Diz que nunca pensou em ser uma referência, apenas seguiu o seu instinto, mas é realmente impressionante a quantidade de pessoas que a contactam para saber como, porquê, com que força e por que meios ela consegue fazer tantas viagens. Catarina Severiano, 22 anos, é atriz de formação e de profissão e, neste momento, uma cidadã do mundo. Ou seja, uma viajante a solo.
A aventura começou há menos de dois anos, porque, apesar de ser nova, já não aguentava mais esperar — pelo momento certo e sobretudo pela companhia ideal. Tinha a ilusão de visitar certos sítios e de viver aventuras com alguém ao seu lado. Mas o par não vinha e o tal imaginário já não podia ser adiado.
À NiT, a jovem nascida na aldeia de Fontanelas, Sintra, e formada em Artes do Espetáculo, explica como tudo começou: “É certo que sou irrequieta por natureza e extremamente curiosa, mas até aos aos meus 20 anos viajei três vezes sempre dentro da Europa e o bichinho de querer voar começou a crescer”.
A chamada para a aventura crescia mas faltava uma coisa. “Eu persistia em esperar por uma companhia, alguém que me acompanhasse e vivesse essa vontade comigo. Eu fui uma das mulheres que hoje me enviam mensagem a dizer: ‘Eu quero muito ir aí, mas não vou sozinha’. Até ao dia em que percebi que a melhor companhia para mim sou eu mesma”.
Tomada a decisão, começou o objetivo: juntar dinheiro para a sua primeira viagem de mochilão. “Um ano depois eu estava a viajar sozinha e para fora da Europa. Fiz um mês de mochilão no Brasil. Estudei muito bem os sítios onde queria passar e conversei com diferentes pessoas que já lá passaram para trocar dicas e truques reais”.
Catarina diz que se quis testar. “Eu sabia que me podia estar a pôr na toca do lobo, mas tinha mais piada assim. Durante um ano eu ouvi várias pessoas a desvalorizarem a minha vontade e a tentarem convencer-me a não fazer a viagem para o Brasil, mas ninguém me demoveu”. Aliás, quis ir mais longe ainda: a sua primeira estadia no Rio de Janeiro foi dentro de uma Favela, a do Vidigal.
Era uma favela já supostamente pacificada mas assim que lá chegou, já de noite, pensou: “Ainda agora chegaste e já foste”. Não foi. “Tinha apenas os primeiros quinze dias marcados para andar a saltar de sítio em sítio, os restantes era o ‘salve-se quem puder’ mas não foi preciso. Cinco dias depois da viagem estar a andar eu já tinha portas abertas. Voltei para a favela e lá fiquei até ao fim da viagem. Mergulhei no dia a dia dos locais, entre a praia e a casa cheia de artistas, fui muito feliz ali. Senti muito calor humano e não tive qualquer situação menos simpática. Acredito que a nossa energia e boa vibe pode comandar muito daquilo que nos acontece”.
Fazer amigos, de todo o mundo, é uma das coisas melhores das suas experiências. “A minha facilidade na comunicação foi uma ótima chave para conhecer tantas pessoas boas hoje. E desde aí que tenho a minha frase de eleição: ‘Viajo sozinha mas nunca estou sozinha’”.
Enquanto vivia a sua primeira aventura a solo, ia publicando no seu Instagram o que ia fazendo e onde estava porque achava que estava a viver algo que seria interessante para os outros. “Até que me apercebo de que inconscientemente estava a criar um diário nos meus stories, feed e também no Facebook com textos mais longos e descritivos. Comecei porque isso me fazia sentir menos sozinha e podia deitar cá para fora os meus pensamentos”.
Quando deu por si, estava a comunicar com centenas de pessoas novas, a dar as dicas a quem ia para lá mais tarde e a receber mensagens de outras pessoas que também já la tinham estado. “No Brasil, cheguei a ir ao encontro de portugueses, que conheci dias antes pelo Instagram e que tinham acabado de chegar. Passearam comigo e ainda hoje falo com eles”.
Quando voltou a Portugal, Catarina foi abordada algumas vezes por pessoas que não conhecia: eram seguidores diários da sua viagem, mas ela não fazia ideia. “Percebi aí que esse seria o meu propósito. Passar a minha mensagem real”.
Um ano depois, a jovem partiu de novo: está, neste momento, no sudeste asiático. “Aumentei a fasquia e vim fazer o mochilão de três meses sozinha. Mas desta vez fui mais consciente do que queria fazer. Não estudei tão ao pormenor a viagem porque acho que nos devemos deixar levar por aqui, embora eu não prescinda do meu bloco de notas cheios de mapas e anotações. Só que não controlar certas coisas, muitas vezes é o melhor caminho”.
Três meses antes da viagem para Ásia começou a falar nas suas redes sobre vários temas, que consoante as necessidades se podiam ir repetindo: “Xomo faço a planificação da viagem, por onde começo, como me organizo? Toda a gestão emocional nem sempre é fácil e requer muito trabalho interior”.
