Quando em 1924, Sir Giles Gilbert Scott rabiscou uma pequena caixa, estava longe de imaginar que, quase um século depois, a sua mais pequena criação seria eleita pelos seus conterrâneos como o melhor design britânico da história. Mesmo quando o objetivo para o qual foi criado já se tenha extinguido há muito.
A cor garrida da estrutura de ferro das cabines telefónicas britânicas há muito que se tornaram num símbolo da capital Londres. Nessa corrida para o título, deixou para trás os famosos autocarros de dois andares, a bandeira do Reino Unido ou até o célebre avião da RAF, o Spitfire.
Em tempos um ícone do país, chegaram a estar instaladas mais de 70 mil destas cabines. Hoje, estima-se que sejam apenas cerca de 10 mil, na sua grande maioria inutilizadas, tornadas obsoletas pelo surgimento dos telemóveis.
“Um desenho clássico de refinada sofisticação e elegância intemporal”, descreveu-as o historiador Gavin Stamp, cujo amor pelas peças era tão grande que além de assinar uma obra sobre elas, impulsionou um movimento de preservação, depois de ter sido decretado o fim da produção das cabines, em 1968.
A partir da década de 80, a empresa de telecomunicações britânicas começou a recolher e a destruir as cabines. O simbolismo das peças fez com que as autoridades municipais e nacionais as caracterizassem como edifícios a preservar pela sua importância histórica e arquitetónica.
Um dos protótipos da primeira cabine ainda está nas ruas, à saída da Royal Academy, em Londres. Mais de três mil cabines gozam hoje desta proteção.
Pelo caminho, muitos foram derretidos para reaproveitar o ferro de que eram feitos. Os que resistiram, foram hoje convertidos para tarefas mais úteis. Em algumas das cabines nasceram pequenas livrarias, noutras cafés e até pequenas cervejarias. Algumas servem de cabine para guardar valiosos desfibrilhadores, prontos para serem usados e salvarem vidas.

Quem quiser pode até comprar a sua própria cabine telefónica vermelha original. Algumas estão à venda nos sites do costume, com preços entre os dois e os três mil euros.
Prestes a celebrar um centenário desde a sua criação, a cabine telefónica britânica poderia ter sido completamente diferente daquela que hoje conhecemos. E sem qualquer vestígio da cor que a tornou famosa.
Nome de código: K2
K1 foi o nome atribuído ao primeiro quiosque com um telefone público, que chegou ao Reino Unido em 1921. O look era radicalmente diferente daquele que hoje conhecemos. Porta vermelha com paredes brancas, mais quadrada e sem a distintiva cúpula no topo — aqui trocada por uma estrutura ornamental em ferro. Restam ainda sete exemplares destas antigas cabines.
Três anos mais tarde, os quiosques deveriam espalhar-se pelas ruas de Londres, mas o município hesitou: não gostavam do aspeto das cabines atuais. Os Correios Britânicos lançaram então um concurso para escolher um novo design.
Cada entidade achava que tinha a solução ideal. Seguiu-se uma confusão burocrática que terminou com um novo concurso, para o qual foram chamados mais três famosos arquitetos britânicos. Um deles era Sir Giles Gilbert Scott.

Aos 43 anos, tinha já várias grandes obras no currículo e era um dos gestores do Museu Sir John Soane, outro famoso arquiteto inglês. Foi precisamente na obra dele que se inspirou para desenhar a velha cabine vermelha que convenceu até o mais teimoso burocrata.
Soane, que assinou inúmeras obras entre os séculos XVIII e XIX, deixou um enorme legado que Scott conhecia bem. Quando Eliza Soane morreu em 1815, o arquiteto fez questão de desenhar o seu túmulo, que ainda hoje se ergue no cemitério na velha igreja de St Pancras.
A característica cúpula serviu de inspiração a Scott para a sua versão da cabine telefónica. Mandada construir em ferro fundido, essa foi apenas uma das várias alterações ao desenho original do arquiteto. A cor foi escolhida pelos Correios Britânicos, sendo que no plano, o exterior seria prateado e o interior um azul esverdeado. Nasceu assim a K2.
Cinco anos mais tarde, o telefone de Scott voltou a tocar, para criar uma versão mais barata e mais fácil de espalhar por todo o país. Haveria de deixar o seu toque na sexta edição da cabine, a K6 — depois de três versões que nunca chegaram a sair das fábricas.
Lançada em 1936 para comemorar o Jubileu do rei George V, substituiu muitos dos modelos antigos. Era uma cabine bastante mais pequena e mais leve do que as outras: perdeu trinta centímetros de altura e 500 quilos de peso. Mais barata de produzir, foi o modelo que garantiu a popularidade da cabine fora da capital.

Apesar de serem hoje, unanimemente, parte essencial da paisagem britânica e sobretudo de Londres, a cor vermelha garrida não caiu bem à época. Muitas foram forçadas a trocar de cor para não destoarem em locais de beleza mais particular.
Um arquiteto de grandes obras
Nascido em 1880 numa família de arquitetos, Scott fez a sua primeira grande obra em Liverpool com apenas 22 anos. Apesar de ter vivido até aos 79, nunca chegou a ver a sua conclusão.
A Catedral Anglicana da Igreja de Cristo, em Liverpool, começou a ser erguida em 1910, altura em que o arquiteto resolveu fazer uma ligeira mudança de planos. Deixou cair muitas das características góticas e optou por um look mais moderno. As duas grandes guerras atrasaram os trabalhos, que ficaram concluídos em 1978, 20 anos após a morte de Scott.
Já em Londres e depois de deixar no legado a cabine vermelha, virou-se para um gigante: a estação de Battersea que hoje é um símbolo da cidade — e que está em processo de renovação para se tornar no spot mais cool da capital.
O edifício de tijolo com as suas enormes chaminés optou por um ar mais art deco. E o seu simbolismo cresceu com a aparição na capa do álbum “Animal”, dos Pink Floyd, ou no cartaz do filme dos Beatles, “Help!”.
Duas décadas mais tarde, voltou a à carga nas estações elétricas, desta vez para criar o edifício Bankside, hoje a casa do Tate Modern. E novamente junto ao rio, Scott desenhou também a ponte Waterloo. Dois símbolos que partilham o lugar no rico portefólio de Sir Giles Gilbert Scott, um arquiteto de ícones.
