Viagens

Até 2021 nunca tinham conduzido uma mota. Agora percorrem o mundo sobre duas rodas

Ana e Luís tiraram a carta de condução e preparam-se durante oito meses para fazerem a viagem de uma vida.
O casal Ana e Luís.

Viajar e descobrir o mundo é, para muitos, um sonho de uma vida. Seja num interrail, numa roadtrip com uma autocaravana ou até em cima de um veículo de duas rodas. Ana Figueiredo e Luís Ferreira estão juntos há mais de uma década e trabalharam em Paris durante cinco anos. Em 2021, decidiram despedir-se dos empregos para darem uma volta ao mundo de mota — mesmo não tendo nenhuma experiência a conduzir estes veículos. 

Ana, de 32 anos, nasceu na Margem Sul, no Barreiro, e estudou Engenharia na Faculdade de Ciências e Tecnologia, em Almada. Foi lá que conheceu, em 2010, o marido Luís Ferreira, de 30 anos. Apesar de terem tirado a mesma licenciatura, nunca chegaram a exercer na área e quis o destino que se aventurassem por outros caminhos. Depois de terminar o curso, Luís decidiu voltar a estudar, desta vez Finanças, e foi convidado a trabalhar em Paris logo após ter concluído a segunda licenciatura.

Ficaram lá uns meses, regressaram a Portugal durante pouco mais de um ano, mas acabaram por voltar à capital francesa em 2017, onde estiveram a trabalhar durante cinco anos. Os empregos eram bons e bem remunerados, mas havia um problema: quase não tinham tempo livre. 

“Trabalhávamos imenso, muitas horas e sempre sob pressão. Nunca tínhamos tempo para nada, senti que a vida passava e não aproveitava. Não quero ter 70 anos e ver que não fiz aquilo que gostaria”, começa por contar à NiT Ana Figueiredo. Enquanto casal, sempre gostaram de passear e conhecer sítios diferentes, mas chegaram a ter muitas férias canceladas devido ao trabalho.

Com a pandemia, foram obrigados a trabalhar em casa pela primeira vez e até gostaram da experiência. Afinal, começaram a passar muito mais tempo juntos. “Foi interessante e acabou por nos juntar mais. Fez com que começássemos a pensar neste projeto, em fazer uma viagem espetacular pelo mundo”, recorda.

Queriam algo único e diferente, mas o quê? Começaram a pensar, até que Luís sugeriu uma ideia “completamente louca”: uma volta ao mundo de mota. “Disse-lhe que estava louco, nunca tínhamos tido uma mota na vida. Nem sequer tínhamos carta. Ao início recusei, mas passado uma semana disse-lhe que devíamos avançar com a ideia. Só queria viver uma aventura inesquecível”, diz. E assim foi.

Tiraram a carta, compraram uma Suzuki V Strom 650 DL e andaram a treinar durante cerca de oito meses. Quando se sentiram finalmente preparados e confiantes em cima do veículo de duas rodas, avisaram nas empresas que iam embora e foram arrumando a bagagem aos poucos. Em junho de 2021, saíram de Paris, ficaram uns tempos em Portugal com a família e, pouco depois, deram início à aventura.

“O projeto inicial era passar pela Europa praticamente toda e entrar na Ásia Central, até chegar à China ou Mongólia. Mesmo com os problemas da pandemia, decidimos arriscar porque queríamos mesmo fazer isto”, revela. Supostamente, as fronteiras do Irão iam abrir em junho desse ano, mas quando chegaram lá, em outubro, não puderam entrar — e os planos ficaram estragados. Mas, como referiu o casal, “há sempre solução para tudo”.

A viagem às Américas

Como era impossível entrar no Irão, começaram a analisar outras possibilidades. Viram que a Argentina ia voltar a abrir as fronteiras e não pensaram duas vezes: enviaram a mota num avião até Buenos Aires e continuaram a viagem, desta vez nas Américas, onde ficaram mais de um ano.

