Ao contrário de muito boa gente, nunca sonhei fazer um safari. Nem sequer tenho uma lista com as viagens que ainda gostaria de fazer. Felizmente, já fiz muitas e, confesso, o entusiasmo foi diminuindo à medida que os constrangimentos foram aumentando — restrições pós-11 de setembro, Covid-19, entre outros. Além disso, apesar de não ter propriamente medo de andar de avião, voos longos não são o mais gosto de fazer.
Em cima de tudo isto sou vegetariana e não tenho o mínimo fascínio por animais de grande porte. Obviamente, também não sou defensora de nenhum tipo de caçadas. Vi “O Rei Leão” no cinema (sim, em 1994) e não só não deitei uma única lágrima, como até achei que aquilo tinha cantoria a mais.
Finalmente, as narrativas dos exploradores de África do século XIX e princípio do século XX nunca me seduziram. “África Minha” pode ser um grande filme (e é), porém, o colonialismo pseudo-romântico não é bem a minha praia. Ainda assim, aceitei partir num safari pelo Quénia que incluía duas opções: visita a uma aldeia Maasai e um voo num balão de ar quente. Como não sou fã de alturas e gosto de manter os pés (bem) assentes, fiquei em terra.
Resumindo: sou uma cínica encartada (chata, vá) e fazer esta viagem pelo Quénia não fazia parte dos meus planos. Vou já saltar para o epílogo (para ver se continuam a ler): gostei da experiência e, não prometendo que tal venha a acontecer, estou pronta para repetir. Sem balão, claro. Tenham paciência — isso nem na Capadócia.
Logística e afins
Se “O Rei Leão” é um dos filmes da vossa vida e sonham ver os chamados Big 5 (o leão, o elefante, o búfalo, o leopardo e o rinoceronte — não se deixem enganar pela designação, que nada tem a ver com o tamanho dos bichos, mas já lá vamos) ao vivo, o tempo — e a falta dele — não será um problema para vocês. Os outros, como eu, não vão deixar de olhar para o relógio, nem de fazer contas. Trata-se de uma viagem de seis dias, com quatro voos, vários transferes e muitas (mesmo muitas) horas de jipe. Requer bastante endurance e motivação. Se estão a pensar fazer um safari para passarem uns dias de papo para o ar, não contem muito com isso.
A viagem até ao Quénia arrancou com os voos Lisboa-Istambul-Nairobi (com a Turkish Airlines, companhia com a qual nunca tinha voado e que se revelou uma excelente surpresa). Na prática, isto quer dizer que saí de casa às 7 horas (moro perto do aeroporto) e entrei no quarto do Sarova Stanley, em Nairobi, às 4 da manhã do dia seguinte. Não é propriamente um primeiro dia de sonho para quem está de férias — o que, claro, não era o meu caso. Afinal, fui em modo repórter para vos poder contar tudo.
O regresso também não foi leve, algo a considerar caso equacionem voltar ao trabalho no dia logo a seguir à chegada. O voo de balão aconteceu no último dia do programa, o que significou acordar antes do nascer do sol (fui a única que ficou em terra, mas acompanhei o grupo). Após muitas horas de jipe e um passeio de barco no Lago Naivasha pelo meio, regressámos à capital para o jantar de despedida. Descolámos de Nairobi às 3 da manhã, fizemos novamente ligação em Istambul, e aterrámos em Lisboa por volta das 17 horas. Ou seja, um dia com muitas deslocações e poucas horas de sono.
Sítios para dormir, coisas para comer
Todos os alojamentos onde ficámos apresentavam uma qualidade acima da média. Afinal, convém não esquecer que estão instalados em parques naturais do Quénia e não em centros urbanos. Os quartos eram confortáveis, espaçosos e, regra geral, modernos. O sinal de wifi nem sempre era o melhor — especialmente nas tendas mais afastadas da recepção nos lodges, um inconveniente, mas nada de extraordinário. Todos os lodges onde dormimos e comemos tinham piscinas exteriores. Porém, não tivemos oportunidade de dar mergulhos (apenas passámos uma noite em cada um).
Apesar da experiência nos alojamentos ter sido globalmente muito positiva, houve algumas surpresas menos agradáveis. A primeira aconteceu logo no primeiro dia, no Sarova Stanley, em Nairobi. Chegámos ao hotel às 4 da manhã e após uma curtíssima noite de sono (descemos para o pequeno-almoço às 9), tive direito a um banho de água fria — literalmente. Uma surpresa inesperada num hotel de cinco estrelas, astros a que a falta de pressão (fiquei no quarto andar) e os problemas da canalização claramente não são sensíveis.
