Viagens

Eles atravessaram o deserto à boleia para embarcar no comboio mais perigoso do mundo

Hélder, Rafael, Ruben e Rui decidiram ir de Marrocos até à Mauritânia para concretizar um sonho: viajar no famoso Iron Train.
Foram à boleia.

Já todos tinham o hábito de fazer “viagens de risco”, mas nunca o tinham feito juntos. Um simples jantar, em dezembro do ano passado, mudou tudo — e deu origem a uma aventura épica. Hélder Santos, Rafael Xarra, Ruben Orlando e Rui Ferreira, todos com os seus 20 e poucos anos, estavam à mesa, rodeados pelos amigos, quando começaram a falar do Iron Train, o famoso comboio de ferro da Mauritânia, o mais longo (e mais pesado) do mundo.

“Todos tínhamos ouvido falar deste comboio devido a alguns viajantes que por lá passaram e já há algum tempo que queríamos fazer essa viagem”, conta o grupo à NiT. Nesse dia, começaram logo a pesquisar voos para a Mauritânia, mas depararam-se com preços superiores a 600€ — um valor bastante elevado em comparação os 15€ que encontraram para Marrocos.

Não precisaram de pensar muito para escolher a segunda opção, mas só havia um problema: Marraquexe ficava a mais de 2.000 quilómetros da capital da Mauritânia, Nouakchott. Em conversa, decidiram então “elevar a aventura” e fazer esse trajeto à boleia, em seis dias.

“Estávamos cientes que teríamos de atravessar o deserto do Saara na vertical, mas vimos por alto no Google Maps que havia uma estrada, maioritariamente de alcatrão, que fazia esse percurso”, recordam.

Poucos dias depois do tal jantar de amigos, aterraram no aeroporto de Marraquexe a 3 de janeiro — e começou a aventura. “Até estávamos bastante confiantes no início, mas o primeiro dia tirou-nos a confiança toda. Só conseguimos uma boleia de quatro quilómetros, tivemos que dormir na rua, num saco-cama ao lado de uma bomba de gasolina. Não foi propriamente um bom começo”, confessam. Ainda assim, não desmotivaram. Afinal, já tinham noção que arranjar boleia para quatro pessoas não seria propriamente fácil.

O dia seguinte já foi mais animador: arranjaram boleias bem cedo e conseguiram chegar a Agadir, a 230 quilómetros de onde tinham começado. De boleia em boleia, muitas vezes sete pessoas num carro de cinco lugares, outras vezes em autocaravanas ou até na carroça de uma mota, conseguiram chegar “às portas do deserto”, onde começou “a verdadeira aventura”.

 
 
 
 
 
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Foi nessa altura que Rafael decidiu beber um café numa carrinha típico e, em conversa com o vendedor, contou-lhe tudo sobre a aventura do grupo. “Se não tiverem onde dormir hoje, podem ficar na minha casa”, sugeriu o homem.

“Aceitámos o convite e, quando chegamos a casa dele, começou por se desculpar por ter uma casa ‘humilde’, mas na sala tínhamos uma mesa com bolachas, sumos, batatas. Fomos mesmo muito bem recebidos e foi uma das pessoas que mais gostámos de conhecer na viagem”, contam.

No dia seguinte, já estavam prontos para voltar a apanhar boleias estrada fora, até que chegou o momento em que se perderam uns dos outros, sem forma de se contactarem, por não terem rede nem Wi-Fi. Tudo aconteceu quando Hélder e o Rafael decidiram ir comprar comida sozinhos numa bomba de gasolina, a cerca de dois quilómetros. Foi lá que encontraram um camionista que se ofereceu para lhes dar boleia até Dakhla. 

“Decidimos aproveitar a oportunidade e assim que entrámos pedimos Internet e enviamos mensagem ao Rúben e ao Rui a avisar, mas só a viram passadas três horas”, contam. Nessa altura, já estavam separados por 300 quilómetros, mas, a dupla que ficou para trás conseguiu apanhar boleia de um senegalês que ia para a Mauritânia nessa mesma noite.

A chegada à Mauritânia

Pelo caminho, apanharam os amigos em Daklha e seguiram, já todos juntos, viagem pelo meio do deserto, numa carrinha só com três lugares. Parecia estar tudo bem encaminhado, até que o veículo ficou sem gasolina no meio do deserto, às duas da manhã.

“Começámos a empurrar a carrinha para encontrar um local para a encostar ao longo de dois quilómetros, até que passa um carro que pára para nos ajudar. O dono do veículo foi com ele buscar combustível e tudo se resolveu”, recordam.

O senegalês deixou-os depois na fronteira para entrarem na Mauritânia, onde, já dentro do país, apanharam outra boleia peculiar. “Havia um buraco na estrada que fez disparar os airbags dos carros. Todos tivemos uma perceção diferente do que tinha acontecido, uns pensavam que tinha sido um ataque terrorista, outro que tinha entrado um ferro dentro do carro”, contam.

Mesmo com estes percalços, conseguiram chegar à capital, dando por encerrada a aventura à boleia. Agora, estava na hora da segunda: apanhar o comboio de ferro, algo que começou a ser completamente proibido e ilegal há relativamente pouco tempo devido aos perigos da viagem.

Assim que chegaram à aldeia de Choum, onde iriam apanhar o Iron Train, esconderam-se numa casa abandonada durante seis horas. “Estávamos com um local que também ia embarcar, visto que é a única forma de pessoas locais conseguirem ir à cidade buscar mantimentos”, explicaram.

Por volta da uma da manhã, ouviram o comboio chegar. A polícia estava com lanternas à procura de intrusos, mas, completamente às escuras, conseguiram embarcar. “Aconteceu tudo muito rápido, começámos a correr, escondemo-nos nos vagões de ferro, lanternas apontadas para nós enquanto estávamos camuflados pelo ferro. A polícia ainda deu duas pancadas no nosso vagão para perceber se estava alguém, mas conseguimos conter-nos”, contam.

Assim que o comboio começou a andar, perceberam que tinham conseguido o grande objetivo: estavam no “comboio mais perigoso do mundo”, com dois quilómetros de comprimento, carregado de ferro tóxico para os pulmões. Passaram as 16 horas seguintes, sem água nem comida, com frio durante a noite e calor durante o dia.

A ferrovia com 700 quilómetros de extensão foi construída em 1963 para facilitar o transporte do minério extraído das minas para o porto. Embora não seja adequado para receber passageiros, os turistas costumam ir até à Mauritânia para subir a bordo do comboio. Com cerca de 250 carruagens, transporta apenas minério de ferro e atravessa o deserto do Saara, entre as minas de Zouerat, no interior da Mauritânia, até à cidade portuária de Nouhabidou. 

A viagem dos quatro amigos vai dar origem a uma pequena série que será divulgada no canal de Youtube “On The Walk” ainda em fevereiro.

Carregue na galeria para ver algumas fotografias da aventura pelo deserto.

 

 

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