Viagens

Cláudia, Fábio e Zeca percorreram a Europa e mostraram que a vida não tem limites

Fizeram mais de 85 mil quilómetros, em 43 países, e demonstraram que "quando um animal faz parte da família, tudo é possível".
Já têm os olhos postos na América.

Cláudia Batista e Fábio Rodrigues têm a imaginação dividida em fronteiras. E foi nelas que viveram as maiores aventuras. Cansados de viver no pensamento, decidiram transpô-lo para a realidade. Pegaram no cão Zeca, compraram uma carrinha Fiat Doblo e fizeram-se à estrada. Só tinham um lema: “Ou vamos todos, ou não vai nenhum”.

Nunca tiveram a ambição de dar a volta ao mundo, mas sim de o vivenciar: “Não fazemos uma viagem para colecionar países. Nós queremos mesmo conhecê-los e sua cultura”. Foi isso que os fez largar os empregos, enquanto gerente numa loja de cosméticos em Lisboa, no caso de Cláudia, 35 anos, e na área de telecomunicações, no de Fábio, 33.

Isso e uma viagem a Itália que fizeram em 2018 e que soube a pouco. Quando viram um parque de campismo com várias autocaravanas remodeladas imaginaram-se a eles próprios e ao cão Zeca, com 11 anos, numa a percorrer a Europa. Acabaram por ser mais felizes numa carrinha Fiat Doblo de 2008, que “dava menos nas vistas”.

Ainda que a sua cabeça não tivesse limites, a realidade não é bem assim, especialmente quando há uma pandemia a fechar as portas a todos os sonhos. As fronteiras desenhadas na sua imaginação acabaram por reabrir no início de 2021, e o casal não esperou mais. Num fim-de-semana, remodelou a sua casa sobre rodas e fez-se à estrada. Hoje, dois anos depois, mais de 85 quilómetros percorridos e 43 países visitados, já podem riscar Europa do mapa.

Cláudio e Fábio regressam a Portugal com um País bastante diferente do que o que tinham deixado. Além de referirem o aumento do custo de vida, confessam que demoraram algum tempo a habituar-se à nova realidade. Mas não ao conforto de uma casa: “Isso foi fácil”, ri-se Fábio.

“O conforto de uma casa é inigualável. Estivemos dois anos a viver sob condições mínimas e a gerir recursos, como a água e a comida”, descreve o viajante à PiT. No entanto, não são “as noites mal dormidas” e os “temporais” que viveram na estrada que ficam nas memórias, mas sim a magia dos países por que aquela carrinha passou.

Viveram o frio da Noruega, mudaram os pneus na Roménia e não se importavam de se mudar para a Áustria. Mas, dos 43 países, foi a Turquia e a Albânia que conquistaram o seu coração: “Às vezes, os que menos têm são os que mais dão”, admite Cláudia. A hospitalidade com que foram recebidos em ambos os países e o sentimento de amizade que estabeleceram com os seus residentes fazem-nos querer regressar: “Nem pensávamos duas vezes. Adorámos a Turquia pelo seu conjunto. As pessoas sabem acolher e preocupam-se muito. Estavam sempre a perguntar se precisávamos de alguma coisa”.

Ficou a faltar Malta, Vaticano, Ucrânia, Rússia, as ilhas europeias, nomeadamente a Costa Amalfitana, e a Finlândia, onde lhes foi barrada a entrada junto à fronteira, por causa da falta de documentação de Zeca. Mas o casal nunca se atreveria a deixá-lo para trás, ou a aceitar a opção cruel que lhe propuseram.

“Viajar com um cão é desafiante, mas vale a pena”

“Ou voltam para trás, ou abatemos o cão”: foi com este ultimato que Cláudia e Fábio foram recebidos na fronteira da Finlândia. Quando entregaram a sua documentação e a de Zeca, ficou a faltar um “X” importante nas informações do cão. “Eles exigiam que todos os cães estivessem desparasitados antes de entrarem no país. Ainda tentámos que ele o fizesse lá, arriscando a que ficasse de quarentena, mas eles não autorizaram”, refere o casal.

Cláudia e Fábio fecharam os olhos à segunda opção proposta pelas autoridades finlandesas e engataram a marcha atrás na carrinha. Ainda que tivessem ficado com pena de não conhecer o país, havia mais para visitar e para criar boas memórias com Zeca.

O cão foi adotado há 11 anos, quando tinha apenas dois meses: “Vimos uma publicação da associação UPPA, com uma ninhada em Família de Acolhimento Temporário (FAT), e fomos lá ver os bebés”. Tal não fosse verdade, é um clichê que foi Zeca a escolhê-los: “Foi o único dos irmãos que acordou e veio ter connosco. Tivemos de o levar”.

Zeca sempre esteve acomodado ao conforto de uma casa, mas, ao final de três dias, já se tinha habituado à Fiat Doblo 2008: “Esta viagem também mostrou que, quando um animal faz parte da família, tudo é possível. Há quem diga que precisam de espaço, mas só precisam mesmo de atenção”, garante Fábio.

Algo que lhe foi dado no decorrer de toda a viagem. A não ser quando Fábio desviou os olhos dele, apenas por meros segundos, mas o suficiente para ele pregar um valente susto aos tutores. “Tivemos um azar na Roménia, em que eu fui mordida por um cão de rua. Estive cinco dias internada no hospital a ser operada à mão, e o Zeca sempre estranhou quando não estávamos os dois com ele”, conta Cláudia.

Foi num passeio por uma zona montanhosa que o cão desapareceu da vista de Fábio: “Há 11 anos que está connosco e foi a primeira vez que fugiu. Entrei logo em pânico e comecei à procura dele. Quando decidi voltar para a carrinha, lá estava ele”.

“Acho mesmo que ele foi à minha procura”, diz Cláudia. Os dois acabaram por se reunir quando a viajante teve alta, e puderam rumar para outras fronteiras. A mordida de cão foi um infortúnio, mas não um atraso para o casal: “Fomos sem nada planeado. Pensámos apenas que íamos andando. Ficávamos num sítio o tempo que achávamos melhor. Se quiséssemos, até uma semana ficávamos”.

Zeca também barrou a sua entrada na Islândia, que não permitia que os cães andassem de Ferry, e ir de avião não era uma opção, mas o casal planeia levá-los na sua na sua próxima paragem.

Com a Europa riscada do mapa, o casal tem os olhos postos no outro lado do Atlântico

As paisagens montanhosas cobertas de neve do Alasca e as estradas da famosa Rota 66 já começam a surgir nas cabeças de Cláudia e Fábio. Com a “Europa fechada”, o casal já imagina a sua viagem pela América: “Queremos enviar uma carrinha — maior que a Fiat Doblo — para os Estados Unidos e subir até ao Alasca. Somos pessoas de inverno, e o Zeca também”, revela.

Agora, o casal está focado em juntar dinheiro para poder viajar, que “é aquilo que os motiva”: “Não nos interessa ter uma grande casa ou um grande carro. Queremos é conhecer o mundo”. Desta forma, preparam-se para regressar aos antigos empregos, onde pretendem ficar durante dois a três anos.

“É difícil estabelecer já uma data, porque temos muitos pormenores a tratar. Temos muitos detalhes para planear e muita documentação, nomeadamente do Zeca”. Ainda com as burocracias que têm pela frente, Fábio e Cláudia já sonham com esta viagem. E mal podem esperar por levar o seu companheiro de quatro patas a conhecer o outro lado do oceano Atlântico.

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