O pequeno-almoço incluía uma oferta dentro do que é habitual numa unidade do género — estação de padaria e pastelaria, ovos e pratos quentes (panquecas, salsichas e baked beans, por exemplo), queijos vários, fruta fresca, bebidas quentes, entre outros. Como já referi, sou ovo-lacto-vegetariana, mas com um twist: sou também celíaca. Ou seja, não tenho uma dieta propriamente fácil de acomodar, porém, não tive dificuldade alguma em encontrar o que comer. Na verdade, o meu regime alimentar não foi muito diferente do habitual.
Dito isto, as opções vegetarianas existem, mas não abundam, e as adaptadas a celíacos tampouco. Podem contar com frutos frescos e secos, saladas, legumes cozidos ao vapor, queijos de vários tipos, ovos mexidos, entre outros. Se estão habituados a versões gluten free (seja do que for) não esperem encontra-las (em Nairobi ou qualquer outro sítio). Como não é o meu caso, uma vez que raramente as como, não foi um drama.
As refeições foram todas servidas em regime buffet, e para quem não tem restrições alimentares e come de tudo, a oferta de pratos (sobretudo de carne) era vasta. A qualidade da comida era bastante boa e sempre que fiz algum pedido especial este foi prontamente aceite e satisfeito. O jantar do último dia do programa foi no restaurante Carnivore. Como o nome indica, trata-se de um espaço de barbecue all you can eat onde a carne é a protagonista. No passado servia carnes de animais caçados (tais como girafa, gnu, avestruz ou crocodilo). A venda de carne de caça foi proibida no Quénia em 2004 e, atualmente, o Carnivore serve carne de animais domésticos como vaca, porco, borrego, avestruz e crocodilo (criados em cativeiro). Um restaurante que uma vegetariana jamais escolheria, portanto. Não obstante, acompanhei o grupo e também jantei — uma salada com queijo Cheddar (um pedido especial que foi satisfeito na hora).
Afinal, o que há para ver?
Se aguentou ler até aqui, tenho boas notícias: chegou à melhor parte da viagem. Começo pelo fim: o Quénia é, de facto, um país com parques naturais incríveis e paisagens lindíssimas. Só por isso mereceria uma visita, mesmo que não vissem um único animal. Das planícies a perder de vista — pontuadas com acácias espinho de guarda-chuva (sim, aquelas árvores de “O Rei Leão”) —; passando pelo Great Rift Valley (ou Vale da Grande Fenda, considerada uma das maravilhas geológicas do planeta, é um complexo de falhas tectónicas que se estende por mais de três mil quilómetros e, segundo os investigadores, pode levar à divisão de África em dois continentes daqui a 50 milhões de anos); aos lagos Nakuru e Naivasha — há muito para ver.
Os Maasai
Uma das atividades opcionais do programa era um voo em balão de ar quente — que não fiz. A outra foi a visita a uma tradicional aldeia Maasai (um povo seminómada que vive entre o Quénia e o norte da Tanzânia). Tradicionalmente, os Maasai pastoreavam gado e alimentavam-se apenas de carne, leite e sangue. Viviam em casas feitas de esterco, barro, ramos de árvores e com o teto coberto de palha. As aldeias eram circulares, sendo que o terreiro central era reservado aos animais. O perímetro era delimitado por uma cerca feita com ramos de acácia para se protegerem dos animais predadores.
Apesar desta descrição exótica, a visita à minúscula aldeia durou cerca de uma hora e meia — e não foi incrível. Fomos recebidos por um grupo de jovens Maasai, todos homens e vestidos com o traje tradicional — uma espécie de manta de lã fina, com riscas ou quadrados e maioritariamente vermelha. Durante o momento de boas-vindas, o porta-voz do grupo falou um pouco (em inglês) sobre os costumes da tribo, e de seguida, fizeram uma demonstração da tradicional dança dos saltos. Trata-se de uma dança ritual, onde o objetivo é saltar mais alto e destacar-se entre os potenciais maridos. Um espectáculo very tipical, mas confesso, um pouco constrangedor. Toda a visita é uma encenação “para turista ver”, e logo, é tudo bastante artificial. Vale por aquilo que é: uma demonstração de como, em tempos, os Masaai viviam. Atualmente é um programa turístico e uma forma como outra qualquer de ganharem a vida (as visitas são pagas).

Avistar os Big 5 e outros animais
Tirando esta visita à aldeia Maasai, o resto da viagem foi dedicado apenas a uma coisa — avistar animais. A partir dos jipes e do balão (para quem fez o tal voo). Afinal, o objetivo do safari é ver de perto “os cinco grandes”. Os Big 5 são o leão, o elefante, o búfalo, o leopardo e o rinoceronte. A designação, cunhada algures no século XIX pelos colonizadores europeus descreve o grupo de animais considerados mais perigosos e difíceis de caçar. Ou seja, não se refere ao tamanho dos bichos.
