Gonçalo Runa e Lourenço Ramos estavam no Irão quando conseguiram apanhar boleia com um militar. Os dois portugueses, que estavam cada vez mais perto do destino final — a Índia —, habituaram-se a entrar em carros de desconhecidos para conseguir seguir em frente. Mas nunca imaginaram que aquela viagem, em particular, seria a mais complicada.
“Ele disse que nos levava até lá tranquilamente porque era onde vivia”, recorda à NiT Gonçalo, de 25 anos. “Mas no final exigiu-nos dinheiro e disse que tinha ido para lá de propósito, por nossa causa. Se não pagássemos 30€, ia chamar a polícia e tivemos de ceder. Não nos interessava chatearmo-nos com um militar e muito menos que a polícia fosse chamada.”
Os dois jovens amigos acabaram por pagar a boleia com o dinheiro que tinham angariado durante a viagem, a vender garrafas de água e a trabalhar num restaurante no Luxemburgo, ainda nos primeiros dias da aventura. O momento acabou por se tornar o mais tenso vivido pela dupla nos quatro meses que estiverem em viagem, mas não os impediu de continuar, com a mesma energia e vontade.
A grande viagem teve início a 1 de novembro de 2024, em frente ao Padrão dos Descobrimentos, em Belém, Lisboa. Com um cartaz de cartão improvisado onde se lia “De Lisboa até à Índia sem dinheiro. Ajudem-nos a começar esta viagem”, Gonçalo e Lourenço foram abordados por alguns turistas e portugueses que ofereceram uns trocos para ajudar.
A única regra que tinham era começar a viagem sem um único cêntimo e só gastar em transportes, alimentação e alojamento com o dinheiro que ganhassem ao longo do percurso. O objetivo era chegarem a Calecute, a cidade indiana onde Vasco da Gama atracou em 1498. Depois de uma manhã passada na região de Belém, ganharam cerca de 21€ e utilizaram parte do valor (cerca de 10€) para comprar almoço e garrafas de água.
Mais tarde, dirigiram-se para a Praça do Comércio, onde venderam as garrafas e continuaram a segurar a placa improvisada. Poucas horas depois, conseguiram reunir um total de 97€. Com este dinheiro, abandonaram o centro da cidade para iniciar a aventura de pedir boleias em direção a Espanha.
“O pessoal dava sempre o que queria em troca das garrafas, e assim começámos”, partilha Gonçalo. A paragem seguinte foi Salamanca, em Espanha, onde ganharam dinheiro a fazer desenhos em graffitis — apesar de não terem qualquer experiência na área. “Nenhum de nós é artista, nem trabalha com arte. Mas a ideia era dar o melhor de nós e tentar vendê-los”.
A verdade é que os dois jovens conseguiram vender os desenhos, seguindo depois para Madrid, onde gastaram tudo o que tinham na compra de uma câmara fotográfica Instax. Nesta altura, começaram a tirar fotografias instantâneas dos turistas em troca de dinheiro e mais uma vez, conseguiram repor aquilo que tinham gasto.
“A nossa ideia inicial era atravessar apenas a Europa, ir de Lisboa até à Rússia”, confessa. “Mas depois em conversa decidimos ir até à Índia, porque é mais desafiante, é mais longe e passamos por países que as pessoas não conhecem tão bem e que têm uma ideia diferente. Portanto, decidimos ir desmistificar o que há por ali.”

A parte mais desafiante foi “sobreviver à Europa”
Depois de Espanha, seguiram para França, Luxemburgo (onde trabalharam num restaurante português), Bélgica, Alemanha, Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria, Roménia, Bulgária, Turquia, Irão, Paquistão e, por fim, Índia. De todos os países, Gonçalo confessa que o mais desafiante foi a Alemanha.
“Foi o pior país, porque o pessoal era muito mais fechado e olhava-nos com indiferença”, partilha. “Mesmo para coisas simples como perguntar o caminho, eram muito ignorantes nesse aspecto. Também apanhámos muito frio.”