Conduziram do sul da Argentina (o país onde ficaram mais tempo) até à América do Norte e chegaram a apanhar alguns sustos. O primeiro aconteceu na Argentina, num dia em que estava a chover imenso e as estradas de terra estavam enlameadas. As rodas da mota acabaram por ficar presas nesta “lama muito estranha, que parecia barro” e não conseguiam sair dali, por mais que tentassem. “Fizemos muitos esforços os dois, até queimámos a embraiagem. Estávamos num sítio onde não se via um único carro num raio de200 quilómetros e não havia rede. Pensei que não íamos sair dali naquele dia”, recorda. 

Felizmente, apareceu um carro do nada que ajudou o casal, colocou uma corda no veículo e lá conseguiram sair dali. O problema? Ficaram duas semanas na mesma cidade à espera que arranjasse a embraiagem da mota. Outro episódio que nunca se esquecerão aconteceu no México, quando decidiram percorrer um atalho. “Tínhamos duas opções: ou fazíamos em dois dias, ou fazíamos em sete horas, mas tínhamos de passar por um caminho onde a estrada era de terra”, diz. Decidiram escolher a segunda opção, que não foi nada fácil — e até um pouco assustadora.

“Chegámos a um momento em que não se via ninguém. Entretanto vimos um carro parado, umas barracas e está um homem armado com granadas, parecia um episódio de Narcos, mas nem reparei na altura. Era o primeiro sinal de vida que estávamos a ver passado quatro horas de caminho e eu comecei a gritar toda contente e a acenar”. Só depois é que reparou que estava armado, mas correu tudo bem: ele cumprimentou o casal de volta.

Depois de meses a percorrer, lentamente e com calma, os países da América do Sul e Central, chegaram à América do Norte. “Quando chegámos aos EUA e ao Canadá já estava muito frio, porque quisemos aproveitar os outros países e ficar lá mais tempo. Percebemos que a viagem estava praticamente a acabar porque, com a neve, não dá para fazer praticamente nada com a mota”, afirma.

O casal começou a ver formas de mandarem o veículo para Portugal, mas no fundo, sabiam que ainda não queriam terminar a volta ao mundo. Afinal, se podiam enviar a mota para território lusitano, também a podiam enviar para a Índia — foi o que fizeram em novembro do ano passado.

O regresso à Ásia

“O Luís deu a ideia de enviar a mota para a Ásia para tentar cumprir com o projeto inicial. Não íamos ter outra oportunidade como esta na vida, então decidimos continuar a viagem”. Do Canadá seguiram para a Índia e deram início a esta terceira temporada, que será também a última. É o príncipio do caminho do regresso a casa, onde vão “voltar à vida normal”.

Passaram os últimos dois meses entre Índia e Bangladesh, mas a experiência não tem sido a melhor, pelo menos para Ana. “Foi a viagem mais cansativa da minha vida. A Índia é muito cansativa, há pó por todo o lado, vivia no pó, nunca tinha visto nada assim”, confessa. Por outro lado, foi também uma loucura autêntica: estavam sempre rodeados por multidões que faziam muitas perguntas e não paravam de olhar para a mota. Chegaram a ser entrevistados por uma televisão de um canal local. Eram praticamente famosos.

“Não conseguíamos respirar com tantas pessoas à nossa volta. Quando passamos a fronteira para chegar a Bangladesh, tínhamos pessoas à nossa espera e nem sabíamos quem eram. Alguém lhes disse que íamos para ali e começaram a enviar-nos mensagens e tudo”, recorda. Afinal, não são todos os dias que se vê uma mota daquele tamanho a andar pelas entradas do país.

Depois de passarem os últimos meses a viajar, confessam que um dos maiores desafios desta volta ao mundo de mota é a exposição aos elementos: “estamos expostos a tudo, ao vento, ao frio, ao calor, ao pó, à poluição, às condições da estrada. Hoje em dia controlamos melhor, mas as estradas com lama eram um terror no início”. 

Sem data prevista de chegada, o casal vai partilhando todas as aventuras no Instagram. “Não queremos viver disto nem ser influencers, só queremos mostrar o projeto em si, que é um orgulho para nós. Quando chegarmos vamos voltar ao trabalho, seja ele qual for, e organizar as nossas vidas de novo”, assegura Ana.

De seguida, carregue na galeria para ver alguns dos momentos desta aventura sobre duas rodas.

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