Sinai Fonseca, filho de pai português e mãe suíça, tinha por volta de três anos quando começou a andar de bicicleta. Aos 8, embarcou numa aventura inédita para a idade e pedalou pela América numa viagem que durou dois anos. Nasceu numa família de aventureiros e cresceu com um casal apaixonado por descobrir o mundo. Afinal, foi precisamente graças a uma viagem que os pais se conheceram.
João Fonseca, atualmente líder de viagens da empresa Landescape, é “viajante compulsivo desde a década de 90”. Natural de Estremoz, aproveitava as férias de verão para viajar pela Europa à boleia. Foi numa dessas aventuras, em 1988, que se cruzou com Valérie Rochat, na Turquia. Conheceram-se num hostel em Istambul, sem imaginar que nunca mais se separariam.
A jovem suíça, que também tinha experiência a viajar sozinha, estava a caminho de África — e João decidiu juntar-se a ela. Depois de dois meses à boleia na Turquia, ficaram a trabalhar dois meses em Israel para juntar dinheiro antes de partirem para uma aventura de dois anos por África. No meio de tudo isto, os pais do jovem estavam em Estremoz sem saber de nada.
“Enviou uma carta aos meus avôs a dizer que não voltava, mas eles não sabiam nada dele. Só o encontraram graças a uma embaixada que conseguiu entrar em contacto com ele”, conta à NiT o filho mais novo do casal, Sinai, agora com 18 anos. Depois dessa aventura, voltaram à estrada em 1996 com o objetivo de chegarem à China de bicicleta.
A odisseia de quatro anos pela Ásia, onde atravessaram países como a Rússia e Cazaquistão e fizeram quase 40 mil quilómetros de bicicleta resultou no livro “Pedalar Devagar – Quatro anos de bicicleta pela Ásia”. Em 2020 estabeleceram-se em Zurique, na Suíça, e fizeram uma pausa nestas aventuras quando nasceram os dois filhos, Yacha e Sinai.
Volvidos 14 anos, as saudades de viajar pelo mundo sem pressa já se faziam sentir. O sonho de fazer outra grande viagem foi crescendo e decidiram partir de novo. Desta vez seriam quatro, cada um na sua bicicleta, e o destino foi a América.
A 15 de setembro de 2014, quando os filhos tinham 10 e 8 anos, apanharam um avião em Estremoz e aterraram no Rio de Janeiro. Seguiram-se 20 meses pelas Américas, onde exploraram juntos diferentes países, montanhas e culturas, até chegarem ao México. Sinai ainda era um miúdo nessa altura, mas lembra-se perfeitamente dos dias que passou no outro lado do mundo.
“Há certos pormenores que não me recordo, mas no geral lembro-me bastante bem. Foi uma experiência totalmente diferente e fora do normal, havia dias em que víamos apenas dois carros na estrada”, conta o jovem. Não pedalaram todos os dias, até porque costumavam ficar cerca de uma ou duas semanas em determinados locais. Por vezes, também apanhavam autocarros ou boleias de outras pessoas.
“Acampávamos muitas vezes, quando estávamos perdidos nos planaltos, no meio do nada. Outras vezes as famílias acolhiam-nos e lembro-me de brincarmos com os outros miúdos”, recorda Sinai. Numa altura em que as redes sociais tinham pouca relevância, davam-se a conhecer através de artigos de jornais que contavam a história da família. “Era a forma de nos darmos a conhecer às pessoas, para que não tivessem medo ou receio”, diz.
Com o passar do tempo, os mais novos, que estranharam os primeiros dias, já estavam preparados para tudo, incluindo pedalar a quase cinco mil metros de altitude, nos Andes. Apanharam tempestades terríveis na Bolívia e chegaram a construir um barco, no Equador, para descer o rio Napo e o Amazonas. Com este meio de transporte conseguiram chegar à Colômbia, onde voltaram a pedalar e percorreram países como Costa Rica, Nicarágua e Guatemala, até chegaram finalmente ao destino, 11 mil quilómetros depois. No México ainda arrendaram uma casa durante um mês antes de regressarem a Estremoz, onde ficaram a morar depois da viagem.
A viagem de bicicleta sozinho
Ao longo dos anos, Sinai continuou a ter uma ligação muito próxima com a bicicleta. Nunca mais se aventurou daquela forma, mas costuma fazer BTT. Nas férias de verão tem por hábito visitar a família na Suíça, onde fica a trabalhar durante três meses para juntar dinheiro, mas este ano decidiu fazê-lo de uma forma diferente.
“Sempre andei muito de bicicleta e o meu pai sugeriu ir até à Suíça a pedalar. Era a primeira vez que fazia algo do género sozinho”, confessa. A ideia surgiu por volta de julho e, um mês depois, já estava a partir de Estremoz com uma tenda, um fogareiro, duas panelas e um saco cama.
A aventura, que começou a 12 de agosto, foi “uma experiência totalmente diferente” de tudo o que viveu antes. “Há sempre uma primeira vez para tudo e há pontos negativos e positivos, claro. Faço tudo como quero, não preciso discutir com ninguém, não há ideias diferentes a considerar, mas também estou sozinho com frequência. Muitas vezes, não tenho ninguém com quem conversar, ninguém para me ajudar a cozinhar, para escolher o que vamos comer ou para guardar a bicicleta quando vou às compras”, conta.
A passagem por Espanha, confessa, “foi muito monótona” e mais desafiante. “Atravessei na diagonal até chegar a França, mas foi muito monótono, era uma estrada sempre plana onde não passavam muitos carros e não havia grandes coisas para ver. Durante a tarde parava um bocado para tentar arranjar uma sombra e fazer uma sesta”, conta.
As noites eram sempre passadas na tenda. “Em Espanha ninguém me oferecia nem um jardim para eu ficar a dormir. Em França já foi diferente e mais agradável”, confessa. Com a ajuda do site Warm Showers — que funciona como o couchsurfing, mas destinado a ciclistas — conseguiu arranjar sítio para dormir várias vezes. “Às vezes até me convidavam para jantar. Lembro-me de um agricultor que me ofereceu casa e fizemos um barbecue. De manhã fui com ele levar sementes de girassol ao lagar, foi muito giro”, destaca o jovem.
Apesar do esforço físico, Sinai, que sempre foi uma pessoa ativa, não teve grandes problemas a adaptar-se. As maiores dificuldades, confessa, eram mesmo estar sozinho e a dificuldade de encontrar um sítio para colocar a tenda. “Lembro-me de um dia em que eram 21h30, já tinha feito 150 quilómetros e estava cansado, mas não tinha nenhum sítio para dormir. Enfiei-me num caminho de mato e pus aí a tenda, mas nessa altura senti vontade de estar em casa, no conforto da minha cama”, revela.
Depois de 2.200 quilómetros a pedalar (cerca de 100 quilómetros por dia), chegou ao destino no dia 5 de setembro, onde se reuniu com a família. Durante os próximos meses vai trabalhar nas vindimas com o objetivo de juntar dinheiro para a próxima viagem.
Agora que terminou o secundário, Sinai vai aproveitar para fazer um gap year e viajar pelo sudeste asiático de mochila às costas. Esta nova aventura vai começar já em dezembro, na Índia — numa das viagens de grupo organizadas pelo pai — e depois segue sozinho para a Tailândia, Camboja e Vietname.
Carregue na galeria para ver algumas imagens das viagens de Sinai quando tinha 8 e 18 anos.