O primeiro que avistámos foi o rinoceronte (dois adultos e uma cria), nas margens do lago Nakuru. E logo no dia de estreia. Mais tarde, neste mesmo dia, avistámos ao longe um trio de leões jovens (estavam deitados e ninguém conseguiu tirar a tão desejada fotografia para publicar no Instagram). Portanto, no final do primeiro dia passado no Parque Nacional do Lago Nakuru, já podíamos riscar dois da lista de cinco. Um início auspicioso.
O resto do safari pautou-se pela mesma lógica — andar de jipe de um lado para o outro à procura dos bichos.
Na Reserva Nacional Maasai Mara cruzámo-nos com frequência com manadas de búfalos, javalis, gnus, zebras, antílopes, gazelas, impalas. Vimos alguns elefantes africanos (duas famílias de quatro), outra família de leões (três irmãos, segundo os guias), suricatas, girafas, crocodilos, entre outros.
A reserva no sudoeste do Quénia estende-se por mais de 1,5 mil quilómetros quadrados e partilha o ecossistema com o Serengueti (o famoso parque no norte da Tanzânia), porém, os jipes não percorrem todo o território protegido. Os safaris só acontecem nas zonas autorizadas. Os trilhos estão bem delimitados e não é possível fazer percursos off-road.
Também vimos crocodilos e hipopótamos no rio Mara, que divide o Serengueti do Maasai Mara. Este curso de água é conhecido pela travessia das manadas durante a Grande Migração, um movimento cíclico de deslocação em busca de alimento (que provavelmente já viram no canal da National Geographic ou no programa “BBC Vida Selvagem”). O padrão migratório depende das chuvas do ano anterior, mas durante os meses de outubro e novembro é mais provável que a maioria dos animais estejam do lado queniano do rio. O que se confirmou — tivemos oportunidade de ver manadas de gnus e zebras a deslocarem-se. Um espetáculo impressionante, embora longe da dimensão da Grande Migração.
Contudo, este não foi o acontecimento mais marcante do safari. Assistimos a uma caçada — sem armas, nem humanos envolvidos, claro. As caçadoras foram duas chitas e a vítima foi um gnu. Dentro do jipe, e a uma distância segura, conseguimos ver — bem ao longe — a perseguição veloz das predadoras e, depois, o momento em uma delas se lançou sobre o pescoço do gnu que não conseguiu acompanhar o resto da manada. Houve sangue, claro, mas era apenas visível com binóculos. Pouco depois das chitas iniciarem a refeição chegaram as hienas, que também comeram. Aliás, partilharam a presa — algo raramente visto, segundo os guias da SawaSawa África.

Um momento inesquecível, que os mais impressionáveis não irão apreciar, mas jamais irão esquecer. Vou ser honesta: não fazia propriamente questão de ver uma caçada (afinal, sou vegetariana, e dispenso ver sangue seja de que animal for). Contudo, dada a distância a que estávamos da ação e a rapidez com que tudo aconteceu, não foi um espetáculo propriamente traumático.
Recapitulando, para quem já se perdeu nas contas — dos Big 5 apenas não vimos o leopardo. A população destes felinos na reserva é reduzida e trata-se de um animal perito em camuflagem. Ou seja, é difícil de identificar à distância. Se calhar, até nos cruzámos com um (ou mais), mas não o conseguimos reconhecer.
Não pudemos acrescentar o leopardo à galeria do Instagram, mas a lacuna foi facilmente compensada pela caçada das chitas e pela proximidade a que conseguimos observar a fratria de três leões, sendo que um deles aproveitou a roda de um dos jipes para se aliviar (sim, aconteceu). Resumindo e concluindo, foi um safari bem sucedido.
Balanço da mini aventura
Já que tiveram paciência para lerem até aqui, agora prometo ser breve. Depois de tudo o que vos contei, eis a pergunta que impõe: voltaria a fazer um safari? Talvez. Se tenciono fazê-lo em breve? Definitivamente, não. Foi giro, correu bem, gostei muito do que vi, mas tenho de o dizer: não foi uma life changing experience. Não foi uma daquelas viagens de onde trazemos qualquer coisa que não sabemos bem explicar o que é. Fiquei com a sensação de que fui visitar um jardim zoológico gigantesco — e com um bilhete bem caro. E, como já devem ter percebido, não são os meus jardins preferidos.
Finalmente, os guias da SawaSawa África que nos acompanharam são excelentes profissionais e gostam realmente do que fazem. Foram incansáveis e merecem uma referência especial. Afinal, não deve ser fácil passar o dia inteiro a conduzir um jipe e a ouvir turistas a reclamarem de tudo e de nada (não estou a falar de mim, claro).
Carregue na galeria e descubra algumas das melhores imagens deste safari no Quénia.
A NiT viajou a convite da TUI Portugal e da Turquish Airlines. Os preços dos safaris no Quénia começam nos 1.575€ por pessoa.