No debate pelo qual muitos portugueses esperavam desta quinta-feira, 13 de janeiro, foram vários os assuntos em discussão entre Rui Rio, do PSD, e António Costa, do PS: os dois maiores candidatos às eleições legislativas do próximo dia 30. O estado do serviço nacional de saúde, a economia, os impostos, o salário mínimo, a justiça, foram temas mais ou menos acesos, mas talvez o mais inflamado e surpreendente — e dos que mais debate tem levantado neste rescaldo — foi a situação da TAP e o exemplo dado por Rui Rio face aos preços dos voos.
Na noite de quinta-feira, Rio defendeu que a TAP não devia ter sido nacionalizada (Costa viria a responder que o governo não a nacionalizou mas comprou-a), e disse acreditar que os valores gastos pelo atual executivo com a companhia aérea não são, a seu ver, “aceitáveis”.
O líder do PSD voltou ainda a defender a venda/privatização da companhia e invocou alguns seus comportamentos “indecentes”. Disse mesmo ser “uma companhia de bandeira mas de bandeira de outro país qualquer”.
O exemplo que Rio levou para o debate e que continua a ser tópico de conversa é de um voo entre Madrid e São Francisco, operado pela TAP, com escala em Lisboa.
Segundo o candidato social-democrata, quem apanhar o voo de Madrid consegue uma viagem até à cidade norte-americana por 190€. Mas quem apanhar o mesmo voo de Lisboa, a escala da viagem e onde a maioria dos portugueses entraria, deverá ter de desembolsar mais de 697€.
De acordo com a “CNN Portugal“, Rio recorreu ao site Sky Scanner para comparar os custos entre uma viagem de ida e volta da TAP para São Francisco entre os dias 24 e 31 de janeiro de 2022. “A primeira viagem saía de Lisboa às 9:55 horas e chegava à cidade da Califórnia às 14:55 horas do dia 24. No regresso, um voo direto com saída de São Francisco às 16:40 do dia 31 de janeiro e chegada ao aeroporto Humberto Delgado na manhã seguinte. Por estes dois voos, um português paga, de facto, 697 euros. Mais 507 euros do que um espanhol que apanhe os mesmos voos em Madrid, com escala em Lisboa”, diz o canal.
A NiT foi pesquisar também mais exemplos dos mesmos locais no site da TAP: voos de Madrid para São Francisco, com escala em Lisboa, e depois para o mesmo destino, a partir de Lisboa.
Em termos de voos só de ida, seja em janeiro, fevereiro ou outubro, um voo Madrid-São Francisco só de ida custa atualmente cerca de 336,39€, pelo menos nas datas vistas, sendo possível que haja outros valores.
Se a pesquisa for feita com ida e volta, os preços baixam então bastante: com a data de 17 março, por exemplo, de ida; e 21 de março, regresso, é possível encontrar hoje um voo da TAP, de Madrid a São Francisco com escala em Lisboa, que na ida custa cerca de 170€ e no regresso a 21 cerca de 175€: menos de 350€ no total, ida e volta.
Para as mesmas datas, o mesmo voo de Lisboa custa cerca de 331€ ida e cerca de 300€ volta, ou seja mais de 630€ ida e volta. Todos os preços são apresentados assumindo um desconto de uma promoção atual e pré assumido pela plataforma da TAP que o passageiro apresenta 200 milhas e não tem qualquer acréscimo de bagagem ou escolha de lugar — mas isto para todos, sendo por isso um ponto de referência.
Tanto os voos individuais (a ida ou a volta) como o valor acumulado (ida e volta) são mais baratos no caso de quem parte de Madrid face a quem parte de Lisboa.
Fomos então testar mais datas: voos ida a 24 de novembro de 2022 e regresso a 1 de dezembro, por exemplo. Novamente, a ida e volta de Madrid custa cerca de 236€, os dois voos, assumindo as tais 200 milhas e na versão com o maior desconto possível. Lisboa, mesmas datas, 685€: um acréscimo superior a 400€. O mesmo acontece com outros destinos, em circunstâncias semelhantes.
A reação e a explicação
A NiT contactou a TAP, que explicou o que se passa. Segundo fonte oficial da companhia, os preços são determinados pela lei da oferta e da procura.
“A tendência para qualquer consumidor é de preferir voos diretos, sem escalas. Há uma forte concorrência na oferta de voos de Madrid ou Barcelona para qualquer aeroporto dos EUA, para seguir os exemplos dados”, é explicado.
Assim, para a TAP atrair passageiros que desejam voar entre Madrid ou Barcelona e um destino nos EUA — novamente o caso analisado, mas segundo a companhia válido para quase todos as situações — “deve ter um preço que seja competitivo com a oferta de companhias aéreas que operam voos diretos na mesma rota, ou com uma escala em qualquer outro hub.”
A empresa diz ainda: “é uma questão de análise de mercado e gestão de receitas, e é uma política de preços comum para a maioria das companhias aéreas, algo que qualquer pessoa pode facilmente verificar com algumas simulações.
Os voos diretos entre dois destinos têm sempre uma procura mais elevada do que os voos com escalas. A lei da oferta e da procura funciona, pelo que são normalmente mais caros do que os voos com escalas, um produto mais demorado, menos confortável e pior, desse ponto de vista”, conclui a TAP.
A verdade é que este fenómeno não é novo, nem deverá ser exclusivo da TAP. Em 2019, a britânica “BBC” explorava num artigo de fundo o fenómeno do skiplagging, que a NiT também noticiou. Não corresponde ao exemplo atual mas, para contexto, trata-se de uma prática, para muitas companhias considerada ilegal (e unanimemente desaconselhada): alguns passageiros reservam voos com escala, para depois saírem na escala e não no ponto final definido no percurso. Neste caso, pelos motivos opostos: devido a circunstâncias de mercado e dependendo do destino, por vezes, um voo maior, com escala, pode sair mais barato do que um direto.
A prática é perigosa e já deu até alvo a processos mas o relevante é que, a propósito desse fenómeno, os maiores especialistas internacionais do setor explicaram à BBC que isto acontecia devido à discrepância aparentemente estranha entre os valores de um tipo de voo e outro. E que estas, escrevia-se, enraizavam “na lógica que sustenta os preços das companhias aéreas, o que pode parecer incompreensível para os clientes”.
“Se a companhia aérea A tiver um concorrente de baixo custo, vai equiparar (a tarifa); se não, cobra outro. Tudo depende da concorrência, e é por isso que as companhias aéreas reduzem estrategicamente as tarifas em alguns mercados, e em outros não. Nas minhas discussões com as empresas, estas dizem que não querem perder participação de mercado e correm um risco calculado”, explicava então Henry Harteveldt, fundador da empresa de consultoria de viagens Atmosphere Research.
Peter Belobaba, principal pesquisador do Centro Internacional de Transporte Aéreo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), acrescentava que esse tipo de tarifação é encontrado em todo o mundo.
“Por exemplo, Boston-Las Vegas é uma rota de lazer que é mais sensível ao preço. Já Boston-Houston é um mercado empresarial, o que significa tarifas mais altas. São mercados muito diferentes quando se trata de concorrência e de sensibilidade dos clientes aos preços”, concluía.