Na Eslováquia, por sua vez, passaram por uma experiência assustadora. Os dois amigos estavam num bar quando conheceram um casal local que se ofereceu para acolhê-los durante à noite. Quando saíram, disseram aos portugueses que a casa ficava a dez minutos de distância a pé. Mas acabaram por andar durante mais de uma hora.
“Quando surgia a oportunidade de alguma coisa, dificilmente dizíamos que não. Porque era interessante para nós, mas também para filmarmos”, partilha. “No caso deste rapaz e desta rapariga, eles estavam claramente tocados de álcool e provavelmente também tinham usado drogas. Mas convidaram-nos para casa deles, e aceitámos.”
Nessa noite, andaram por locais “muito duvidosos” e durante o tempo que passaram na rua até à residência do casal, tiveram de responder a várias perguntas pessoais. “No final ficou tudo bem, mas vivemos um período de tensão porque as perguntas que nos faziam também eram muito duvidosas e sexuais”, recorda, acrescentando que assim que chegaram à propriedade, decidiram ir embora.
Quando saíram da Europa em direção à Turquia, o cenário mudou por completo. A partir daí, sentiram-se mais acolhidos e ajudados pelos povos que encontravam.
Durante a noite, habituaram-se a dormir na rua, em zonas de serviço, hostels, em casas abandonadas ou de pessoas locais que ofereciam a estadia. Também chegavam a passar a madrugada acordados, à procura de um novo sítio. “A parte mais complicada foi sobreviver à Europa. Depois, as coisas foram mais fáceis, porque os povos eram mais tranquilos e hospitaleiros.”
Gonçalo e Lourenço tiveram também de ter especial atenção à parte psicológica, nomeadamente porque sabiam sempre onde iam começar o dia, mas nunca onde o iriam terminar. Para combater os pensamentos negativos, entravam em contacto com os amigos e familiares. “Às vezes também ficávamos no telemóvel a ver vídeos, de forma a tentarmos isolar-nos da realidade à volta e tentar escapar um bocadinho disso.”
Quando finalmente chegaram à Turquia, sentiram-se mais calmos, sobretudo por causa da quantidade de residentes locais que se ofereceram para ajudar. Mas foi no Irão, onde se sentiram ainda mais surpreendidos.
“As nossas expectativas eram muito baixas em relação ao Irão. Esperávamos um país muito tenso, com um ou outro conflito interno, mas a verdade é que quando lá chegámos fomos ainda melhor recebidos do que na Turquia, onde encontrámos as pessoas mais simpáticas de sempre, que nos queriam acolher e tratar bem”, recorda. “O Paquistão também foi um bom país, só que passámos menos tempo. Éramos sempre seguidos pelos locais quando chegávamos àqueles lugares mais remotos, que não estão habitados a turistas.”
Nesta altura, ainda tinham o dinheiro que ganharam a trabalhar num restaurante em Luxemburgo, e os bens tornavam-se mais baratos à medida que passavam do euro para moedas mais fracas. Passados 120 dias, quando chegaram a Calecute, na Índia, sentiram que o dever estava comprido. Os dois portugueses posaram em frente ao monumento que recordava o ano em que o navegador português Vasco da Gama atracou naquele mesmo local.
Depois de concluírem o desafio, Lourenço regressou mais cedo a Portugal e Gonçalo aproveitou para passar mais umas semanas na Índia e ainda visitar a Etiópia. O mais difícil para ambos foi voltar à realidade.
“É muito complicado porque depois de quatro meses sempre a fazer coisas diferentes a acontecer, de repente estávamos de volta a casa sem muito para fazer”, recorda. “Quando regressei, tinha de estar sempre fora de casa, a passear ou a fazer alguma coisa. O mesmo aconteceu com o Lourenço.”
Gonçalo partilhou toda a aventura no seu canal de Youtube, que se chama De Mochila Às Costas e que conta com mais de 90 mil seguidores. Agora, o jovem viajante ainda não sabe qual será o próximo destino e também não tem grandes planos. “Felizmente, tenho essa sorte de quando quero ir a algum lado, consigo ir. Os meus sonhos não são de longa duração, felizmente.”
Carregue na galeria para ver algumas fotografias da aventura.