Há duas semanas iniciei aqui uma espécie de guião-base para todas as almas que volta e meia contactam-me através das redes sociais no intuito de saber o que fazer quando em lua de mel nos Açores. Comecei pela Terceira, claro, de seu nome original Ilha de Nosso Senhor Jesus Cristo, e hoje navegamos até outros territórios de encanto. “Territórios de Encanto”, by the way, será o título do meu próximo livro se, no entretanto, der por mim inadvertidamente possuído pelo Raúl Minh’Alma. Adiante. Ladies & Gentleman, eis algumas dicas sobre a zona carinhosamente apelidada “Triângulo” — e
formada pelas extraordinárias ilhas do Pico, São Jorge e Faial.
Para ver no Pico:
Segunda maior ilha do arquipélago e a minha predileta, por razões algo místicas para serem explicadas em menos de 3 tomos, meia dúzia de ensaios e uma tese. Por um lado, aquela sublime montanha nunca cansa a vista e parece que se apresenta sempre de forma nova (e encantada), depois há uma energia qualquer naquele território que é irrepetível.
A ilha tem apenas 14 mil habitantes o que, para a sua grande dimensão, significa que se formos para o interior — as belíssimas estradas Longitudinal e Setentrional são obrigatórias — parece às vezes que somos os primeiros a chegar àqueles locais. Podemos suspender a nossa descrença e acreditar na ilusão da descoberta. Nesse vasto interior picoense as mudanças de ambiente são, numa palavra, fenomenais: há lagoas não publicitadas, há estepe e savana, há oásis de silêncio e a permanente magia do “Triângulo” (como Pico, Faial e São Jorge são as ilhas mais próximas umas das outras, as vistas para estas companheiras são quase omnipresentes e esbatem sobremaneira o tradicional isolamento ilhéu).
Não há vias rápidas no Pico — e ainda bem — pelo que vos recomendo uma abordagem suave, como se o relógio abrandasse, e partam ao encontro dos mais de 80 locais balneares (é a ilha com mais hipóteses de banhos e mergulhos); onde podem com facilidade estacionar e ir à água (se estiverem com muitas saudades de praia há uma na ilha, minúscula, mas deliciosa, docemente chamada Prainha). E depois é o feitiço constante de nomes místicos de localidades como Criação Velha, Terra do Pão ou Mistérios Negros. Também existe o, decerto menos místico, mas seguramente não menos persuasivo, Cabeço da Canzana (I kid you not).
Não sei onde vos hospedar porque literalmente tudo é ótimo — o Pico tem um único hotel “normal”, na Madalena, e de “resto” há uma abundância de turismos rurais e alojamentos locais com um sem fim de maravilhas em modo de extremo bom gosto e idílica fusão com a natureza tais como as Lava Homes, o Pocinho Bay, a Aldeia do Monte, a da Ginjeira, as Pico Island Villas.
Para experimentar:
Gruta das Torres, um túnel lávico impressionante onde podem caminhar largos quilómetros debaixo de terra. Obviamente a Montanha (nunca subi porque o tabaco diz-me sempre que não, mas hei-de fazê-lo. Dizem que o melhor é tirar 24 horas para isto: entre subir, usufruir, descer e recuperar). Juram-me ainda que ver o dia nascer no piquinho do Pico é uma daquelas sensações inolvidáveis que levaremos desta vida.
Observação de baleias, sobretudo a partir das Lajes do Pico. Nadar com tubarões (sim, é possível, não sei se recomendo, mas pronto, é possível). Alugar uma Moto 4 e ir à descoberta do interior da ilha. Visitar as míticas adegas do Pico, onde muitas se transformam em verdadeiros bares ou tasquinhas (e isto logo numa ilha de muito-mas-muito bom vinho);
Para comer:
Ancoradouro, com uma vista portentosa para o Faial, aparentemente mesmo ali à mão de semear. Magma, restaurante das Lava Homes, o melhor sítio onde alguma vez fiquei hospedado (a sério, fuck Bali). Caffé Cinq e Petiska, ambos na Madalena. Cella Bar, portentoso de arquitetura e localização, im-per-dí-vel (já considerado o bar mais bonito do mundo e com um bife de atum de comer, chorar por mais e até pedir em casamento).
Para ver em São Jorge:
As estradas em São Jorge não são muito boas, mas até se compreende: a ilha tem uma forma peculiar, cerca de 60 quilómetros de comprimento e uma largura média de 5 ou 6. E é uma belezura. Da ponta dos Rosais ao Topo (onde podem vislumbrar o homónimo e curiosíssimo ilhéu plano) merece ser atravessada e sobretudo descoberta nas suas mais de 70 fajãs, a grande característica jorgense e um triunfo da Senhora Dona Mãe Natureza.
