João Cajuda não tem por hábito fazer contas aos sítios que já visitou, mas em estimativa diria que foram 40. O filho do treinador Manuel Cajuda nunca sentiu o chamamento do futebol (diz que tem “pé de chumbo”) mas desde cedo que decidiu que queria ser ator. Começou nos “Morangos com Açúcar”, esteve dez anos ligado ao cinema e à televisão, até que a instabilidade da carreira o levou a procurar outra coisa.
Foi há três anos que o algarvio de 32 anos lançou o blogue de viagens João Cajuda. Desde então, conta com mais de 460 mil seguidores no Facebook e 129 mil no Instagram e foi considerado o 15.º blogger de viagens mais influentes do mundo. Como se não bastasse, a 6 de janeiro fez um vídeo sobre as Filipinas que se tornou viral — foi visto 2,6 milhões de vezes em apenas 24 horas.
Eu sou do Algarve, nasci em Faro, e vivi os meus primeiros anos em Olhão. A partir desse momento o meu pai começou a treinar outros clubes, e sempre que mudava de sítio, obviamente, toda a família ia atrás. Vivi em Olhão, Portimão, Torres Vedras, Elvas, Leiria, Braga, Setúbal. Lembro-me de mudar de escolas, colegas, professores.
Sim, às vezes não é fácil, mas no meu caso correu sempre tudo bem. Nunca tive muitos problemas nessa transição. Adaptei-me bem aos novos sítios, fiz novos amigos com facilidade, fui mantendo contacto com alguns que fui fazendo.
Por lazer não, não tínhamos muito esse hábito. As viagens de que falo são mesmo de mudança de cidade. Eu corri norte a sul do País. Para fora nunca íamos muito.
Até aos 18 anos, quando decidi vir viver para Lisboa. Fiquei cá dez anos.
Sim. Nunca quis ser futebolista, em primeiro lugar porque não achava grande piada ao desporto — hoje em dia até acho mais —, em segundo porque não tinha muito talento. Era um bocado pé de chumbo.
Fazia mais sentido. Do meu grupo de amigos sempre fui o mais ligado às artes. A certa altura decidi inscrever-me num grupo de teatro amador em Braga, que frequentei durante dois anos, e depois então decidi ir para Lisboa. Tinha de ser se queria ser mesmo ator.
Poucos meses depois deu o salto para a televisão.
É verdade. Inscrevi-me numa agência de manequins, a Elite. A moda não era aquilo que eu queria mesmo fazer, aliás, deixei logo claro ao meu agente que só gostava de fazer castings para representação. Pouco tempo depois fiz um teste para os “Morangos com Açúcar”, e felizmente fiquei.
Já viajava muito nesta altura?
Não, nem por isso. Comecei a viajar mais depois de terminar os “Morangos com Açúcar”. Foi nessa altura que ganhei a minha independência financeira e tive dinheiro para o fazer.
O dinheiro que ganhava com a representação ia todo para as viagens?
No início não, confesso. Antigamente gastava dinheiro em coisas mais supérfluas. Felizmente comecei a ganhar um bocadinho de juízo, a dar mais valor ao dinheiro e a gastá-lo em coisas que de facto nos enriquecem. Nos últimos oito anos é que comecei de facto a deixar um dinheiro de parte para ir viajar.
Quando é que criou o blogue?
Há mais ou menos três anos.
Porquê?
Fartei-me da instabilidade da vida de ator. Pensei: “Eu não quero isto para o resto da minha vida. Estar um ano com trabalho e outro sem trabalho.” Decidi ir para a universidade porque, quando acabei o secundário, comecei logo a trabalhar em televisão e não tive oportunidade de tirar uma licenciatura. Decidi fazer uma pausa, esquecer um bocadinho a representação.
Licenciou-se em quê?
Tirei o curso de Ciências da Comunicação na Universidade Autónoma de Lisboa. Escolhi a vertente de Marketing e Publicidade porque a vertente de jornalismo não me interessava tanto. Gostava mais da parte do design, marketing e publicidade. Nessa altura, enquanto estava a fazer o curso, lembrei-me de fazer um blogue para partilhar os meus vídeos e as minhas dicas.
Nesta altura já viajava muito?
Já tinha feito algumas viagens grandes, mas nada como hoje.
E viajava sozinho ou com amigos?
Geralmente viajo sempre com dois amigos. Prefiro assim — bem, prefiro viajar com alguns amigos, não é com todos. Há alguns que digo logo que não me apetece muito ir [risos]. Gosto de viajar à minha maneira, de ir para onde quero ir, de fazer o que quero fazer. Às vezes há amigos que não se enquadram exatamente naquele estilo, portanto sabes que vai haver algumas divergências.
Quando é que começou a levar o blogue mais a sério?
Na verdade continuo a levar o blogue na brincadeira [risos]. Obviamente que me dá muito trabalho, porque faço tudo, mas mesmo tudo, sozinho. Há quem ache que levo uma produção atrás, não é verdade. Sou só eu. Faço tudo, desde a produção, realização, edição, som, os artigos no blogue, fotografias, redes sociais. Mas continuo a levar na brincadeira.
Consegue fazer tudo sozinho?
Sim. Dá muito trabalho, há dias em que acordo às oito da manhã, vou para a frente do computador e muitas vezes só saio dali às dez da noite. Mas é uma coisa que gosto tanto de fazer que não sinto que seja uma obrigação. É óbvio que tenho prazos a cumprir quando são certos trabalhos, mas quando estou no computador não sinto isso. Bem, e nas viagens muito menos.
