Diz-se que toda a gente tem, pelo menos, uma pessoa igual a si no mundo. Agnes Loonstra apercebeu-se dessa possibilidade quando conheceu um homem num comboio em Utrecht, nos Países Baixos, que iniciou conversa sem hesitar. O que lhe causou mais estranheza foi que o desconhecido falava como se fossem muito próximos.
Mais tarde, a jovem percebeu que foi confundida com Ester Scholter, uma mulher com quem partilhava muitas semelhanças. Decidiu entrar em contacto com ela através do Facebook e, apesar dos percursos distintos — uma é artista, a outra é diretora pedagógica —, descobriram que tinham o mesmo gosto musical.
As histórias de sósias que se encontraram repetem-se um pouco por todo o mundo. Intrigado por este fenómeno, o fotógrafo canadiano François Brunelle, de 72 anos, criou o projeto “I’m Not a Look-Alike!”, através do qual se dedica a encontrar pessoas que se assemelham fisicamente, mas que não têm nenhum grau de parentesco.
Ao todo, já captou mais de 250 pares de duplas espalhadas em mais de 30 cidades. Alguns deles conheceram-se pela primeira vez quando se encontraram no estúdio, outros já tinham relações de longa data. O que todos têm em comum é que, apesar das parecenças, não partilham qualquer laço familiar.
Todos os retratos são captados a preto e branco para ajudar a destacar as semelhanças faciais entre os sósias. Para Brunelle, a técnica permite eliminar pormenores que considera supérfluos, como a cor do cabelo, e leva o público a focar-se nos aspetos mais essenciais, como o formato do rosto.

Após convencer os sósias a participar na sessão, o autor viaja até encontrar um local onde seja possível combinar o encontro, antes das fotografias. Tudo é feito com um orçamento muito limitado, mas com o apoio logístico de diversas organizações em cada um dos países onde já esteve.
Para encontrar estes pares, o artista pede ajuda a meios de comunicação que, tendo conhecimento da existência do projeto, passaram a contactá-lo. Os restantes interessados em ser retratados podem enviar um email com os dados pessoais e o contato da pessoa com quem é parecida. A participação não é remunerada.
Como tudo começou
Nascido na cidade de Sherbrooke, no Canadá, Brunelle descobriu a fotografia através dos trabalhos de André de Dienes e Richard Avedon, dois artistas conhecidos pelo foco no retrato e na vontade de capturar a essência humana. Inspirado pelo estilo vulnerável, começou a fazer retratos antes de pensar em lançar a série.
O projeto nasceu das próprias experiências do fotógrafo. Como era frequentemente confundido com o comediante Mr. Bean, as comparações levaram-no a despertar o fascínio pelas semelhanças entre seres humanos. Durante mais de uma década, andou à procura destes casos.
“As minhas primeiras imagens foram simplesmente de pessoas próximas que conhecia e que eram parecidas”, recorda à revista “Mensch”. “Quando os meios de comunicação começaram a divulgar as fotografias, mais pessoas se passaram a apresentar para participar dos ensaios.”
Mais do que explorar a aparência física, o projeto pretende levantar questões sobre a identidade e a perceção de si mesmo e dos outros. No centro da série, está a ideia de que as pessoas, qualquer que sejam as suas origens, estão fundamentalmente agarradas umas às outras.
“O rosto é a ferramenta de comunicação definitiva que temos para estabelecer e manter relacionamentos entre nós como seres humanos”, acrescenta.
Outro dos casos que ilustram estas ligações surgiu em França, entre dois amigos que trabalham na indústria cinematográfica e televisiva. Certa manhã, Ludovic Maillard foi surpreendido por uma jovem, muito apaixonada, que mostrou demasiada intimidade.
Quando a confusão foi esclarecida, percebeu que, na verdade, tinha sido confundido com Marcel Stepanoff. Foi quando os dois sósias perceberam que se podiam divertir com estes incidentes. Agora, é frequente fingirem, por diversão, que são irmãos.
Um estudo publicado pelo Leukemia Research Institute, em Barcelona, em 2022, utilizou reconhecimento facial para analisar as semelhanças entre os sósias e descobriu que alguns deles partilham mesmo genes, apesar de não serem parentes.
“As pessoas que são muito parecidas partilham partes importantes do seu genoma, da sua sequência de ADN”, explicou o cientista espanhol Manuel Esteller ao “The New York Times”, tendo em conta os resultados da investigação. “Há tantas pessoas no mundo que o sistema começou a repetir-se a si próprio.”
A missão de Brunelle é evidenciar este fenómeno. Assim que concluir o projeto, sem data definida para chegar ao fim, mas que irá culminar na publicação de um fotolivro com todas as imagens e uma exposição, que vai passar por vários países, quer dedicar-se a fotografar miúdos de várias partes do mundo.
As atualizações da série “I’m Not a Look-Alike!” podem ser acompanhadas através do site do fotógrafo ou na página de Instagram.
Carregue na galeria para ver alguns exemplos de retratos captados pela lente de François Brunelle.