As fajãs são abatimentos de terra, pequenas planícies junto ao mar formadas no fundo de encostas íngremes por milhões de anos de terramotos ou pela simples erosão. Algumas são de difícil acesso – trilhos a pé ou Moto4 – mas nem todas, e sítios como os Cubres, Nunes, a poça Simão Dias ou sobretudo a Caldeira (ou Fajã de Santo Cristo) são absolutamente obrigatórias. Palavra de honra.
Nesta última há meia dúzia de casas, uma lagoa, uma cascata, o Café Borges (sim, pois, que é que querem que vos diga?) onde poderão ser maltratados pelo dono homónimo, mas compensar isso com a certeza de que estão num dos locais mais tranquilos e bonitos do mundo. Confiem.
Também o bucólico Pico da Esperança — ponto mais elevado da ilha — é digno de conhecer, além do manancial de vistas para Faial e Pico, as ilhas irmãs neste território mágico do “triângulo”.
Velas, a localidade mais relevante desta ilha de apenas 9000 habitantes, está a ultrapassar ainda os tempos recentes de angústia devido às notícias de atividade vulcânica – que chegaram a ser alarmantes – mas é imperdível o MANÉZINHO, onde a comida é boa e há música ao vivo e atividade cultural regular. Ah, aqui o mérito vai novamente para a iniciativa do fulgurante Pieter, o neerlandês mais açoriano da História.
Para experimentar:
Atelier Kaas Fabrik, na localidade de Manadas, é uma antiga queijaria cedida a Pieter Adriaans, um homem notável. Holandês, pintor, músico, cientista e empresário, que vive com a sua mulher em São Jorge e é um magnífico anfitrião e agitador cultural. O Atelier funciona também como galeria e ocasionalmente serve copos e petiscos.
Para ver no Faial:
Ilha extraordinariamente próxima do Pico e com ferry regular (onde podem inclusive levar carro), o Faial perde em comparação com o seu irmão gigante, mas não deixa de ter encantos próprios imensos. A cidade da Horta, embora pequena, tem o seu cosmopolitismo romântico (no século XIX foi a mais relevante cidade açoriana, devido à forte presença estrangeira) e tem uma marginal digníssima, charmosa e alguns cafés históricos. O mais óbvio, claro, é o célebre Peter’s — de deslumbrante vista para o Pico e um gin tónico delicioso e — como diria Papa Xico — sem mariquices (copo alto, limão, e gotas de gin nos cubos de gelo, parece-me).
Nas duas extremidades da Horta há belas praias, a do Almoxarife, mas sobretudo Porto Pim (não percam a chance de gozar um dia de sol aqui). Também a zona de lazer do Porto de Pedro Miguel — sim, há uma localidade chamada Pedro Miguel — é um must.
Depois, a 25 quilómetros, o Vulcão dos Capelinhos onde é perfeitamente percetível a zona onde a natureza acrescentou à ilha já existente 2,5 quilómetros quadrados de terra nova; a localidade de Flamengos — no interior de um vale que poderia perfeitamente estar na Suíça; e o vulcão que deu origem à ilha (de muito fácil acesso), a Caldeira. Não só a viagem de carro até lá vale muito a pena como, chegados, terão uma vista simultaneamente assombrosa e zen. E, se forem dados a isso das caminhadas, vida saudável coiso e tal, têm ali trilhos para horas.
Para experimentar:
É a terra dos velejadores e aventureiros pelo que existem ‘N’ atividades náuticas, além do whale-watching (se por acaso não o conseguirem fazer/marcar no Pico).
Para comer:
Canto da Doca, Príncipe, Volga, Peter’s, e Genuíno (carote, mas fundamental) – restaurante do senhor Genuíno Madruga, autor de duas circum-navegações em solitário. Ah, pois é. Super em conta são o Azul Pastel, perto de Porto Pim e, no Mercado Municipal, os espantosos hambúrgueres do Ah Boca Santa.
Uma errata
Há 15 dias, na primeira parte deste roteiro, atribuí à freguesia de São Bartolomeu a localização do altamente recomendável Ti Choa, restaurante terceirense de comer e vender um rim por mais. De facto, e como me alertaram meia dúzia de almas atentas para o e-mail deste espaço e outras tantas nas redes sociais, o Ti Choa pertence à Serreta. Fica reposta a verdade, com direito a link, e pedidos de clemência… Pelo sim, pelo não, evitarei touradas à corda nestas duas localidades, não vá acabar por servir de cobaia para um mastodonte de uma tonelada no auge do cio.
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