Antes de nascer, Francisco Lufinha, o kitesurf português e recordista mundial, agora com 40 anos, já passava temporadas no mar. “Quando estava na barriga da minha mãe, os meus pais fizeram algumas viagens de barco. Aliás, sempre o fizeram”, começa por contar à NiT. Mesmo sem saber, foi o início de uma paixão que não parece ter fim à vista.
O mais novo de três irmãos recorda-se bem dos dias que passava com a família no mar, a ver baleias e golfinhos. Nessa época, estava longe de imaginar que, um dia, se aventuraria pelos oceanos completamente sozinho — e só com uma prancha. À medida que foi crescendo, em Lisboa, começou “a inventar desafios, coisas que nunca tinham sido feitas”. Bater recordes do mundo tornou-se quase um vício. “Tenho muita ambição, estou sempre a querer fazer coisas diferentes, cada uma mais puxada que a outra”, confessa.
Lufinha foi campeão nacional de kitesurf, em 2005, e vice-campeão, em 2006. Porém, os verdadeiros desafios chegaram sete anos depois. Tudo começou, na verdade, em 2013, quando decidiu percorrer toda a costa portuguesa em 28h58, em cima de uma prancha. Partiu da Marina do Douro, no Porto, a 17 de setembro, às 14h30, e chegou ao porto de Lagos, no Algarve, às 18 horas do dia seguinte. O objetivo era bater o recorde mundial de distância percorrida em kitesurf. Conseguiu-o quando passou por Sines, mas quis continuar e percorreu mais 100 milhas até ao Algarve.
Ultrapassado o primeiro desafio, decidiu que queria ir ainda mais longe. Em 2015, aventurou-se com um percurso e distância diferentes: em 12 horas foi das Ilhas Selvagens até ao Funchal, na Madeira. Esta era apenas uma preparação para a derradeira viagem: ir de Lisboa até à Madeira, sem paragens, para quebrar o seu próprio recorde mundial. Foram 874 quilómetros, percorridos em 47h37.
Dois anos depois, estava já a preparar-se para uma nova aventura, desta vez acompanhado. Juntou-se à alemã Anke Bradt para bater o recorde mundial de travessia de kitesurf em dupla. E o objetivo foi cumprido mais uma vez: percorreram 1.646 quilómetros entre Ponta Delgada e Oeiras, durante 10 dias.
“Quando concluí esse projeto, continuei a sonhar. Queria travessar o Atlântico sozinho, mas de forma diferente”, conta. Em 2021, o recordista mundial juntou-se à EDP para o maior desafio da sua carreira: atravessar o Atlântico a solo, num barco sem motor, puxado apenas por um kite e alimentado por painéis solares.
A 3 de novembro zarpou da Marina de Cascais rumo às Caraíbas. Após 47 dias e 6.500 quilómetros, chegou à Ilha da Martinica, naquele que foi “o desafio mais exigente de sempre”.
Aquela foi também a primeira vez que Lufinha se fez ao mar já casado e com filhos. “Pesou-me muito a saudade, não gostei nada de estar longe deles”, confessa. Foi então que começou a pensar na ideia de tentar fazer uma volta ao mundo de barco, desta vez com a família.
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A mulher, Margarida, não ficou surpreendida com a proposta: afinal, quando foi pedida em casamento, o kitesurfer disse, em modo de brincadeira, que um dia iam fazer uma viagem deste género. “Plantei-lhe logo a semente, já estava um pouco à espera, mas as coisas depois ficaram mais sérias”, conta. Já os filhos, Francisco, de cinco anos, e Vera, de três, nasceram praticamente no mar — tal como o pai.
A viagem em família começou a ser preparada no ano passado, quando Lufinha comprou um veleiro catamarã de 1996, com cerca de 13 metros de comprimento e sete de largura, à qual deram o nome de Zinga. “Passámos os últimos meses a restaurá-lo no Centro Náutico de Algés para o preparar para este novo desafio”, diz.
Com tudo pronto, partiram de Lisboa na passada sexta-feira, 1 de setembro, para uma viagem que, por enquanto, não tem data de término. “Vamos tentar dar a volta ao mundo e visitar o máximo número de países que conseguirmos, até porque nunca sabemos onde vamos parar”, conta Lufinha.
Aqui não há tantas regras nem recordes para bater, mas continua a ser um desafio, com uma responsabilidade muito mais acrescida, uma vez que está a viajar com os filhos. “O Francisco vai agora ter a primeira classe a bordo, é preciso gerir as coisas para se divertirem e, acima de tudo, irmos em segurança”, refere.
A primeira paragem foi a Madeira, numa viagem que não correu tão bem como o esperado devido ao tempo instável que se fez sentir nos primeiros dias de setembro. “Os miúdos enjoaram bastante, passaram o dia a vomitar, mas fomos conseguindo dar a volta. A certa altura, estávamos a fazer concursos para ver quem vomitava mais”, conta, a rir-se. Ainda assim, o kitesurfer confessa que nunca tinha visto os filhos “tão felizes” e “tão próximos”. “Abraçam-se várias vezes ao ideia. O nosso objetivo é mesmo fugir deste stress que todos vivem na cidade e aproveitar o máximo que conseguirmos, educá-los à nossa maneira”.
Depois da Madeira, a família vai arrancar para as Canárias e pretende chegar a Cabo Verde até ao final do ano, onde vai ficar uma temporada, para fugir do inverno que se aproxima. Em 2024, irão aventurar-se para o sul das Caraíbas, no canal do Panamá, e depois segue-se a maior travessia de todas: cerca de um mês no mar, sem ver terra, até chegarem à Polinésia Francesa. A ideia é ficarem lá alguns meses, antes de seguiram para a Austrália, e, depois, o roteiro é ainda uma incógnita.
Pode acompanhar a viagem nas redes sociais do recordista mundial, que vai começar a partilhar alguns momentos desta volta ao mundo em família.
A seguir, carregue na galeria para ver algumas imagens dos primeiros dias no mar.