Nascido e criado em Setúbal, João Rodrigues, mais conhecido como Costinha, é um adepto fervoroso do Vitória Futebol Clube. Os pais bem tentaram que torcesse por outro plantel que também veste verde, — o Sporting —, mas assim que pisou os relvados do clube da sua cidade, aos 10 anos, e começou a jogar com o emblema ao peito, já não havia volta a dar: seria sempre do Vitória. Mesmo que não jogasse lá.
Assim como tantos outros miúdos, Costinha, agora com 36 anos, tinha o sonho de ser jogador de futebol profissional e afirmar-se como figura do seu clube de coração. E estava tudo a correr bem: jogou nas camadas jovens; estreou-se pela seleção Nacional num jogo de sub-15 em 2001, ao lado de Cristiano Ronaldo; fez 13 internacionalizações pelas seleções jovens até aos sub-20; e fez parte do plantel do Vitória no jogo em que venceram a última Taça de Portugal.
Apesar de só ter feito dois jogos pela equipa principal do clube sadino, todos o viam como uma jovem promessa. Acreditavam que ia vingar, mais cedo ou mais tarde — mas o destino tinha outros planos. Precisamente na época em que tinha de se afirmar, teve uma lesão grave e foi operado ao joelho esquerdo. Ficou seis meses de fora e, na época seguinte, depois de 11 anos com o emblema ao peito, já não tinha espaço no clube de coração.
“Por uma outra razão, acabei por cair noutras divisões inferiores quando o contrato com o Vitória terminou e fiquei a jogar em divisões amadoras durante três anos. Ao passar por estes clube percebi que, das duas uma, ou era para ser um jogador de sucesso, ou preferia deixar de jogar”, começa por contar à NiT. E assim foi. Depois de passar pelo UD Rio Maior, pela Juventude de Évora, pelo Operário Lagoa (nos Açores) e até mesmo por uma equipa espanhola da terceira divisão, a jovem promessa do Vitória de Setúbal decidiu terminar a carreira futebolística aos 24 anos.
“Não tive a ascensão que pensava que ia ter. Se me dissessem, quando era mais novo, que aos 30 já não estaria a jogar, eu diria que estava fora de questão. Pensava que ia fazer uma carreira considerável na primeira divisão, tendo em conta o meu início promissor”, revela. A decisão surgiu durante as férias, quando era jogador do clube espanhol Torrevieja.
“Comecei a aperceber-me que o tipo de propostas e clubes que eu poderia ter não iam ao encontro das expectativas que tinha inicialmente. Foi aí que decidi parar”, diz. Ao contrário de muitos outros jogadores que continuam a lutar para chegar à primeira divisão, Costinha não teve medo de guardar as chuteiras. Afinal, sabe que “não há espaço para todos no futebol”.
“Quando saí do Vitória custou-me um pouco, mas acho que tive uma decisão sóbria e racional. Aceitei bem o desligar do futebol, temos que estar preparados para a possibilidade de não triunfar”, confessa. Não pensa no que poderia ter acontecido se tivesse tomado outras decisões na altura e admite que “gosta de ver as coisas pelo lado positivo”.
Quando decidiu terminar a carreira, tinha duas opções: regressar a Portugal para terminar o curso em Gestão e Distribuição da Logística, no Instituto Politécnico de Setúbal; ou fazer uma nova vida nos Países Baixos, onde tinha família. Com o País a ultrapassar os efeitos da crise, escolheu a segunda opção.
Viveu durante dois anos nos Países Baixos, onde trabalhou como assistente financeiro. Nessa altura, ganhou o gosto pelas viagens e começou a colocar a hipótese da aviação, mas já tinha ultrapassado a idade limite (26 anos) definida pela TAP para ser hospedeiro de bordo.
“Só considerei a TAP porque, apesar de ser um apaixonado pelo mundo, queria voltar a ter uma base em Portugal, até mesmo por questões familiares”, diz. Entretanto, como já tinha ultrapassado o tal limite de idade, acabou por esquecer o desejo da aviação, mas regressou.
Durante cerca de quatro anos, trabalhou na companhia de seguros MAPFRE até que, “enquanto estava descansadinho da vida”, viu que a TAP tinha alterado o limite de idade. Aos 31 anos, candidatou-se para trabalhar na companhia aérea, fez um curso inicial de sete semanas e tornou-se tripulante de cabine.
É um trabalho “desafiante, mas recompensador”. “Sempre gostei de trabalhar com pessoas, sou muito comunicativo. O que mais gosto é mesmo este contacto com as pessoas e conhecer diferentes culturas”, diz o ex-jogador de futebol. Sempre que tem oportunidade, aproveita para conhecer outros países, mas confessa que o jet lag é um dos maiores desafios desta profissão.
Como qualquer trabalho que implica lidar com pessoas, também já viveu momentos caricatos enquanto estava a voar: “já tive passageiros que se levantaram a meio da viagem, quando ainda estávamos lá em cima, pegaram na mala e disseram que queriam sair porque já tínhamos chegado”.
Apesar do sonho de vingar no mundo do futebol, não se deixou abater por ter seguido um rumo diferente do que esperava. “Sinto-me bastante realizado e hoje em dia vivo perfeitamente feliz com a decisão que tomei. É algo que pretendo fazer o resto da minha vida profissional”, confessa Costinha. Como se costuma dizer, “fecha-se uma porta e abre-se uma janela”.