Viagens

A épica viagem de comboio até à Rússia que deu origem a uma história de amor

Marie-Claire e Elaine viram-se pela primeira vez no verão de 1991. Volvidos 30 anos, casaram-se e tiveram um filho.
Foi o início de tudo.

Era para ser apenas uma de muitas viagens pelo mundo, mas tornou-se em algo muito maior. Depois de alguns a trabalhar no Japão, a francesa Marie-Claire Martineau, então com 29 anos, aventurou-se numa viagem de comboio, no final do verão de 1991, que mudaria a sua vida para sempre.

A primeira vez que se cruzou com a norte-americana Elaine Comerford foi num autocarro em Pequim, na China, que transportava os viajantes para a estação de comboios para embarcarem no caminho de ferro transiberiano. Com 8.000 quilómetros de extensão, é a maior linha ferroviária do mundo e permite chegar a algumas das regiões mais isoladas do planeta, atravessando o coração da Sibéria e as planícies da Mongólia, antes de chegar a Moscovo, na Rússia.

Não se conheciam, mas tinham planos idênticos. “Parar na Mongólia durante uma semana e depois apanhar o comboio transiberiano até à Rússia”, recordou Marie-Claire em declarações à “CNN”. Elaine, tal como a francesa, tinha trabalhado uns tempos no Japão, a ensinar inglês, até ter decidido viajar com amigas pelo mundo.

Era com elas com quem conversava quando avistou Marie-Claire pela primeira vez. “Esta é uma pessoa com quem talvez eu queira falar”, pensou na altura. A apresentação formal aconteceu pouco depois, quando os viajantes saíram do autocarro para entrar no comboio.

“Não me lembro exatamente quais foram as primeiras conversas. Provavelmente foram comentários para nos conhecermos melhor”, recorda a dupla. Durante a viagem de comboio, o grupo ficou a “conhecer-se, a conviver e a jogar às cartas”.

Já na Mongólia, o grupo dividiu-se em dois — e Elaine e Marie-Claire ficaram juntas. Durante a semana seguinte exploraram juntas o país da Ásia Oriental e tornaram-se cada vez mais próximas. “Começámos a namoriscar”, conta a francesa. O primeiro beijo entre as duas aconteceu no comboio, já na viagem com destino a Moscovo, quando estavam a atravessar a Sibéria.

A primeira viagem.

Apesar de estarem num comboio com muita gente, arranjavam forma de estar juntas sempre que podiam, durante os seis dias de viagem. Quando o meio de transporte chegou a Moscovo, Elaine, Marie-Claire e as suas amigas ficaram alojadas num “apartamento minúsculo” com oito colchões no chão.

“Deitámo-nos uma ao lado da outra. Mas num quarto cheio de colchões não se pode fazer muito”, recorda a francesa. Na altura já sabiam que “um romance estava a nascer”, apesar de não terem contado a mais ninguém o início desta história de amor. Era tudo feito às escondidas, até porque Maria-Claire estava a viajar com a ex-namorada, com quem mantinha uma “relação platónica”.

Em 1991, vivia-se uma época onde “as relações entre pessoas do mesmo sexo não eram tão bem aceites”. Após a viagem, cada um seguiu o seu caminho, mas não por muito tempo. Depois de ter regressado a França, Marie-Claire reencontrou-se com Elaine em Budapeste, na Hungria, enquanto esta estava a viajar com a amiga Diane.

Pouco depois, já quando a amiga voltou para casa, ficaram sozinhas pela primeira vez. “Foi emocionante podermos finalmente ter algum tempo só para nós. Mas também estávamos nervosas”, recordam. Viviam o presente e tentavam não pensar nos planos a longo prazo. Sabiam que, mais cedo ou mais tarde, teriam que se despedir — e assim foi. Elaine regressou aos EUA e Marie-Claire a França.

O reencontro

O contacto entre as duas, contudo, manteve-se através de cartas e telefonemas, até que a francesa decidiu, de forma espontânea, viajar para Nova Iorque para se encontrar com a norte-americana.

Com a morada de Elaine escrita num pedaço de papel, guardada no bolso, foi até à sua residência em Queens, onde voltaram a encontrar-se. Era para ser algo apenas temporário, mas Marie-Claire decidiu ficar por lá.

Juntas, abriram uma empresa de aluguer de férias, um negócio imobiliário que cresceu nos anos seguintes e deu lugar à Maison Internationale. “Mesmo que estivéssemos juntas no escritório, ao fim do dia tínhamos sempre algo para falar porque ela fazia coisas diferentes das minhas, disse Marie-Claire.

Durante o tempo que viveram juntas nunca pensaram propriamente em casamento ou ter filhos, até porque na época era algo que “estava fora de questão”. Com o passar dos anos, contudo, a adoção de um bebé por um casal do mesmo sexo tornou-se uma possibilidade.

A vida do casal mudou no verão de 2006, quando estavam de férias em Massachusetts a celebrar os 15 anos de namoro. “No dia do nosso aniversário recebemos o telefonema dizer que tinha nascido um menino e que a mãe nos tinha escolhido. Fomos de carro na manhã seguinte para o conhecer”, recordou a francesa, que passou, naquele ano, a ser também mãe do Marcello.

O filho, tal como as mães, era um viajante e todos os anos visitava um destino diferente: foram juntos para a Tailândia, Vietname, Colômbia, Equador e outros países da Europa. A viagem mais importante, contudo, aconteceu na ilha de Anna Maria, na Florida, em 2015, quando o casamento homossexual se tornou legal em todos os estados dos EUA.

Numa “gloriosa praia de areia”, com a presença de 70 convidados, Marie-Claire e Elaine casaram-se. Durante a cerimónia houve várias referências à história de amor entre as duas, incluindo uma pequena carruagem de comboio no centro da mesa.

“A nossa história evoluiu ao longo dos anos, desde que nos conhecemos até onde estamos agora. Mas é importante recordas todas as diferentes partes da nossa vida e os momentos passados juntos que nos fazem ser quem somos hoje, como pessoas e como pessoal”, sublinham.

A família.

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