Viagens

A aldeia em ruínas que renasceu como um aldeamento turístico no “meio do nada”

O português Afonso Arribança ficou hospedado num hotel ecológico, situado num dos mais cantos mais isolados da ilha da Boavista, em Cabo Verde.

Para Afonso Arribança, a ilha da Boavista é “uma das mais genuínas” de Cabo Verde. Com dois amigos, o psicólogo e viajante português de 35 anos visitou as ilhas de São Nicolau, São Vicente e Boavista em março. Foi nesta última que ficou impressionado “com a arquitetura antiga” e com “o ritmo de vida completamente lento”.

“É menos turística do que o Sal, mas tem uma oferta cultural incrível. As pessoas, embora desconfiadas ao início, são muito genuínas”, diz à NiT. Durante os dias que passou na ilha, percorreu a chamada Route 66 — assim apelada em homenagem à famosa estrada dos EUA —, que cruza a ilha ao longo de 20 quilómetros, acompanhada pelas paisagens desérticas.

Embora de menor dimensão, faz lembrar a icónica rota americana e é uma das melhores formas de descobrir o charme único do local, como as aldeias agrícolas e o deserto de Viana, com as suas dunas de areia esbranquiçada que foram formadas pelas areias transportadas pelos ventos do deserto do Saara.

Ao longo do percurso, Afonso conheceu três aldeias antigas e ainda muito tradicionais e teve a oportunidade de pernoitar no local que foi, em tempos, uma aldeia em ruínas. É num dos cantos mais escondidos e isolados da ilha da Boavista que fica o Spinguera Ecolodge, um hotel ecológico que fez renascer a aldeia piscatória e agrícola de Espingueira, que foi abandonada nos anos 80.

“Era uma aldeia em ruínas abandonada nas areias de um canto longínquo e isolado da ilha e foi transformada num hotel ecológico, resultado de vários anos de meticulosa restauração”, conta. Antes de ter ficado sem os seus habitantes, as principais atividades económicas daquela população era a criação de gado, produção de cal, pesca, venda de lenha, agricultura e venda de urzela.

“Com o aparecimento do cimento, a cal deixou de ter o impacto que tinha. A sua procura diminui, a venda também, o que levou as pessoas a procurarem outros meios de sobrevivência, já que a produção de cal era o principal meio de sustento das famílias”, explicou à NiT a italiana Larissa Lazzari, proprietária do Spinguera Ecolodge.

A inexistência de escola, de serviços de saúde, o isolamento da localidade e a escassez da chuva foram outros dos motivos que levaram as pessoas a deixaram a localidade de Espingueira, que com o tempo ficou abandonada e em ruínas. Até chegar o pai de Larissa que, “com visão e coragem”, e “um pouco de loucura”, viu potencial no local e decidiu avançar com um projeto hoteleiro para salvar a aldeia.

 
 
 
 
 
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A italiana tinha apenas 17 anos quando visitou a ilha pela primeira vez, longe de imaginar que seria um dos braços-direitos do pai durante esta jornada. “Enquanto estudava na Academia de Belas Artes, comecei a dar forma ao projeto. Depois de completar os estudos, com o início da obra mudei-me definitivamente em 2003”, conta Larissa, hoje com 47 anos.

A família italiana reconstruiu as antigas casas de pedra com telhados em V e os trabalhos de recuperação e reconstrução duraram quatro anos. “Foram feitos maioritariamente à mão, como manda a tradição, e recuperámos um antigo forno de cal, onde produzimos a forma como o material era feito nos tempos antigos”, explica.

A 1 de maio de 2007, o hotel foi inaugurado com uma “uma grande festa com os trabalhadores da obra e os seus filhos”, todos eles a Bofareira, a aldeia mais próxima da Espingueira. Mais de 20 anos se passaram desde que Larissa se mudou para a ilha e hoje ainda continua por trás do projeto que tem atraído milhares de turistas para este canto escondido da Boavista.

Uma das prioridades do aldeamento turístico sempre foi o impacto social, a preservação ambiental e a valorização das culturas e tradições locais. Distingue-se sobretudo por ser “um espaço alternativo ao turismo de massas”, onde os hóspedes se podem “distanciar do mundo virtual e imergir-se no passado”.

Situado dentro dos limites do Parque Natural do Norte — uma das 14 áreas protegidas da terceira maior ilha de Cabo Verde — o Spinguera Ecolodge oferecce 12 quartos e três villas, todos eles com vista frontal para o deserto e oceano. No exterior de cada unidade de alojamento, encontram-se espreguiçadeiras de linho, com o mar a estender-se no horizonte.

Entre as áreas comuns, destaca-se o “fabuloso restaurante” Cá Cabra com pormenores que chamaram a atenção de Afonso Arribança. “Um pormenor que achei piada é o facto de não terem nenhum menu para o pequeno-almoço. Colocam-nos um menu à frente, em plástico, para escrevermos o que queremos comer, com marcadores com tinta que saem. Tanto pode ser ovos mexidos como cachupa tradicional cabo-verdiana e fazem tudo na hora”, recorda.

O restaurante é “uma fusão da simplicidade cabo-verdiana com a paixão italiana, e é repleto de ingredientes naturais e sabores mediterrâneos”. Ao almoço e jantar, privilegiam o peixe e a carne local, servidos com legumes das hortas locais preparados “com sabor crioulo”. Diariamente são também sugeridas algumas receitas tradicionais italianas, vindas diretamente do livro de receitas da família.

O viajante português confessa que não sabe o que mais gostou durante a estadia: “se a gastronomia do hotel pelas mãos de uma cozinheira local, se a forma como o espaço isolado se envolve nos sons do vento e da natureza, se as visitas ocasionais de burros selvagens ou o pôr do sol junto ao mar”.

Os preços da estadia variam consoante a época e tipologia, e podem oscilar entre os 115€ e os 480€ por noite. As reservas podem ser feitas online.

Como lá chegar

O aeroporto da ilha de Boavista fica a cerca de 30 minutos de distância do aldeamento. Se partir de Lisboa, encontra bilhetes de ida e volta desde 506€. Caso apanhe o avião no Porto ou em Faro, há voos a partir de 525€ e 520€, respetivamente.

Carregeu na galeria para conhecer melhor o Spinguera Ecolodge.