Viagens
Marta Durán: a portuguesa que foi de boleia até ao fim do mundo
Começou por fazer voluntariado, agora viaja pelos continentes sem gastar um cêntimo. Leia a entrevista da NiT para saber como e porquê.
Por estes dias de agosto, Marta, 23 anos, costuma parar pelo centro de Lisboa, onde conduz um tuk-tuk enquanto conta histórias aos turistas. É assim que planeia juntar dinheiro para a próxima aventura, que deverá começar lá para outubro.
Em casa há pouco mais de duas semanas, vinda da Guiné Bissau, onde fez mais um programa de voluntariado, Marta é uma licenciada em Comunicação Social que faz das suas viagens um modo de vida. E tem conseguido: no ano passado esteve três meses entre a Índia e o Nepal, foi aos EUA e Canadá, e ainda deu um pulo ao continente africano.
Tudo começou no dia em que decidiu esticar o dedo para pedir boleia. Estava numa área de serviço da Suíça, decidida a chegar à Alemanha, quando entrou num carro Jaguar. Foi a primeira de muitas viagens à borla.
Viajar à boleia é o meio de transporte mais eficaz e económico?
Comecei a andar à boleia logo a seguir à minha licenciatura. Já o tinha feito mas nunca sozinha, e estava decidida a fazer uma viagem pela Europa. Como andava com pouco dinheiro, e viajar neste continente pode ser bastante caro, decidi esticar o dedo. Foi nessa altura que lancei o blogue Boleias da Marta.
Partiu de Lisboa? Onde estava na altura?
O meu plano era conhecer vários países: Holanda, Itália, Eslovénia, Polónia, República Checa. Apanhei um voo até à Suíça para começar ali a minha viagem.
Estava confortável com a ideia de viajar num carro de estranhos, fora do seu País?
Não totalmente. Tinha sido recebida na casa de uns emigrantes portugueses, amigos de amigos, que me queriam ajudar. Pedi para me deixarem numa estação de serviço. Pouco depois, talvez uns dez minutos, pára um bruto jaguar com senhor bem vestido ao volante. O meu plano era chegar à Alemanha nesse mesmo dia, mas ele acabou por me deixar bastante longe. Quando estava a sair, vira-se para mim e da-me 10€: “Para tomares um café”.
Acabou por correr bem. É sempre assim?
Estas coisas foram acontecendo ao longo destes três anos de viagens a boleia. Já fui ajudada com dinheiro, convidam-me para almoçar ou jantar… Já me deram abrigo por umas noites.
E aceitou a dormida sem problemas?
Uma vez, a caminho de Marrocos, numa viagem de um mês, um senhor deu-me uma boleia no Algarve e convidou-me para ficar na casa da família? “Acampar? Nem penses, ficas em nossa casa, em VilaMoura.” No dia seguinte deixou-me no ferry. Acho que comecei a andar de boleia porque era grátis, e continuei porque conheci pessoas incríveis que dão tudo após uma hora de conversa no carro.
Nunca apanhou nenhum susto?
Já aconteceu, sobretudo em países menos desenvolvidos, onde as mulheres não são vistas como na Europa. Curiosamente, uma dessas situações aconteceu na Suíça, com um homem que me deu boleia e que tinha segundas intenções. Quis levar-me para casa. Íamos a meio da autoestrada, ameacei chamar a polícia se ele não me deixasse na próxima estação de serviço. O meu telefone nem funcionava. Acabou por parar. Fiquei muito assustada, mas nesse dia fiz mais 600 quilómetros de boleia. Nos comboios tinha sempre medo quando era a única a viajar. Até descobrir que o último vagão é sempre das mulheres.
Qual foi a sua primeira viagem a sério?
Foi em 2014. Não fiz sozinha mas foi a primeira vez que saí da minha zona de conforto, que percebi que havia muito mais do que as ruas da minha cidade. Foi importante sentir o choque de culturas, a diferença entre as pessoas, entre os países. A experiência desse mês fez-me ganhar um bichinho pelo voluntariado e pelas viagens.
