Viagens

Gonçalo Câmara: “A rádio deu-me a possibilidade de viajar para contar histórias”

Na nova crónica da Embaixada dos Açores, Luís Filipe Borges entrevista o radialista e jornalista de viagens.
É jornalista de viagens.

Idolatra Alexandre O’Neill e é um radialista poeta. Multifacetado é também o viajante que trouxe os versos para as ondas hertzianas — e gáudio dos ouvintes. Dos Açores para o mundo, com apenas 34 anos, Gonçalo Câmara tornou-se uma das vozes mais carismáticas e das companhias mais apreciadas, fosse na M80 ou na Comercial e Smooth fm. Homem de 4 livros publicados, de crónicas, poemas e reportagens, decidiu todos os anos enveredar numa grande viagem — quase sempre solitária — da China à Patagónia, do Sri Lanka a Myanmar. 

Hoje colabora com a “SÁBADO”, construiu o seu próprio estúdio em casa, narra documentários, é uma das vozes mais requisitadas no universo dos audiobooks, e recorda como se fosse hoje o dia na Colômbia em que apanhou o autocarro errado… e pouco depois descobriu o acidente que vitimou quem seguiu nesse malfadado veículo. É desse momento, e da força telúrica de vulcões ilhéus mais ou menos adormecidos, que lhe vem a (doce) fúria de viver.

Um produtor de Hollywood está louco para fazer um filme sobre a tua vida, mas falta convencer o estúdio, que só avança se for o Spielberg a realizar… ora sucede que dás por ti num elevador com o sôr Steven. Como venderias o teu peixe?
Dizia que há um produtor que está maluco comigo, já viu isto? Quer fazer um filme sobre mim! Falta convencer o estúdio, que só avança se for vossemecê a realizá-lo! Não lhe interessava criar uma história sobre um tipo que gosta de mergulhar de cabeça no inesperado? Que, por muito que os imprevistos o stressem, consegue espremê-los para histórias suficientes. Boas inspirações? Creio que já se cruzou com meio mundo. E com alguém que pensa que o fim não existe? Já se cruzou com alguém que vê no olhar um mundo inteiro por descobrir? Pense nisso. Não me importo que a minha história, contada por si, acabe mal. É sinal que a verdadeira acabará bem!

O dia profissionalmente mais feliz da tua vida foi quando e por quê?
Quando a rádio me deu a possibilidade de viajar para contar histórias e trazer reportagens. Porque deixei de ser um homem que vai apenas viajar ou passear. Sou um tipo que viaja para escrever e encontrou na Rádio um meio para contar. Quando me abriram a porta do estúdio, o impossível tornou-se palpável.

O que poderia aprender Portugal Continental com os Açores?
A comunhão autêntica com a Natureza. Que um valente mergulho, para ser perfeito, não tem de ter água turquesa e cristalina. Basta entrar no mar para perceber como podemos ser um só. O continente podia aprender com os Açores que aquilo que o mar nos traz é muito mais do que uma boa refeição.

De que forma o carácter atlântico, a açorianidade, o ser-se ilhéu influencia o teu processo criativo?
Isolamento, solidão procurada e acautelada, o mar e o seu tempo são perfeitos para encontrar respostas. Nunca ninguém alcançou o sublime com pressa. Somos impacientes por natureza, e os Açores ajudam-nos a compreender que o que é nublado, é perfeito uns minutos depois. Calma!

Gonçalo Câmara.

O maior disparate que já ouviste sobre as ilhas é?
Que as ilhas pertencem aos Estados Unidos.

Que crime cometerias se não houvesse castigo?
Mandava abaixo hotéis de luxo onde os investidores disseram que investiram porque o lugar é poético. O que o luxo traz no imediato, paga-se mais tarde. Até para aqueles cuja vida melhorou.

Como reage a tua família à tua profissão?
Profundo orgulho e brilho no olhar a cada conversa.

Aquele sonho por realizar é?
Estúdio de rádio/áudio ambulante, trazendo histórias em movimento pelo mundo.

Finalmente, para acabar de forma fácil, qual é o sentido da vida?
Nenhum e todo. Nenhum porque não sabemos o porquê de tudo isto. Todo porque, quando tropeçamos em desconhecidos que nos mudam a vida, percebemos que era preciso e só podíamos estar todos ali. 

Restaurante?
O Américo nos Mosteiros. Melhor polvo assado da ilha de S. Miguel. 

Vista?
Lagoa do Fogo, vista das antenas e não aquela a que se vê onde o shuttle atualmente vos deixa. Mas, para efeitos jurídicos, não disse isto. 

Banhos/zona balnear?
Porto de Santa Iria (Ribeirinha).

Ritual/tradição?
Chegar da praia e contemplar o jardim na Fajã de Baixo. Tão bem cuidado pelo meu tio, que hoje em dia corta a relva três minutos e descansa vinte. Porque contemplar é sempre melhor que cansar. 

Artista referência ou que admires (nas ilhas, vivo ou morto)?
Vitorino Nemésio, Natália Correia e João Xavier, um especialista na arte de bem servir licor de Angélica, no Pico. 

Obrigatório de visitar?
Cella Bar, no Pico. Pela arquitetura, pela localização e pelo confronto absoluto com o mar. 

Donas Maria Manuela e Fátima, Corvo

Duas septuagenárias corvinas, amigas, dois exemplos de estoicismo e abnegação. Dois sorrisos largos a quem nem o luto, nem o isolamento, nem as memórias de intempéries e fome, conseguem abater a esperança, a alegria quotidiana e a certeza firme de que: “no Corvo é que é”.

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