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Mendo, o fotógrafo português que sobreviveu a uma das ondas mais perigosas do mundo

Foi um dos profissionais que estiveram envolvidos no acidente de barco em Teahupoo, que se tornou viral nas redes sociais.
Tem 28 anos.

Para os surfistas de alta competição e os fotógrafos e jornalistas que os acompanhavam, 22 de maio de 2022 seria apenas mais um dia no mar, a apanhar (e a fotografar) as enormes ondas de Teahupoo, no Taiti. Só não esperavam que ocorresse uma das maiores ondulações da história.

O fenómeno deu que falar em todo o mundo, sobretudo graças a um vídeo que se tornou viral nas redes sociais há uns meses. As imagens mostram um barco — cheio de fotógrafos profissionais que estavam a captar o evento — a ser engolido por uma enorme onda. A embarcação virou e os passageiros, assim como os equipamentos de milhares de euros, acabaram por cair dentro de água, na zona de maior perigo de impacto. Um desses profissionais era o fotógrafo português Mendo Dornellas, que contou à NiT como foi viver esta experiência quase de vida ou de morte.

Ainda antes de se tornar profissional na área da fotografia, Mendo, de 28 anos, já era um apaixonado pelo surf. Durante o seu percurso, acabou por conhecer o amigo e surfista português de ondas grandes Nicolau Von Rupp, com quem fez várias viagens para documentar os momentos no mar. Uma delas foi precisamente até Teahupoo, uma vila na costa sudoeste da ilha de Taiti, a maior da Polinésia Francesa, conhecida por oferecer algumas das ondas mais potentes do mundo.

Apesar da paixão pelo surf e de estar habituado a acompanhar o amigo nestas aventuras, Mendo é apenas um surfista regular em ambientes controlados e tinha perfeita noção que, se estivesse no momento errado e no lugar errado, poderiam existir consequências graves. “Lembro-me que, em quase todas as viagens que fiz, pressentia sempre que alguma coisa ia correr mal, mas nunca aconteceu nada de grave. No entanto, havia sempre grandes sustos e o dia em Teahupoo foi um deles”, conta à NiT o fotógrafo. 

Chegaram à ilha da Polinésia Francesa depois de uma longa viagem de 59 horas, a pensar que os próximos dias seriam tranquilos. Mendo encontrou uma das equipas que tinha estado no mar no dia em que chegaram e percebeu que tinham sofrido um acidente depois de ver o equipamento todo encharcado. “Um dos videógrafos teve o azar de estar num barco que virou com uma onda e acabou por ir para o hospital. Foi aí que percebi que isto podia não ser tão tranquilo como pensava”, recorda.

Para evitar o perigo, era preciso garantir sempre que estavam num barco bom, capaz de enfrentar um mar destemido — mas em regiões remotas, as condições nem sempre eram as melhores. Ainda assim, no dia seguinte, o fotógrafo português conseguiu entrar num barco com os melhores fotógrafos e realizadores que também estavam a acompanhar o evento. “Vai ser um dia inacreditável, com uma equipa inacreditável e provavelmente não vou correr nenhum perigo”, pensou Mendo, na altura.

Quando lá chegou, de manhã, as ondas já estavam gigantes e eram “de uma beleza incrível”. “As pessoas chegam do mundo inteiro para assistir ao fenómeno. O mar fica cheio de barcos e o espaço entre eles é muito reduzido. É uma loucura”, realça. O dia foi começando e, a cada minuto, chegavam mais barcos — e a ondulação estava cada vez mais forte. Com um espaço cada vez mais apertado, tudo começou a ficar caótico. “Muitos barcos caíram uns em cima dos outros, era um cenário quase de guerra e perigoso. Todos estavam com medo, até mesmo pessoas que estão habituadas a este tipo de condições”, recorda.

Por estar dentro do barco com a equipa de fotógrafos, este tinha de estar sempre na primeira linha para conseguirem capturar melhor as fotografias. “A certa altura, estávamos literalmente com o barco onde as ondas estavam a rebentar. Em nenhum lugar do mundo um barco podia estar exposto àquelas condições, estávamos numa posição muito perigosa”, conta. Foi então que chegou uma onda gigante que reduziu o espaço de tal maneira que já não havia nenhuma zona segura. Os barcos tinham que começar a avançar, um a um — e os que ficavam para trás corriam, naturalmente, maior perigo. 

“Quando apareceu esta primeira onda gigante, estávamos atrás. Depois vem uma série de três ou quatro ondas que ninguém estava à espera, foi imprevisível. Um dos fotógrafos acabou por se desequilibrar e cair na água” recorda. Se já estavam atrasados, o acidente ainda piorou mais a situação, mas a vida de uma pessoa estava em risco e não podiam deixá-la perdida no mar. 

Bastou um atraso de segundo e meio: Mendo olhou para frente e viu uma “parede gigante de água”. “Depois da onda bater de frente, o barco voa. Pensei que era agora, que ia morrer. Fui catapultado para dentro de água, lembro-me de cair com a máquina e o telemóvel. Não tínhamos colete salva-vidas, a roupa que tínhamos no corpo pesava. Parecia que estava tudo contra nós”, conta o fotógrafo, que acabou por largar a câmara e nadar o mais rápido possível. “Felizmente ninguém se magoou a sério, foi quase um milagre ninguém ter sido enrolado numa onda daquele tamanho. Éramos umas 10 pessoas no mar”. No fim do dia, perderam apenas o material, quando podiam ter perdido a vida. 

