Viagens

Conflitos em Moçambique destruíram o negócio de uma portuguesa. “Roubaram-me tudo”

Poucos meses após a inauguração, a bomba de gasolina de Sílvia Leite, em Maputo, foi vandalizada por uma centena de pessoas.
A bomba ficou destruída.

Moçambique sempre foi sinónimo de casa para Sílvia Leite. No entanto, essa sensação de segurança foi severamente abalada em outubro do ano passado, quando os distúrbios pós-eleitorais a fizeram ter medo de sair à rua. De um dia para o outro, perdeu tudo: a bomba de gasolina que detém foi vandalizada por uma multidão e os eventos que organizava foram proibidos.

A portuguesa, com 45 anos, vive em Maputo desde 2009 e admite que nunca se sentiu tão insegura como nos últimos tempos. O clima de instabilidade começou logo após Daniel Chapo ter sido eleito presidente, a 9 de outubro de 2024. Desde então, o país tem sido palco de várias manifestações e protestos convocados por Venâncio Mondlane, o candidato presidencial da oposição, que alega fraude eleitoral.

 “É uma situação muito complicada. Este conflito político condicionou-nos completamente, pois a oposição controlava a nossa vida; não podíamos trabalhar e éramos forçados a ficar em casa para nos protegermos”, relata Sílvia à NiT, que vive em Moçambique há 16 anos.

A crise económica em Portugal, que começou em 2008, foi uma das razões que a levou a regressar ao país onde havia vivido com os pais entre os 13 e os 18 anos. “Fiquei órfã, perdi a minha mãe e, pouco depois, o meu pai. Naquela altura, África chamou-me novamente e decidi voltar”, recorda.

Aos poucos, foi traçando o seu caminho em Moçambique. Trabalhou como gerente numa bomba de gasolina da Engen, fundou a sua própria empresa de eventos e assumiu o cargo de relações-públicas de um dos maiores clubes de Maputo, o South Beach. “O custo de vida aqui é bastante elevado e, para conseguirmos ter qualidade de vida, é necessário fazer várias coias ao mesmo tempo”, explica.

Após 14 anos como gerente de uma bomba de gasolina, Sílvia recebeu o prémio de carreira da empresa, que lhe atribuiu um posto de combustível em 2023. “Abriu em outubro, mas em março de 2024, um ciclone derrubou um poste de iluminação, causando um incêndio no local”, revela.

O início do negócio não foi fácil, mas Sílvia não desanimou. Após dois meses de portas fechadas, conseguiu reabrir, sem saber que, pouco depois, se tornaria um dos alvos dos protestos em Moçambique.

O incidente ocorreu no dia 24 de dezembro, por volta das 19h30. “Estava a preparar a mesa da consoada, com a minha filha ansiosa por abrir os presentes, quando uma funcionária me telefonou a dizer que mais de 100 pessoas tinham invadido a bomba. Vandalizaram tudo, não deixaram nada em pé, até as sanitas foram danificadas”, relata.

O estado da loja da bomba de gasolina.

Nessa altura, a bomba de gasolina era o seu único meio de subsistência, uma vez que os eventos eram praticamente inexistentes devido à tensão política. Vários conhecidos e amigos de Sílvia também enfrentaram situações semelhantes, com muitos negócios vandalizados e um impacto enorme na economia. “O desemprego disparou de 60 para 80 por cento, um número absurdo”, confessa.

Logo após a divulgação resultados eleitorais, Sílvia admite não ter imaginado que a situação seria tão trágica. Embora algo semelhante tivesse ocorrido no ano anterior, os resultados foram aceites e a normalidade voltou.

“Ninguém esperava uma situação deste tipo. Estamos a viver com mais restrições agora do que durante a pandemia de Covid-19. O país ficou completamente devastado, desde os semáforos até às vias de acesso”, reforça, descrevendo as circunstâncias como “muito estranhas”.

“As manifestações ocorriam entre as oito e as 16 horas. As estradas eram bloqueadas, havia muitos conflitos, mas, depois das quatro da tarde, tudo voltava ao normal, como se seguissem um horário de trabalho”, observa.

O medo e a insegurança têm sido sentimentos constantes nos últimos tempos, mas, ainda assim, Sílvia não tenciona regressar a Portugal. Afinal, é em Maputo que se sente em casa. “Toda a minha vida está aqui. Já pensei em voltar, mas não consigo abandonar tudo o que conquistei. Vou ser resiliente, como sempre fui”, afirma.

Após a destruição do seu negócio, Sílvia viu-se forçada a procurar ajuda consular, embora ainda não tenha recebido respostas significativas. Estava à espera da tomada de posse para dar início às obras de reconstrução. Embora não saiba quando tudo estará concluído, espera que demore cerca de três meses. “Não vamos começar do zero, mas sim de um ponto negativo. Precisamos de corrigir tudo o que foi danificado e reerguer o espaço”, diz.

Daniel Chapo tomou posse como o quinto Presidente da República de Moçambique a 15 de janeiro, numa cerimónia marcada por rigorosas medidas de segurança. No seu primeiro discurso como chefe de estado, apelou à união do país e enfatizou que “a estabilidade social e política é a prioridade das prioridades”.

Segundo um relatório da plataforma eleitoral Decide, pelo menos 303 pessoas morreram e 619 foram feridas a tiro durante as manifestações pós-eleitorais. A mesma organização não-governamental que monitora os processos eleitorais regista, ainda, pelo menos 4.228 detidos.

Depois da tomada de posse, Sílvia revela que a situação acalmou e o futuro será “promissor”. “Sou uma pessoa cheia de esperança. Acredito que tudo voltará à normalidade, pois este é um país com pessoas boas. O que me assustou foi ver estas pessoas, que sempre foram amáveis, a manifestar raiva e a destruir tudo.” 

O exterior.

ÚLTIMOS ARTIGOS DA NiT

AGENDA NiT