Foi para Moçambique durante esse mês. Que tipo de voluntariado?
Fui dar aulas a crianças da primária, formação a professores sobre métodos de ensino, e fizemos colónias de férias. Era uma missão católica, embora eu seja agnóstica. Por esta altura já tenho em mim todas as religiões do mundo, ou quase (risos). Ajudávamos as irmãs e os freis no que eles precisavam. Era uma missão ex-colonial, construída por portugueses, no meio do nada. Mas com uma igreja colonial, uma escola, casas. Foi criada por um padre franciscano. Ainda há imensos vestígios de Portugal. Depois disso, passei a fazer voluntariado todos os verões.
Não era uma pessoa muito viajada?
Nunca tinha viajado, nunca tinha tido oportunidade porque os meus pais não são muito de viajar, e achava que era só para pessoas muito ricas. Depois apercebi-me que trabalhando, fazendo viagens low cost e possível viajar de forma barata.
É habitual trabalhar a meio das viagens para poder seguir caminho?
Sim. No ano passado fui para os EUA, o meu objetivo era trabalhar e viajar três meses. Ia trabalhar numa zona de restauração em Newark, só que era tão mau que decidi vir embora. Na ultima viagem de oito meses pelo Nepal e Índia, em 2017, estive a dar aulas de português em Katmandu.
E pagaram-lhe?
Trabalhei em troca de estadia, alimentação e um pocket money para o mês. Foi uma oportunidade única. Uma amiga disse-me que conhecia alguém no Nepal que estava a dar aulas e que ia precisar de uma substituta. Até me pagaram o voo. Tinha de ficar cinco meses a dar a aulas de português. Disse logo que sim, sem hesitar. Passado um mês fui.
Para alguém que sonhava conhecer o sudoeste asiático, imagino que tenha sido a viagem de uma vida.
Por esta altura no ano passado já lá estava há um mês e pouco. O Nepal foi muito marcante para mim. Além de dar aulas, fiz trekking pelos Himalaias, foi fantástico chegar a altitudes acima dos cinco mil metros, e sentir-me livre. De tudo, do mundo.
Há um lado espiritual nessa viagem?
Indiretamente acaba por nos influenciar. Depois de umas horas a caminhar, em altitudes elevadas, a respiração diminui, a ver bandeiras budistas, pessoas a rezar, tudo isso acaba por mexer muito comigo. E estar sozinha ainda mais, porque só comecei a encontrar pessoas mais tarde. Os locais têm umas casinhas para receber os caminhantes, e nós ficamos lá. Pagamos a alimentação e eles dão-nos abrigo. Como consigo falar nepalês, senti sempre uma grande proximidade, eles achavam muito engraçado chegar e começar a falar na língua deles.
Seguiu dali para a Índia, um dos seus países de visita obrigatória. Como foi?
Quando fui para o Nepal ia sem planos. Cinco meses já me parecia suficiente, mas depois apercebi-me que estava perto da Índia e pensei: ‘não quero ir ja para casa, não faz sentido’. Passei a fronteira e fui sozinha, com os meus amigos e família a dizerem-me que estava maluca, que ia ser violada, raptada. E estive quase seis meses.
Foi difícil regressar?
Quando voltei, uma semana depois fui fazer uma roadtrip por Portugal, para dar palestras aos jovens portugueses nas escolas secundárias, para os motivar a fazer gap year, para viajar, incentivá-los a sair da sua zona de conforto. No é obrigatório entrar logo na universidade. Há formas de tornar esse ano sabático possível.
Costuma manter a ligação a Portugal quando está em viagem?
Falo todos os dias com a minha mãe senão ela não dorme. Da realidade portuguesa vivo sempre alheada. Quando chego está tudo igual.