Apanhou boleia de estranhos para regressar a casa, foi voluntária num mosteiro budista e perdeu-se numa estrada escura no Vietname. Após uma aventura de sete meses a viajar sozinha pelo Sudeste Asiático, Laura Silva voltou a Portugal com muitas histórias para partilhar. Não é por acaso que criou uma conta no Instagram com o mote “Era Uma Vez”, que remete para os contos e fábulas com finais felizes.
“Estas narrativas que nos contam quando somos mais novos costumam ter um ou dois propósitos: transmitir uma lição de moral ou inspirar-nos a sonhar alto e a construir ambições para as nossas vidas”, escreve Laura na sua página. A ideia de embarcar numa aventura pelo mundo sozinha surgiu quando completou 18 anos, uma fase em que muitos deixaram de acreditar nessas “histórias de era uma vez”. Laura nunca quis fazer parte desse grupo.
Após iniciar a faculdade, não conseguia afastar a ideia de fazer um gap year. “Sentia que precisava de tomar decisões para as quais ainda não estava pronta, especialmente em termos académicos. Senti necessidade de fazer uma pausa para descobrir quem era e o que realmente apreciava”, conta à NiT.
Em 2023, decidiu seguir o seu coração e comprou um bilhete para o Gap Year Summit, um evento que reúne os maiores nomes do mundo das viagens. Após ouvir os relatos de outros viajantes, decidiu candidatar-se a uma bolsa da Gap Year Portugal — e foi uma das selecionadas.
Ao delinear o seu projeto, não hesitou quanto ao destino: a Ásia era a única opção. “Tenho família em Macau e costumava visitá-los frequentemente. Já tinha explorado a China e fiquei bastante intrigada com os templos. O budismo despertou-me muito interesse e sempre tive curiosidade em explorar mais o continente asiático”, revela.
Embora nunca tivesse viajado sozinha, antes de partir, confessa que não pensou muito no facto de passar sete meses a solo. Só sentia entusiasmo. Os pais,por outrro lado, ficaram mais reticentes com a ideia. Quando embarcou num voo com destino à Tailândia, em janeiro de 2024, é que refletiu sobre o assunto. “Pensei: onde é que me vim meter?”, confessa.
A aventura no continente asiático
“Só aí é que me caiu a ficha. Estava por minha conta e teria de enfrentar todos os obstáculos que surgissem”, recorda. O nervosismo inicial dissipou-se após alguns dias em Banguecoque. “Sentia-me mais viva e livre do que nunca, sentia-me corajosa e realizada.”
Nos primeiros dias, aproveitou para fazer voluntariado numa escola internacional de artes e teatro, durante os campos de férias semanais. “Fiquei alojada na casa da proprietária da escola e trabalhava cinco horas por dia. O resto do tempo era meu”, recorda.
Ainda na Tailândia, realizou a popular travessia de slow boat de Chiang Rai até Luang Prabang. Foram dois dias a navegar pelo rio Mekong num barco “extremamente barulhento e pouco espaçoso”, mas com um “ambiente social muito ativo”.
Ao longo dos sete meses seguintes, percorreu diversos países, como Laos, Camboja, Vietname, Índia, China, Taiwan e Singapura. Uma das experiências mais marcantes da sua jornada ocorreu em Taiwan, um destino que, inicialmente, não estava nos seus planos.
Laura teve a oportunidade de ser voluntária num mosteiro budista, onde a principal tarefa era “estar disponível”. “Ajudava na manutenção do templo principal, ajudava a servir o almoço ou a regar as plantas, mas mais de metade do tempo era passado a conversar com os monges”, explica.
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O dia a dia no Fo Guang Shan Monastery, era muito calmo e relaxado. Acordava-se para ver o nascer do sol, meditavam, conversavam uns com os outros, comiam, liam ou estudavam. Para a jovem, foi uma experiência “transformadora e profunda”. “Eram eles que nos chamavam e pediam para lhes contarmos a nossa história. Não eram conversas superficiais, eram conversas profundas, como as que tenho com os meus amigos. Faziam-me sentir confortável e segura”, recorda.
Contudo, ao longo da viagem de sete meses, nem sempre se sentiu segura. Laura recorda um momento específico que a deixou assustada e em pânico. Apanhou um autocarro noturno no Vietname com um amigo que conheceu durante a viagem, quando o transporte, previsto para chegar de manhã, parou às 3h30. “Parou no meio do nada. O motorista disse que tínhamos chegado, atirou as nossas mochilas para fora e seguiu viagem. Estávamos numa autoestrada, completamente às escuras”, recorda.
Entretanto, perceberam que o hostel onde iriam ficar hospedados ficava a cerca de meia-hora a pé, e seguiram caminho, um pouco receosos e com os olhos bem abertos — a carrinha parada no meio da estrada, com as portas abertas e luzes acesas, não ajudou a acalmar a situação. Entre os vários destinos que visitou, o país que mais a assustava e intimidava era a Índia, pelo que contou com a companhia do pai nessa viagem.
O último destino da viagem pelo continente asiático foi a Turquia, que acabou por se revelar uma “experiência inesperada”. Ao visitar uma mesquita em Istambul, foi abordada por voluntárias que lhe perguntaram se queria aprender mais sobre o islamismo. “Acabaram por conversar comigo durante muito tempo, convidaram-me para almoçar e para fazer uma caminhada no domingo seguinte, mas como já tinha voo marcado, decidi adiar e acabei por ficar lá um mês e meio”, conta.
À boleia de estranhos
Laura planeou apanhar o voo mais barato para a Europa e, a partir daí, seguir de boleia até chegar a Portugal. Inspirou-se em aventuras como a dos Andamente — que viajaram de boleia até ao Catar — e decidiu aventurar-se sozinha nas estradas, com uma mochila às costas.
“Queria regressar lentamente a casa, sentir o progresso a ser feito dia a dia. Como já tinha feito tantas coisas diferentes e malucas, decidi arriscar”, explica. Começou em Bérgamo, na Itália, e demorou cerca de uma semana e meia a chegar a casa em Oeiras, em julho.
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Com a mão estendida e um cartaz com o destino escrito, conseguiu apanhar uma dúzia de boleias, algumas mais longas, outras mais curtas. Apanhou boleia de uma mãe que estava “nervosíssima” por deixar o filho numa competição do cubo Rubik, de um senhor sírio que lhe agradeceu “a oportunidade de praticar o bem”, e de um homem que tinha perdido a mãe recentemente e estava a fazer uma viagem de 400 quilómetros para se encontrar com o pai.
Em Barcelona, entrou no carro de um desconhecido que fez um desvio de 100 quilómetros para a deixar exatamente no seu alojamento. “Notava-se que estava muito desconfortável no início, mas à medida que íamos conversando, soltou-se mais. Disse-me que gostaria de ter a mesma coragem que eu, de marcar um voo e perseguir o sonho. Agora descobri que está na Tailândia a tirar um curso de mergulho”, partilha.
Embora tenha demorado mais tempo a chegar a casa, a estrada ofereceu-lhe a oportunidade de conhecer “pessoas de corações lindos que nunca teria oportunidade de conhecer se tivesse apanhado um voo”. Bastou um polegar levantado.
Carregue na galeria para ver algumas das fotografias da viagem de Laura Silva.