Ou mesmo questões mais práticas, para quem viaja com um budget apertado. “Como consigo hostels tão baratos? Que aplicações uso como suporte para a viagem? Que cartões de crédito uso durante as viagens? Seguros, destinos, vacinas, o que levo na mochila, enfim…”
Até ao dia em que a viagem propriamente dita começa. E aí, tal como lhe dizia um seguidor: “Sinto-me a viajar pela Ásia todos os dias que abro o teu Instagram”. Ou nas palavras de uma antiga colega de escola “Quando abro o Instagram ponho o teu nome nas procuras e fico a ver como está a ser o teu dia”.
“Todos os dias há reações ao meu dia-a-dia, pessoas que escrevem sobre a vontade delas de sair mas que não conseguem (dizem elas), perguntas normais, tipo: ‘como é consegues hostels tão baratos?’ Falo abertamente sobre as minhas opções e escolhas e sempre que faço asneira, digo ‘não façam isto’”.
O seu Instagram é uma espécie de conversa aberta: “Para mim, é a única forma de ninguém se sentir ‘menos’ do que ninguém: ali é onde os que se querem iniciar nas viagens podem questionar e inspirar; e os que já são mais rodados podem passar a mensagem. Felizmente, hoje em dia, aprendo imenso com muitas pessoas que fazem das viagem o seu dia-a-dia, estamos sempre conectados e prontos a passar o que sabemos”.
E adianta: “É importante referir que este diário permite-me conhecer também muitas pessoas pessoalmente durante a viagem, ainda agora aqui no Vietname uma amiga que viu por onde eu andava, contactou um amigo vietnamita e hoje ele também já é meu amigo! É uma corrente incrível”.
Ainda assim, Catarina assume que tem um objetivo muito específico. “Sem dúvida nenhuma que a minha intenção passa por inspirar outras mulheres a fazer o mesmo, porque se eu consigo elas também conseguem. Está tudo dentro de nós.”
Esta parte da conversa veio pela grande questão que se coloca hoje em dia à maior parte dos instatravelrs: “Como e que fizeste para estar aí?”. Catarina diz: “A resposta maior parte das vezes pode ser tão simples como — trabalhei.”
“Eu sempre segui páginas de viajantes. Ou melhor, uma grande parte deles, criadores de conteúdo já. Mas eles só publicam o lado bonito e fotogénico desta vida. E eu acredito que isso acaba por desencorajar quem está a começar por parecer uma realidade tão longínqua … E é, porque não é real”, frisa.
E acrescenta: “Acho incrível o trabalho deles (geral), mas como não acho que isso seja realmente motivacional, criei algo em que acredito. O processo real de uma jovem backpacker, com tudo o que tem de bom e de mau. Que hoje posso ser eu, amanhã pode ser uma outra menina que finalmente se encontrou”.
Quando insistem com a questão do dinheiro, ela responde diretamente. “Ainda hoje um tio mais afastado perguntou à minha mãe: ‘Como é que ela conseguiu dinheiro para lá estar tanto tempo?’. Resposta de quem viveu de perto o processo: ‘Trabalhou durante seis meses só com aquele objetivo. Durante três meses teve três trabalhos ao mesmo tempo, fazia diretas seguidas para não falhar em nada”.”
Com tanta motivação, a jovem sentiu que precisava de um trabalho que fosse gerido por si e que lhe desse mais dinheiro. Por isso, investiu e criou uma loja online com peças femininas, algo simples mas identificável.
“Como isso não me dava dinheiro quase de imediato, durante um ano fiz markets para conseguir juntar o máximo possível para a viagem. Hoje o objetivo é que a página de Instagram da Unreal [a sua marca] cresça, se torne rentável e eu consiga ter um negócio próprio em qualquer canto do mundo. Isso irá possibilitar-me voar e trabalhar ao mesmo tempo sempre que quiser”.
Diz que a página ainda está embrionária, mas já aceita encomendas e explica que há um twist: “As clientes podem enviar fotos de exemplos de peças que gostem, mas que não encontram — eu tento encontrar”.
Quanto aos conselhos para quem pensa em partir mas hesita, Catarina diz que são simples. “Não há caminhos certos, não há um manual a seguir. Acima de tudo eu acredito que temos de seguir os nossos feelings mesmo que ninguém acredite neles. Estuda, pesquisa, cria o teu processo com tempo, mergulha dentro de ti e conhece-te. Fala com pessoas reais que possam contar coisas que realmente te possam ajudar. Eu sei que é difícil fazer mas acredita, há um mundo bonito depois do medo”.
E conclui: “Eu tenho medo todos os dias. Eu aceito-o mas não deixo na maioria das vezes que ele aja por mim e isso já é uma vitória. Voar só faz de nós pessoas menos doentes interiormente, mais consistentes e interessantes. É um sem números de oportunidades”.