O início de uma carreira na fotografia

O acidente de barco em Teahupoo foi apenas uma das muitas experiências de vida ou de morte de Mendo Dornellas, filho de pai português e mãe belga. Passou os primeiros anos de vida na Bélgica e, embora tenha poucas recordações desses dias, lembra-se que foi lá que, inconscientemente, nasceu o seu interesse pela fotografia. “O meu pai era colecionador das revistas da National Geographic . Lembro-me de uma estante quase toda amarela, de abrir essas revistas e ver as páginas com as fotografias espetaculares”, conta o fotógrafo.

Aos seis anos, mudou-se para Lisboa e começou a passar os verões inteiros no mar, na Costa da Caparica. Foi nessa altura que nasceu “a maior de todas as paixões”: o surf. Este hobby acabou por ser um ponto de ligação tanto à fotografia como às viagens. Afinal, não é novidade para ninguém que todos os surfistas andam à procura das melhores ondas do mundo. “Lembro-me de estar na Ericeira e, no meio das caminhadas, parava para tirar fotografias com o meu telemóvel para ter um momento que me fizesse recordar o quão bom tinha sido aquele dia”. Foi essa exposição constante à natureza que suscitou o interesse pela fotografia, mas só anos mais tarde é que viria a dedicar-se a 100 por cento a esta área. Na altura, era um miúdo que só queria surfar. 

Enquanto estava a tirar o curso de Marketing e Publicidade, em Lisboa, aproveitava o verão para trabalhar numa surf camp em Melides para conseguir juntar algum dinheiro e ganhar independência financeira. “Foi lá que tive a minha experiência com uma câmara, porque tínhamos um fotógrafo que tirava fotografias incríveis. Um dia pedi-lhe para me emprestar a máquina e fiquei pasmado com o resultado”, recorda.

Desde esse dia, andava com uma máquina fotográfica para tudo o que era sítio. Depois de uma viagem a Marrocos com os amigos, acabou por publicar no Facebook uma coleção de fotografias, que recebeu vários comentários positivos. “A partir dessa viagem, a fotografia tornou-se uma coisa muito pessoal minha. Tentava retratar tudo o que via e chegaram a aparecer marcas pequenas com propostas de trabalho, mas na altura só o fazia por gosto”, refere Mendo. 

Paralelamente, continuava a trabalhar na surf camp, até que terminou a faculdade e decidiu criar o seu próprio negócio relacionado com o surf. Contudo, devido a problemas com licenças e questões financeiras, viu-se obrigado a abandonar, temporariamente, o sonho. 

“Tinha acabado a faculdade e pensei que era uma boa altura para viajar, mas sentia esta necessidade urgente de criar o meu negócio e trabalhar. Então lembrei-me da fotografia e decidi investir tudo o que tinha aprendido nos últimos anos para tornar-se num fotógrafo de sucesso”, diz. E assim foi. 

Começou com pequenos trabalhos — fotografava raparigas de Lisboa como se fosse uma campanha publicitária — e, com 24 anos, foi chamando a atenção de marcas nacionais e, depois, internacionais. A partir daí, nunca mais parou. Seguiram-se viagens à volta do mundo inteiro e aventuras sem fim. Viajou durante três anos pelo mundo, inspirado por grandes produções de anúncios publicitários para marcas internacionais, mas de certa forma sempre ligado ao mar e ao surf — que continuavam a ser as suas grandes paixões.

Durante esse processo, conhece o Filipi, com quem desenvolve a The End Films, uma produtora de publicidade e moda baseada em Lisboa. Durante toda essa jornada, passou por situações de vida e morte, como escapar a um colapso de uma barragem nas montanhas perto de Machu Picchu, no Peru, e outras situações de alto risco a filmar ondas gigantes, acompanhando alguns dos maiores surfistas de ondas grandes do mundo.

O colapso de uma barragem no Peru

Quando, em fevereiro de 2020, Mendo se juntou a um documentário que estava a ser feito com sete pessoas que foram escolhidas para viajar à volta do mundo durante seis meses, não sabia que ia viver um dos momentos mais marcantes da sua vida. Um dos destinos do projeto foi o Peru, sendo que o objetivo seria fazer um trekking de cinco dias até Machu Picchu. 

No segundo ou terceiro dia de viagem, estavam atrasados para visitar umas termas, mas pararam para almoçar num restaurante junto ao rio, na parte baixa de um vale. “Lembro-me de estarmos a almoçar e ouvir o barulho do rio, mas o som tornou-se cada vez mais intenso, quase como se fosse uma cascata. Lembro-me de ver peruanos a correr para todo o lado e não estávamos a perceber o que tinha acontecido”, recorda. 

Entretanto, o guia de grupo aparece “completamente exaltado”, atira-os para dentro de uma carrinha e começam a subir a montanha. E foi então que perceberam tudo o que estava a acontecer. 

Como tinha chovido muito mais do que o normal nos últimos meses, no Peru, o lago natural que estava no topo da montanha estava tão cheio que começou a transbordar, aumentando o fluxo do rio. A parede da barragem acabou por colapsar, criando uma espécie de tsunami que entrou pelo vale. Mais de 200 pessoas desapareceram nesse dia. “Era um cenário apocalíptico, só víamos famílias a correr e a chorar. As aldeias estavam completamente destruídas. As pessoas que estavam nas termas, onde também devíamos estar, acabaram por morrer”, conta. 

À noite, foram jantar a uma aldeia no meio da montanha, mas a tristeza consumia todos os que lá estavam. “Apesar de tudo, foi uma sorte terrível estarmos no sítio certo à hora certa. Por isso decidi fazer um brinde. De repente, o jantar transformou-se numa festa e até os locais foram ver o que se passava. Estávamos todos a celebrar a vida”. 

De seguida, carregue na galeria para ver alguns dos trabalhos de Mendo Dornellas.

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