Há quem se aventure a percorrer a Estrada Nacional 2 de bicicleta — e esta não é uma viagem nada fácil. Outros, mais ambiciosos, vão mais longe e pedalam durante meses com uma tenda às costas. É o caso de Carlos Eduardo, mais conhecido por Kadu, que partiu de Portugal no dia 14 de março de 2022 com um único objetivo: chegar ao norte da Noruega em seis meses.
Kadu tem 52 anos, nasceu no Rio de Janeiro, no Brasil, e antes de se mudar para Portugal raramente andava de bicicleta. “Vim há cerca de cinco anos pelo mesmo motivo que a maioria dos brasileiros: para fugir da violência. Lá nem sequer podíamos andar de bicicleta, não havia condições para isso”, começa por contar à NiT Carlos Manuel, que vive atualmente em Lisboa.
Assim que chegou ao nosso País, uma das primeiras compras que fez foi precisamente um velocípede — e foi aí que começou esta paixão. Começou por fazer pequenas viagens em Portugal, pedalou até Fátima e chegou a atravessar a fronteira até Badajoz. “Pedalava por todo o País, apaixonei-me e comecei a ambicionar fazer algo maior”, revela. Simultaneamente, criou a página de Instagram World Travel Bike para ir partilhando as suas aventuras sobre duas rodas com os amigos e familiares que ficaram do outro lado do mundo.
Um dos primeiros grandes desafios que Kadu pensou concretizar surgiu antes da Covid-19 se alastrar: queria ir de Portugal até à Turquia de bicicleta. O brasileiro bem tentou. Ainda pedalou mais de 3.000 quilómetros até chegar à França (e perdeu 12 quilos só na viagem), mas a pandemia estava a agravar-se e foi obrigado a regressar a Lisboa. Decidiu esperar até a situação melhorar.
“Esperei cinco meses, mas comecei a ficar com vontade de fazer outra viagem, então fiz uma volta por Portugal”, conta. Aproveitou esse período para refletir sobre o desafio inicial e decidiu alterar a rota. Trocou a Turquia por um destino mais setentrional: o novo objetivo era pedalar de Lisboa até ao norte da Noruega em apenas seis meses. E nem mais um dia.
A aventura arrancou a 14 de março de 2022, quando se despediu da família e de Portugal — só os voltaria a ver passado nove meses. Com quase 100 quilos às “costas”, Kadu fazia “percursos pequenos todos os dias” e pedalava, em média, 50 quilómetros diariamente — exceto quando estava na Holanda, que bateu o seu recorde e andou mais de 100.
Os meses foram passando e a lista de países visitados continuava a aumentar. Espanha, depois França, Bélgica, Alemanha, Holanda e Dinamarca — sem recorrer a nenhum outro meio de transporte que não a sua bicicleta.

“É possível atravessar todas as fronteiras de bicicleta, mas quando cheguei ao topo da Dinamarca decidi que o melhor era apanhar o barco para a Suécia”, recorda. Chegou ao destino no dia 14 de agosto, precisamente um mês antes de cumprir o desafio. Ainda antes de chegar à Noruega passou pela Finlândia e confessa que uma das dificuldades que enfrentou nesta altura da viagem foi o frio que se começou a fazer sentir a partir de setembro.
“Chegava às lojas, explicava o que estava a fazer e pedia umas luvas para proteger as mãos da chuva, mas não serviam para a quantidade de água que apanhei. Então preferia pedalar sem as luvas do que com elas todas encharcadas”, conta. Quanto ao alojamento, raras as vezes ficou hospedado em hotéis. Optou por fazer campismo selvagem nos países que permitem a prática, para poupar algum dinheiro. Ainda assim, foi obrigado a comprar cinco tendas ao longo da viagem, porque algumas partiram-se durante a noite devido ao vento.
Foram meses cheios de histórias e aventuras, algumas delas bem intensas. Ainda assim, Kadu costuma dizer que não se importaria de repetir a viagem novamente, exceto uma parte. O brasileiro confessa que um dos piores momentos da volta de bicicleta aconteceu no último dia, quando chegou ao topo da Noruega, a 14 de setembro, precisamente seis meses depois de partir de Lisboa. “Podia escrever um livro com tudo o que me aconteceu nesse dia.”
Pela primeira vez ao longo de toda a viagem, Kadu caiu da bicicleta, quando as alças de uma das mochilas se enrolaram nos raios da roda da frente. Ainda assim, a queda o impediu de seguir em frente, — mas talvez tivesse mudado de ideias se soubesse o que o esperava nos minutos seguintes.
A 100 metros do local onde caiu ficava o Túnel do Cabo Norte (North Cape), um dos túneis rodoviários submarinos mais longos da Noruega. Está a cerca de 212 metros abaixo do nível da água e estende-se ao longo de quase sete quilómetros: três a descer e quatro a subir.
“A água tinha-se acabado e já só tinha uma barra de chocolate comigo. Cada vez que me lembro desse túnel, ainda sinto dor. Senti muita ansiedade ao entrar, estava experimentar um misto de emoções. O túnel era muito frio, rochoso e húmido. Como era muito fundo, a água pingava e ouvia-se um barulho enorme”, recorda.
Com muito esforço e força de vontade, lá conseguiu chegar até ao fim do túnel, mas ainda teria de pedalar quase 50 quilómetros se quisesse chegar ao norte da Noruega naquele dia. “Nessa altura comecei uma luta comigo próprio porque queria mesmo chegar dentro dos seis meses que tinha definido. Acreditei que seria possível, mesmo quando um grupo de ciclistas me tentaram dissuadir a não continuar porque já estava a anoitecer.” Não lhes deu ouvidos, continuou a pedalar e, no final da noite, chegou ao topo da montanha. “Foi mais um desafio que venci, pedalei muito nesse dia”, recorda.
Ficou por lá três noites e três dias, e depois começou a viagem de regresso a Portugal. Já sem a pressão do tempo, escolheu um percurso diferente e conheceu outros países, como a Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, Eslováquia, República Checa e Áustria. Pedalou durante três meses, até decidir por um ponto final na viagem de bicicleta na capital austríaca. “Já estava perto do Natal, então decidi parar por ali e apanhei transportes para regressar a Lisboa. Queria passar a época festiva em casa”, conta.
Ao longo de “nove meses inesquecíveis”, Kadu passou por 17 países e pedalou mais de 12 mil quilómetros. Foi partilhando toda a viagem nas redes sociais e garante que quer continuar a fazer desafios semelhantes. Agora, o próximo objetivo é pedalar 300 quilómetros num só dia.
De seguida, carregue na galeria para ver algumas das fotografias da viagem que Kadu foi partilhando nas redes sociais.