar a volta a toda a costa.”
“Tudo aconteceu entre boleias e autocarros. Uma das rotas durou cerca de 30 horas, numa das estradas com mais acidentes mortais do Brasil, a que liga São Salvador ao Rio de Janeiro. Foi terrível e muito dura.” Entre os momentos mais desafiantes desta segunda experiência, o jovem destaca um surto de dengue em que esteve inserido, a ida ao Oásis de Huacachina, o único natural da América do Sul, onde praticou sandboard (desporto em que se desliza pela areia), surfou a onda mais extensa do mundo em Chicama e visitou Machu Picchu, numa aventura que classifica como “a mais difícil” desta jornada. Afonso escolheu o salkantay trek, o circuito com maior dificuldade para chegar ao destino devido à sua altitude e exigência.
Ao todo, o português já visitou cerca de dez países, mas salienta que essa contagem não lhe interessa muito. “Um viajante não se define pelo número de países que visitou. No mínimo, temos de estar um mês em cada local para o conhecer bem, por isso o meu foco não é esse.”
Depois destas duas aventuras e de todos os desafios e perigos que superou, refere que nunca se arrependeu da ida. “Demoro sempre algum tempo a perceber o propósito daquela jornada e, no primeiro mês, custa-me sempre a habituação.”
Em 2026, vai pôr em prática o objetivo de percorrer África e, atualmente, está à procura de parceiros para o poder fazer, sempre com a ideia de incorporar o caráter humanitário na sua ida. Enquanto essa altura não chega, os 18 distritos de Portugal Continental fazem parte da próxima rota, marcada para 2025. “Vou aos locais menos visitados para dar a conhecer a nossa cultura.”
Carregue na galeria para ver alguns momentos das viagens de Afonso Melara.