O trajeto entre a Cidade do Cabo, na África do Sul, e Cairo, no Egipto, já foi feito das mais variadas formas. Muitos já percorreram os 14 mil quilómetros que separam os dois destinos a pé, de mota, carro ou autocaravana, mas nunca de bicicleta elétrica. Aos 36 anos, Daniel Rodrigues será o primeiro a fazê-lo.
A África não é um continente desconhecido para o fotojornalista Daniel: foi lá que fez a primeira grande viagem da sua vida, em 2012, e onde tirou uma fotografia que lhe valeu um dos prémios do prestigiado concurso internacional World Press Photo. O fotógrafo português venceu na categoria Vida Quotidiana na edição de 2013 com uma imagem de jovens a jogar futebol num campo de terra na Guiné-Bissau. Mal sabia ele, na altura, que tinha captado a fotografia que iria mudar a sua vida.
Quando regressou a Portugal, após ter sido dispensado do grupo onde trabalhava, resolveu dedicar-se mais à construção do seu portfólio. Tornou-se colaborador do jornal norte-americano “The New York Times” e continuou a viajar pelo mundo, sem nunca esquecer o seu primeiro grande amor. “África sempre foi uma grande paixão minha. O meu filme favorito é o ‘Rei Leão’ e foi a partir daí que nasceu este amor”, começa por contar à NiT o fotojornalista, natural de Riba de Ave, Vila Nova de Famalicão.
A ideia de atravessar o continente africano, de uma ponta a outra, de bicicleta surgiu após assistir aos documentários de Ewan McGregor, “Long Way Round” e “Long Way Down”. As duas séries mostram os milhares de quilómetros que o ator escocês e o melhor amigo percorreram de mota entre Londres e Nova Iorque e, depois, da Escócia até à Cidade do Cabo. Recentemente, a dupla aventurou-se de moto elétrica da Patagónia até Los Angeles.
“Sempre quis atravessar África, mas foi aí que começou a crescer esta vontade de o fazer de bicicleta elétrica.” Quando, em 2018, voltou a passar 10 dias em África para acompanhar uma empresa que organiza tours de bicicletas em todo o mundo, percebeu que “a melhor maneira de conhecer o continente é a viajar em duas rodas”.

Por ser “um dos continentes que mais está a sofrer com as alterações climáticas”, a escolha de transporte recaiu numa bicicleta movida a eletricidade. “Além de realizar o sonho de conhecer África, o projeto é um incentivo à mobilidade elétrica. O objetivo é ter uma pegada ecológica mínima”, diz.
O fotojornalista começou então a desenhar o percurso, procurou parceiros que o apoiassem na odisseia e fabricantes europeus de bicicletas elétricas. Estabeleceu uma parceria com a marca portuguesa Beeg, uma das patrocinadoras da viagem, e escolheu a sua companhia de viagem: a E850 Trekking, uma bicicleta 100 por cento portuguesa lançada em junho.
“A base do projeto não é só conhecer África e tirar fotografias bonitas. Uma das coisas que quero fazer pelo caminho é documentar projetos que estejam ligados à sustentabilidade e outras histórias que surjam pelo caminho”, confessa. Daniel também quer mostrar que, se conseguir atravessar o continente de bicicleta elétrica, então “não há desculpas para as pessoas não começarem a ir para o trabalho desta forma nas grandes cidades”.
Embora sempre tenha gostado de andar nestes veículos de duas rodas, nunca o tinha feito num elétrico, nem com tanto peso “às costas” — e foi preciso ganhar prática antes de arrancar. “Nos últimos meses comecei a treinar entre 50 a 80 quilómetros por dia. Todo o projeto exigiu muita preparação física e não só. Além de treinar cerca de oito horas por dia, tinha de organizar toda a viagem e saber quais os pontos de carregamentos que iria encontrar pelo caminho”, recorda.
Com o trajeto praticamente todo pensado, estava pronto para pedalar mundo fora. A ideia seria arrancar no Egipto e seguir para a Cidade do Cabo, mas três semanas antes de partir foi obrigado a inverter a rota devido ao conflito no Sudão.
Em maio, Daniel vou do Porto para a Cidade do Cabo e, após três semanas de espera pela bicicleta, deu início à aventura no dia 11 de junho. Durante o percurso, que pode levar até sete meses (ou ainda mais), o fotojornalista vai percorrer um total de 14 mil quilómetros e atravessar 11 países: África do Sul, Namíbia, Botswana, Zâmbia, Malawi, Tanzânia, Quénia, Etiópia, Sudão e Egipto.
Sabia desde o primeiro dia que não iria seguir o plano inicial à risca — numa viagem desta dimensão seria impossível. E viajar com uma bicicleta elétrica num continente que não está propriamente preparado para isso, tornou todo o desafio ainda mais complicado. “Já passei por uma aldeia onde supostamente havia um ponto de carregamento e, afinal, não existia. Tive que arranjar uma solução, fui ter com os seguranças de um supermercado, o único que havia num raio de 100 quilómetros, e pedi para me deixaram carregar a bicicleta. Era o único sítio onde o podia fazer”, conta.
Ao contrário do que muitos pensam, andar de bicicleta elétrica “não é nada fácil”. “Há quem pense que anda sozinha, mas temos de pedalar na mesma. Em África há poucos pontos de carregamento e é preciso gerir muito bem a autonomia da bicicleta para não ficar sem bateria”, explica. Quando há descidas, por exemplo, o fotojornalista opta por desligar o motor, e quando sabe que ainda faltam uns quilómetros para chegar ao próximo ponto, baixa a autonomia.
“Já fiz 110 quilómetros por terra batida e sabia que o ponto de carregamento ficava muito mais adiante, portanto tive de baixar. Também já aconteceu ter mesmo de desligar o motor, e uma bicicleta elétrica é muito mais pesada que uma normal”, confessa. E quanto mais peso levar, ainda pior.
Daniel carrega, no total, cerca de 150 quilos por dia: a bicicleta, o próprio corpo e as mochilas. “Tive de trazer peças suplentes, como pneus, baterias extra, carregadores. Também estou a documentar a viagem, por isso, trouxe material fotográfico e de vídeo. Tenho duas câmaras, quatro discos, microfones e outros equipamentos, mais a roupa”, conta.
Quanto ao alojamento, a maioria das pernoitas vão ser feitas em tendas, mas abre exceções sempre que for necessário. Quando estava na África do Sul, por exemplo, “estava muito frio e chuva” e acabou por ficar hospedado numa guest house.
Por enquanto, os maiores desafios têm sido mesmo o mau tempo e a gestão da logística relacionada com a bicicleta. Ainda assim, confessa que está preparado para enfrentar todos os que poderão surgir: “Sei que há fronteiras que tanto posso demorar um dia ou uma semana. Quando chegar ao Sudão, não sei como vai estar a situação do País. Possivelmente vou encontrar muitos animais selvagens no Botswana também. É tudo muito incerto”, diz.
Agora, prepara-se para enfrentar um dos maiores desafios destes 14 mil quilómetros até ao Egipto: atravessar o deserto da Namíbia durante cerca de duas semanas. Pode acompanhar toda a viagem nas redes sociais do fotojornalista.
A seguir, carregue na galeria para ver as primeiras fotografias desta aventura.