Mas às vezes deve ser cansativo.
Sim, claro. Há quem ache que a minha vida é só viajar de um lado para o outro. Não é, há altura em que estou em sítios lindíssimos e não tenho muito tempo para aproveitar. Tenho de escrever porque senão vou-me esquecer das coisas, tenho de tirar fotografias… Não é só ficar ali de papo para o ar.
Atualmente está a viver apenas do blogue?
Sim. Tenho também a minha agência de viagens, a Leva-me, que também me ocupa muito tempo, mas estão interligados. Mas sim, é só isso que faço neste momento e é o que tenciono fazer nos próximos tempos.
Fala-me da Leva-me. Como é que surgiu a ideia de abrir uma agência de viagens onde levas as pessoas a viajar consigo?
A Leva-me surgiu de um convite de um amigo meu, que também é um blogger de viagens, o João Leitão. Foi ele quem me me encaminhou para este mundo há uns anos [2012], quando viu um vídeo meu no YouTube. Ele trabalha com hotéis em Marrocos e disse-me (eu não o conhecia de lado nenhum): “Olha João, quero que venhas cá a Marrocos, ao deserto, fazer um vídeo para um hotel.” Achei aquilo um bocado estranho, mas aceitei.
E ficaram amigos.
Ficámos amigos. Ele tem uma agência de viagens em Marrocos, a Marrocos.com, e perguntou-me: “Olha, não gostavas de fazer umas viagens sendo guia turístico, líder de grupo?” Eu respondi-lhe: “Err… não sei se tenho muito jeito para isso, mas até me agrada a ideia de levar pessoas a Marrocos, é um país que gosto muito. Sim, vamos experimentar.” E foi assim, surgiu o primeiro grupo [2014], marcámos mais datas, aquilo foi enchendo e teve imenso sucesso.
Quantos destinos têm neste momento?
Marrocos, claro, Tanzânia e Tailândia. A intenção é, consoante os anos, ir mudando os destinos. Nunca hão-de ser 20 por ano, porque não me posso dividir, mas gostava de ter pelo menos uns cinco, seis.
Como é que organiza as suas viagens quando vai conhecer um destino novo?
Bem, basicamente organizo para mim e para os meus amigos. Eu gosto de organizar e de pesquisar sobre um destino novo. Os meus amigos, por outro lado, não gostam de perder muito tempo com isso. Por isso há ali um equilíbrio. Muitas vezes eles nem sabem para onde vão. No dia digo-lhes: “Olha, hoje vamos ali”. Eles perguntam: “Então e isso fica aonde?” “Não interessa, é uma cena gira.”
O que é que leva sempre na mala?
A câmara, tem de ser. Às vezes gostava de não levar, também tenho saudades de viajar sem nada, sabes? As viagens, mesmo que sejam férias, acabam por se tornar trabalho porque penso sempre: “Que pena eu não estar a filmar este sítio.” A máquina vai sempre comigo. O telemóvel também vai sempre comigo, obviamente, porque eu trabalho muito com redes sociais e emails. Mas agora, coisas mais interessantes além da câmara e do telemóvel… um livro. Raramente leio.
Tem algum amuleto?
Tenho [tira um colar de dentro da camisola]. Tenho uma Mão de Fátima que anda comigo há muitos anos, está sempre comigo. Já perdi uma. Err, onde é que eu o deixei… ficou no outro lado do mundo, já não me lembro aonde. Mas está lá, numa praia qualquer, debaixo da areia [risos].
Recentemente publicou um vídeo de uma viagem às Filipinas que teve mais de 2,6 milhões de visualizações em 24 horas. Como é que uma coisa destas acontece?
Pois, não sei, não faço ideia. Fiz o vídeo, demorei umas três semanas a editá-lo e depois decidi metê-lo online, como faço sempre. Meti o vídeo à noite, fui-me deitar, e quando acordei de manhã abri o Facebook e achei estranho porque tinha aumentado muito o meu número de seguidores e tinha muitas notificações. Mas como sou um bocado despassarado com os números, não liguei muito. Depois apercebi-me que de facto o vídeo já tinha mais de 2,5 milhões de visualizações no espaço de 12 horas, que foi o tempo de ir dormir. Não sei como.
Refere muitas vezes em entrevistas que o destino que mais te marcou foi a Índia, em 2011. Ainda manténs esta resposta?
Sim, ainda é o destino que mais me marcou até agora.
E porquê?
Já foste à Índia?
Não, ainda não.
Pois. Eu tinha um fascínio pela Índia — acho que todos nós temos uma ideia pré-concebida do país, super espiritual —, e na verdade, quando lá cheguei percebi que não estava minimamente preparado. Foi um choque cultural muito grande. Vi tanta pobreza, tanta miséria, tanta morte… naquela altura foi um choque para mim. Há imagens que ainda hoje não consigo esquecer.
Morte?
Sim. Vi muitas senhoras de idade deitadas no chão que… já não se iam levantar dali. Estavam num estado de tamanha fragilidade, tão magras, tão doentes. Iam morrer ali. Mais hora, menos hora, mais dia, menos dia. E tu não consegues fazer nada, não consegues fazer nada para ajudar porque está ali uma senhora mas estão mais não sei quantas mil à tua frente. Sair à rua é um bocadinho como levar uma facada no coração.